Gueminho Bernardes volta à Funalfa em busca de ‘escuta qualificada’
Aos 65 anos, o roteirista, produtor, diretor e ator assume a gerência do Departamento de Coordenação de Espaços em busca de criar novas dinâmicas de ocupação em meio às limitações impostas pela pandemia
Após 40 anos de militância como agente cultural, o roteirista, produtor, diretor e ator Gueminho Bernardes, 65 anos, volta à Funalfa como gerente do Departamento de Coordenação de Espaços, um dos cinco que integram a fundação dirigida por Giane Elisa Sales de Almeida desde 1º de janeiro. Antes pedra, Gueminho agora é vidraça. Assessor do gabinete da prefeita Margarida Salomão (PT) entre 2017 e 2020, quando deputada federal, ele é o novo responsável pela dinâmica de ocupação de equipamentos culturais como o Teatro Paschoal Carlos Magno, o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (CCBM), o Centro Cultural Dnar Rocha, a Praça CEU, o Museu Ferroviário, a Casa de Leitura Delfina Fonseca Lima e a Biblioteca Municipal Murilo Mendes. Antes, há cerca de 20 anos, sob a terceira gestão de Tarcísio Delgado, trabalhou como coordenador de Cultura. Também atuou como gerente do Espaço Mascarenhas entre 1988 e 1992. Agora, em meio à pandemia de Covid-19, sua função é, ao menos no primeiro ano de gestão, paradoxal. “Temos que ter olhos amplos sobre tudo o que está acontecendo na sociedade, sabendo que não podemos tomar medidas isoladas.”
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O início da vacinação contra a Covid-19, justamente pelo baixo número de doses encaminhadas ao Município, ainda não dá perspectivas para a reocupação dos espaços, confessa Gueminho. “Seria diferente se, a cada semana, tivéssemos um milhão de vacinas, ou, em Juiz de Fora, cem mil vacinas. Neste cenário, conseguiríamos fazer um calendário, um cronograma, organizar os grupos, cadastrar os grupos.” De acordo com o gerente, uma eventual reabertura não seria decidida apenas pela Funalfa, pois ainda passaria pelo crivo da Secretaria de Saúde e do Fórum pela Vida. “É uma construção coletiva e todas as secretarias entregam os seus pontos de vista, as suas necessidades e as suas demandas, que são negociadas coletivamente. Eu, particularmente, acho que ainda não existe condição, infelizmente. Fomos os primeiros a fechar e seremos os últimos a abrir.”
O que está ao alcance de Gueminho neste momento à frente do Departamento de Coordenação de Espaços – que, em breve, será intitulado Departamento de Dinâmicas Culturais – é a interlocução com a classe artística para estabelecer dinâmicas de ocupação. “A ideia é justamente dinamizar os espaços, não só em meio à pandemia. O nosso projeto é encontrar uma metodologia de escuta qualificada com a classe artística. Nós já estamos criando uma metodologia, e, em breve, ainda neste mês, vamos ter este processo bem definido para abrir um canal de diálogo.” A operação, acrescenta, será similar àquela que Margarida mantinha no próprio gabinete. “A Margarida era convidada pela comunidade, ouvia e, a partir desta conversa, desenvolvia projetos e vinham as emendas.”
Entretanto, questionado sobre qual metodologia seria adotada, Gueminho preferiu não adiantar. “O meu departamento é formado pelos supervisores dos espaços e por assessores. Eles já estão trabalhando com um documento que geramos, e estamos na fase preliminar de debate. Mas, basicamente, é um processo que vai ter como fim uma identificação dos agentes culturais. A base de tudo é a informação. É preciso ter um cadastro, um levantamento dos equipamentos e, o que é fundamental, criar uma canal de comunicação para que os agentes saibam como falar com a Funalfa. Isso pode parecer banal, mas escuto as pessoas perguntarem onde fica a Funalfa. É incrível escutar alguém perguntar isso. A Funalfa fica no Parque Halfeld, no lugar que tem mais visibilidade em Juiz de Fora.”
‘Vamos atrás dos agentes culturais’
O objetivo, explica Gueminho, é romper a bolha do que já é um grupo “superconhecido” no cenário local. “Eu conheço quase todo mundo, mas a comunidade cultural é um ambiente muito dinâmico. A cada ano, a cada mês, surgem novos valores, e temos que ir atrás daqueles que estão nos territórios geográficos e sociais mais afastados. A prioridade é identificar essas pessoas, os espaços, os produtores, os agentes culturais e começar a estabelecer canais de comunicação. Não vou esperar que me procurem. Nós vamos atrás deles. Vamos atrás desses agentes culturais, conhecer a realidade deles, a possibilidade que cada um tem de trabalho, de espaços, quais são as necessidades.” De acordo com o gerente do Departamento de Coordenação de Espaços, a Administração já tem em mãos mapeamentos anteriores, como o realizado no âmbito das leis Aldir Blanc e Murilo Mendes pela gestão passada, além de outro requisitado pela então deputada Margarida Salomão.
Em entrevista à Tribuna após ser empossada como diretora-geral da Funalfa, Giane Elisa afirmou que pretende que o Teatro Paschoal Carlos Magno seja socializado, “para que o menino que estuda lá no Santa Cruz tenha a possibilidade de se ver produtor cultural e de se ver público”. Ao ser perguntado como o próprio departamento poderia institucionalizar políticas públicas para a ocupação destes espaços para pessoas historicamente marginalizadas, Gueminho aponta para a necessidade de estabelecer uma relação de confiança. “Vamos começar a nos conhecer e a mostrar quem somos nós, a que viemos e o que queremos fazer. Os equipamentos devem ser conhecidos, e os agentes culturais e o público, convencidos de que os espaços podem ser utilizados.”
Gueminho relata que, em alguns espetáculos que protagonizou, já flagrou pessoas espantadas com a magnitude do Cine-Theatro Central como se questionassem se tinham direito de estar ali. “Pode ser que o trabalho da pessoa seja no seu bairro, na sua comunidade, pode ser que seja em outros bairros, em outro país. O importante é que a pessoa saiba que existe a possibilidade de ir para o Paschoal. É isso que temos que oferecer. Mostrar com muita clareza e transparência quem somos, o que temos e como faz. A pessoa tem que saber que a gente existe, como funciona e que ela pode. Se ela quer, é outro problema. O trabalho é árduo e complexo, porque enfrentamos estruturas de discriminação e preconceito que são antigas e poderosas.”