Tempos estranhos
Independentemente de simpatia ou alinhamento político, não podemos negar que vivemos um momento estranho. A hostilidade em diversos segmentos é latente. Brigamos por muito pouco. Ou quase nada. O respeito às diferenças, por aqui, tem pés de barro. Não vai além do discurso, na maioria dos casos, e não caminha nem da boca para fora, não se consubstanciando em ações prática; e nem da boca para dentro, com a aceitação, de fato, de individualidades e diversidades.
Este momento estranho fomenta uma busca eterna por inimigos. Quando tal sanha é absorvida por agentes do estado, corre-se o risco de abusos e equívocos. Foi o que vimos recentemente na tragédia de Paraisópolis que resultou na morte de nove jovens pisoteados, após ação no mínimo intempestiva de integrantes da Polícia Militar de São Paulo. Guardadas as devidas proporções, um tumulto bastante similar pôs fim a festa de comemoração dos títulos do Flamengo no último dia 24, com o aparato do Estado do Rio utilizando de força bruta não letal contra populares.
Nas duas situações, as forças de segurança apresentaram suas justificativas para a truculência. Em São Paulo, a tragédia foi causada pela perseguição a supostos bandidos motorizados que escaparam em meio à multidão que se aglomerava ao som do funk. No Rio de Janeiro, o caos teria se instalado após alguns torcedores tentarem furar o bloqueio para seguir acompanhando o cortejo dos campeões. Escusas à parte, não importa a causa, mas a consequência: o que se viu foi o Estado se opor à população em repúdio a seu direito de livre manifestação.
Por vezes, receio que tais situações signifiquem a falência de nossas forças de segurança, incapazes de se antecipar pela inteligência e prevenir, de fato, situações similares. Em outras, temo que a repressão seja ferramenta intencional para manter o status quo, uma vez que sempre é exacerbada ante a manifestações genuinamente populares como o funk e o futebol. Por que tratar deste tema em uma coluna de esporte? Talvez seja pelo fato de já ter sido tratado como bicho e mantido cativo em um estádio de futebol minutos a fio pelo simples fato de torcer pelo time visitante em nome de uma segurança repressora, mais coagido pelo Estado do que pela dita violência de nossas arquibancadas.