Imagens que ficam
Imagine estar em um Campeonato Mundial, ponto ápice na carreira de todo atleta, e, ao chegar lá, diante de um estádio com cerca de 30 mil expectadores, ver o adversário à frente lesionado e abdicar da prova para ajudá-lo a cruzar a linha de chegada. Certamente você, se assistiu a algum noticiário esportivo ou se acessou alguma rede social nos últimos dias, acabou vendo tal cena.
Elas foram protagonizadas por Braima Suncar Dabó, de Guiné Bissau, e Jonathan Busby, de Aruba. Ao ver o oponente cambaleante, Dabó escorou Busby no ombro até que ele conseguisse concluir os 5 mil metros da bateria, que reuniu 20 atletas no primeiro dia de Mundial de Atletismo. A vitória, com a consequente qualificação, foi conquistada por Selemon Barega, da Etiópia, com o tempo de 13min24s69. Mas os dois últimos – Dabó teve o tempo computado em 18min10s87, e Busby, desclassificado – brilharam muito mais do que o primeiro colocado.
Em dias de dedos em riste nas recentes e acaloradas discussões entre jogadores e técnicos no futebol brasileiro, por exemplo, a atitude dos adversários em Doha é o alento que as competições também se propõem. Eles eram retardatários, Dabó já há 4 minutos atrás do antepenúltimo colocado? Sim. Entraram como favoritos à classificação? Não. Muito pelo contrário, a vaga no torneio surgiu a partir de um convite da Federação Internacional. São as estrelas do atletismo mundial? Também não. Mas serão lembrados não pelo que fizeram em termos de marcas (embora eu, você e a maioria dos mortais que conhecemos nunca conseguiremos correr 5km em 18 minutos), mas pelo que não se negaram a fazer enquanto parceiros de profissão.
A imagem será recordada tal como a de Nikki Hamblin, da Nova Zelândia, e da americana Abbey d´Agostino, que se enroscaram nas Olimpíadas do Rio e, juntas, cruzaram a linha de chegada; como Alistair Brownlee, que ganhou notoriedade não “só” com seus dois ouros olímpicos, mas com a ajuda que ofereceu ao irmão Jonny, que se sentiu mal em uma prova de triatlo, a 700 metros da chegada, precisando ser carregado até o tapete final. Ou como Vanderlei Cordeiro de Lima, que tornou-se imortalizado no esporte brasileiro por desvencilhar-se de um maluco que tirou-lhe a chance do ouro, persistir e conquistar o bronze nos Jogos de Atenas.
Imagens recentes, nenhuma delas de vitórias propriamente ditas. Mas que eternizam e humanizam muito mais que qualquer medalha ou título conquistado.