Morrer e morte: medos antissociais?
Você já pensou a respeito da sua própria morte? E do seu morrer? Vamos entender o que cada termo significa: morte é um evento, assim como o nascimento; ele nasceu, ele morreu. Algo que se caracteriza por poucos minutos e até mesmo segundos para ocorrer. E o morrer? Morrer (assim como o trabalho de parto que antecede o nascimento/nascer) é um processo. Significa um período de tempo onde há um começo e um fim. No caso do nascimento, o fim é a vida. No caso do morrer, o fim é a morte. Simples assim! Em palavras, claro! Nada na nossa vida é simples, como de fato constatamos em nosso dia a dia.
Mas se morrer e morte, ao pé da letra, não são sinônimos, por que muitas vezes utilizamos tais palavras de tal forma? Morrer sempre será um processo… Morte sempre será um evento…
Se morrer é um processo, como anda o morrer das pessoas hoje em dia? Ou melhor escrevendo, como anda o processo de morrer das pessoas hoje em dia? Eis uma questão complexa, profunda, entorpecida de tabus e crenças, mas uma realidade que é vivida todos os dias por quem ainda está vivo.
Ninguém quer ouvir falar, ou ouvir alguém dizer, sobre morte, morrer, falecer, partir, ir para o beleléu… Ninguém quer, mas todos vão ouvir, em algum momento de suas vidas, porque é impossível fugir disso: o morrer e a morte.
A tanatologia é a ciência que estuda a morte, nas suas mais variadas representações culturais ao redor do nosso vasto mundo. O cuidado paliativo (ou no plural, cuidados paliativos) é a parte da Medicina que cuida de pessoas que possuem doenças crônicas, avançadas e em progressão, cujo desfecho final será a morte, sendo, portanto, a parte da Medicina que é responsável por “cuidar de quem está morrendo”. Talvez uma forma mais amena seria dizer que os profissionais que trabalham com cuidado paliativo (o médico, o enfermeiro, o psicólogo, o assistente social e todos os demais profissionais da saúde tecnicamente treinados para isso) são um amenizador do sofrimento humano.
O ser humano sofre, e sofre principalmente quando entende a finitude do seu viver. Alguém aí quer morrer agora? Boa parte das pessoas responderá que não! Mas, infelizmente, a ciência não pode manter a vida de forma eterna. Ainda! E ainda bem! Porque precisamos nos reciclar e, assim, permitir que melhores versões de nós mesmos possam viver…
Cuidado paliativo cuida da vida enquanto ela existe, mesmo quando ela se encontra em processo de despedida… Um ser humano é um ser humano até que a chama de sua vela se apague! Enquanto sua vela estiver acesa, ele tem uma biografia, uma história, um passado e um presente que merece ser ouvido, compreendido e acatado…
Gilberto Gil, um ícone da música popular brasileira, traz em uma de suas canções os seguintes versos: “Não tenho medo da morte… Mas sim medo de morrer… A morte é depois de mim… Mas quem vai morrer sou eu… A morte já é depois… Já não haverá ninguém… Quem sabe eu sinta saudade… Como em qualquer despedida…”.
Gil nos diz que a morte é um evento, e sua preocupação maior é com o morrer, que é um processo… Quem estará cuidando de mim no meu morrer? Quem estará amenizando meu sofrimento no meu morrer?
Receber cuidado paliativo, que cuida da vida enquanto ela ainda existe e vai se apagando lentamente, é um direito humano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Que possamos ter um viver digno, um morrer mais digno ainda e uma morte em paz, sempre! Que possamos perder o medo de conversar sobre o morrer e, assim, partilhar com nossos entes queridos os nossos fiéis desejos nesse momento… Assim como a vida ressurge, o morrer fazendo parte da vida permite que este ciclo continue… Por um viver, um morrer e uma morte dignos, sempre!
Este espaço é livre para a circulação de ideias e a Tribuna respeita a pluralidade de opiniões. Os artigos para essa seção serão recebidos por e-mail ([email protected]) e devem ter, no máximo, 30 linhas (de 70 caracteres) com identificação do autor e telefone de contato. O envio da foto é facultativo e pode ser feito pelo mesmo endereço de e-mail.