Comunidades do Bom Pastor e Alto dos Passos denunciam vandalismo e violĂȘncia
PolĂcia Militar admite ter feito uso de força para dispersar brigas generalizadas, com lançamento de bombas de gĂĄs lacrimogĂȘneo e disparo de balas de borracha
A falta de segurança e a perturbação de sossego no Alto dos Passos e no Bairro Bom Pastor voltaram a preocupar apĂłs um final de semana de muito vandalismo e violĂȘncia na regiĂŁo. No Bom Pastor, por exemplo, um evento foi considerado o estopim do tumulto que varou a madrugada e interditou, parcialmente, a Rua Doutor JosĂ© ProcĂłpio Teixeira. A PolĂcia Militar admitiu ter feito o uso de força para dispersar brigas generalizadas no inĂcio da madrugada de domingo, com lançamento de bombas de gĂĄs lacrimogĂȘneo e disparo de balas de borracha. Com autorização da Prefeitura para ocupar a Praça Bom Pastor de sexta a domingo, o encontro reuniu cervejarias da cidade, gastronomia e shows de grupos de samba, alĂ©m da participação de DJ. Os moradores da ĂĄrea, no entanto, se viram acuados e afirmam terem visto consumo de bebidas alcoĂłlicas por adolescentes, uso de drogas nas imediaçÔes do local, barulho e tumulto. Com fotos e vĂdeos, eles denunciaram, ainda, a transformação do espaço pĂșblico em depĂłsito de lixo. Imagens feitas na manhĂŁ de domingo mostravam o estado da praça, transformada em lixeira a cĂ©u aberto.
Segundo o comandante do 1Âș pelotĂŁo da 32ÂȘ Companhia, tenente Gilmar da Silva, cerca de 600 pessoas eram esperadas no evento, mas duas mil compareceram apĂłs marcarem o encontro pelas redes sociais. Em função do nĂșmero inesperado de pessoas, ele diz que a PM precisou pedir reforço. A situação foi agravada apĂłs um cabo ter sido atingido por uma pedrada. “ApĂłs o fim do evento, houve algumas brigas generalizadas, e a PM precisou intervir.
Morador flagrou situação em que foi deixada a praça na manhã de domingo, com centenas de copos, plåsticos e latas de cerveja espalhados por todos os cantos (Foto: Paulo César Lourenço)
Com o fechamento da rua principal pelas pessoas, precisamos fazer uso moderado da força para poder liberar a via. Populares, no entanto, jogaram pedras e garrafas contra a polĂcia e, por isso, usamos mecanismos para dispersĂŁo da multidĂŁo e de brigas generalizadas. NĂŁo excedemos o nosso trabalho, apenas fizemos o necessĂĄrio para o restabelecimento da ordem”, explicou o comandante. Uma advogada de 31 anos chegou a ser detida. Ela foi orientada a deixar o local, mas teria xingado os militares, resistindo Ă prisĂŁo. A mulher foi levada para a UPA Santa Luzia, onde foram constatadas escoriaçÔes nos braços. Depois de atendida, ela foi conduzida para a sede da 32ÂȘ Companhia da PM, onde assinou termo de compromisso e teve uma audiĂȘncia marcada.
ReuniĂŁo
A situação serĂĄ discutida nesta terça-feira (12) pelo Conselho de Segurança Centro Sul. Representantes da Prefeitura tambĂ©m foram convocados para o encontro, que acontecerĂĄ Ă s 19h30, na sede do Clube Bom Pastor. A comunidade quer que a Prefeitura explique de que forma se deu a autorização para realização do evento e se os organizadores se comprometeram a dar alguma contrapartida para o bairro, jĂĄ que houve lucro com a utilização de um espaço pĂșblico, porĂ©m residencial.
Em nota, a Prefeitura confirmou que o evento foi licenciado pelos ĂłrgĂŁos competentes, como SecretĂĄria de Atividades Urbanas e Corpo de Bombeiros, contando com o aval da UniĂŁo Juiz-Forana de AssociaçÔes ComunitĂĄrias de Bairros e Distritos (Unijuf). Cita, ainda, boletim de ocorrĂȘncia para afirmar que o tumulto ocorrido no sĂĄbado se deu em razĂŁo da aglomeração de pessoas que nĂŁo participavam do encontro, apĂłs o tĂ©rmino do mesmo. A Secretaria de Atividades Urbanas garantiu que esteve no local no sĂĄbado para controle dos ambulantes e autuação de veĂculos com som automotivo. JĂĄ no domingo, alega ter agido conjuntamente com a PolĂcia Militar para encerramento do evento de forma antecipada. Em relação Ă sujeira, a assessoria de imprensa diz que os organizadores da festa eram os responsĂĄveis pela limpeza apĂłs sua realização. “PorĂ©m, foi constatado pela fiscalização que o tumulto e a sujeira deixada no espaço nĂŁo foi gerada apenas pelo evento, mas, sim, por populares que se encontraram no entorno do local”. Devido a essa situação, a Prefeitura admite que o Demlurb realizou a limpeza.
‘RepĂșdio’
Por meio de nota, a organização do evento, KB ProduçÔes, repudiou os atos praticados, lamentou o ocorrido e disse que tambĂ©m foi prejudicada pelo tumulto no entorno. “Lamentavelmente, nesta edição, fomos surpreendidos com a aglomeração de jovens e adolescentes no entorno do espaço, que organizaram pelas redes sociais um evento simultĂąneo intitulado Bloco do Bom Pastor. Ao tomarmos conhecimento da situação, nos empenhamos para tentar evitar a aglomeração ou minimizar os transtornos. Reforçamos a segurança, delimitamos o ambiente do evento com grades e acionamos as autoridades competentes”, afirmou, acrescentando estar solidĂĄria aos moradores.
Morador diz que ĂĄrea foi transformada em ‘praça de guerra’
Arquiteto e urbanista, Paulo CĂ©sar Lourenço, diz que Ă© favorĂĄvel ao uso coletivo do espaço pĂșblico, mas discordou da forma como se deu a apropriação do local. Morador da ĂĄrea, ele disse que a praça foi transformada em âpraça de guerraâ. âAcho que o espaço pĂșblico tem que ser utilizado, sim, porque Ă© a maneira de se garantir a qualidade, para que nĂŁo haja uma apropriação inadequada. Mas o que aconteceu no bairro foi um verdadeiro vandalismo. O evento festivo, ainda que tivesse o propĂłsito de reunir famĂlias, nĂŁo contou com nenhum tipo de controle. A praça do Bom Pastor se transformou em praça de guerra, consumo de droga e de bebida alcoĂłlica por adolescentes. Foram cenas de selvageria. Como morador do bairro, cidadĂŁo e tambĂ©m como urbanista, Ă© fundamental nĂŁo sĂł a cessĂŁo do espaço mediante a garantia de limpeza e segurança. Acho que, em uma negociação do espaço pĂșblico para eventos, deveria haver uma contrapartida antecipada para o bairro, como melhorias no espaço, algum tipo de investimento que qualifique o usoâ, comenta.
Tumulto migra para o Alto dos Passos
O tumulto que foi registrado no Bairro Bom Pastor, apĂłs a realização de um evento na praça, migrou para o bairro vizinho Alto dos Passos, onde novas situaçÔes de perturbação do sossego deixaram moradores indignados. Brigas, correria, carros com som alto, consumo de bebida alcoĂłlica e urina na frente das portas de algumas casas elencam a lista de reclamação dos residentes, que afirmaram que o tumulto, na Rua Dom Viçoso, atravessou a madrugada atĂ© por volta das 4h, no Ășltimo sĂĄbado.
De acordo com a presidente da Associação de Moradores do Alto dos Passos e do Conselho de Segurança (Conseg), Rita de CĂĄssia GuimarĂŁes Pipa, como seu bairro Ă© conhecido pela presença de bares e restaurantes, atrai a presença de muitos jovens e oriundos de diversas parte da cidade. “HĂĄ bares, aqui, que percebemos que tĂȘm uma consciĂȘncia de nĂŁo prejudicar a vizinhança. Todavia, hĂĄ alguns, cerca de quatro num universo de 40, que sĂŁo estabelecimentos que possuem multas, havendo omissĂŁo por parte dos proprietĂĄrios. Eles permanecem abertos atĂ© as 4 horas da manhĂŁ e nĂŁo respeitam os alvarĂĄs, pois desviam sua função primeira, abusando do som alto sem ter cuidado acĂșstico e promovendo eventos. Essa situação Ă© agravada por estarmos no verĂŁo e ser um perĂodo de inĂcio de aula, o que funciona como atrativo para a juventude”, afirma Rita de CĂĄssia, acrescentando que a falta de polĂticas pĂșblicas e a carĂȘncia de opçÔes de lazer contribuem para essa aglomeração de jovens perdure hĂĄ anos pelas ruas do bairro.
A presidente da Associação de Moradores ainda ressalta que, alĂ©m dos estabelecimentos que insistem em continuar abertos atĂ© alta horas, hĂĄ a prĂĄtica entre os frequentadores de comprar bebida em outro local, a custo mais baixo, e levar para o bairro para ser consumida nas ruas. “Esses estabelecimentos que ficam abertos fornecem copo plĂĄstico, banheiro, refrigerante para misturar na bebida e gelo. Nesse contexto, hĂĄ aquele que chega com o carro de som e para na rua, nas frentes das garagens, na porta dos prĂ©dios e vai juntando gente. O dono do bar acha que nĂŁo tem responsabilidade nisso, e isso colabora para esse tumulto que vem sendo promovido e tende a aumentar com a aproximação do carnaval.”
Impedida de chegar
A professora Carla LĂșcia Ferreira, 55 anos, mostrou indignação ao relatar o episĂłdio no qual se viu impedida de chegar em casa, no Alto dos Passos. Ela diz que, no domingo, apĂłs a mĂŁe de 77 anos ser internada, ela retornou Ă casa dela, na Rua Dom Viçoso, para pegar umas roupas, porĂ©m, Ă s 22h30, a rua estava tomada por jovens. “Havia carros de som parados no meio da rua e venda de bebida na via. Buzinei para tentar passar, mas fui alvo de crĂticas dos frequentadores do local. A via Ă© pĂșblica e tem que ser livre para passagem. A situação nĂŁo pode continuar do jeito que estĂĄ. Os moradores estĂŁo refĂ©ns em suas prĂłprias casas”, lamenta.
Canal aberto com a PolĂcia Militar
Segundo Rita de CĂĄssia, a associação mantĂ©m um canal aberto com a PolĂcia Militar, que atende, dentro da sua possibilidade, as demandas, todavia hĂĄ situaçÔes em que nĂŁo pode atuar sozinha. “Geralmente, hĂĄ a presença de menores, o que exige a presença do Juizado de Menores. Existem prerrogativas que dependem da Prefeitura. A fiscalização Ă© precĂĄria, mas o maior problema Ă© de gestĂŁo. A Prefeitura age de maneira paliativa, mas o ĂŽnus sempre fica com o morador, que sabe que isso vai voltar a acontecer novamente”, pontua a presidente da entidade, acrescentando que a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) da Zona da Mata deveria orientar os proprietĂĄrios dos bares a assegurar o sossego dos moradores.
A presidente da Abrasel, Carla Pires, considera que a aglomeração de pessoas nas ruas do Alto dos Passos nĂŁo tem ligação direta com os bares, uma vez que as pessoas que sĂŁo alvo das reclamaçÔes dos moradores levam a prĂłpria bebida para o local, assim como os carros de som. “Essas pessoas nĂŁo sĂŁo o pĂșblico dos bares associados. Na Ășltima segunda-feira, por exemplo, estudantes de uma faculdade estavam em determinado bar, na Rua Oswaldo Aranha, e, depois que o bar fechou, eles se dirigiram o Alto dos Passos. Todavia, o dono do estabelecimento no qual pararam na frente tambĂ©m fechou porque nĂŁo tinha estrutura para atendĂȘ-los”, afirma Carla, ressaltando que Ă© preciso se criar espaços de lazer para atender a juventude de Juiz de Fora, que acaba migrando de bairro em bairro em busca de diversĂŁo.
Ela também assinala que todos os bares que são associados à Abrasel recebem orientação a fim de adotar medidas de garantir a tranquilidade dos moradores, como respeitar os horårios e não manter som nas portas.
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