Língua? Tá paga
Uma das poucas certezas que carrego é a de que viver é, em muitos sentidos, pagar a língua. Para mim, certamente é. Sempre que aparece, por exemplo, alguma tendência de moda que ganha as revistas e vitrines, eu torço o nariz e tendo a achar sempre tudo “horrível”. Só para depois aparecer pelas ruas desfilando cada uma delas. Foi assim com as leggings, as pochetes, as calças pantacourt (aquelas pantalonas no meio da canela) e os croppeds (blusinhas mais curtas que antes eu sei lá como se chamavam), entre muitas outras coisas. Paguei a língua, no débito. E isso acontece também com posicionamentos que tenho sobre a vida, sobre o que penso de pessoas, sobre o que conheço de mim, sobre meus planos e desejos. Mudo, viro 180 graus, surpreendo a mim e a outras pessoas. Ainda bem.
Que bom que a gente não precisa passar a vida se aprisionando a certezas, ideias, lugares, pessoas, estilos e pensamentos. E melhor ainda viver isso no dia a dia. Vira e mexe, nas redes sociais, em camisetas nem sempre bem estampadas, em quadrinhos, copos e o diabo a quatro, eu me deparo com a frasezinha de autoajuda “Inspira, respira, não pira”. Normalmente diagramado com os sufixos separados e um “pira” de Itu, gigante, do lado, o dizerzinho zen sempre me deu uma irritaçãozinha gratuita, rabugenta que sou. Até eu ver o quanto realmente precisamos respirar. Posso falar por mim.
Sou o tipo de pessoa que aciona o botão “pira” em quase qualquer situação, boa ou ruim. “Lá vem o crush”, pirei. Acabou o dinheiro e ainda tem mês, doidinha. “Preciso falar com você urgente”, morri. Fico preocupada com as pessoas que eu amo, fico totoca de tudo. É claro que a vida nos joga pra situações em que se a gente não deu ou não der a louca, é porque não digerimos por completo. Pirar faz parte de estar vivo. Mas, como bem me lembrou minha amiga Dida um dia desses, “não se esqueça de respirar”. Assim fiz. Segui os passos do dito de autoajuda e, no fim, cheguei ao “não pira”.
Eu sei que anda difícil viver com o calor fritando os miolos e com o país oscilando entre um roteiro de tragédia muito mal dirigido e uma esquete bem nonsense de Os Trapalhões de raiz. Mas respira – não vai mudar em nada a realidade, mas ajuda a gente a seguir em frente. Até porque as coisas não vão ficar mais fáceis – e tá aí uma convicção que não vai me fazer pagar a língua.