Como eu e meio mundo, talvez você também esteja pensando no desespero do pobre coitado a quem cabe o doloroso ofício de organizar a retrospectiva deste calamitoso 2018. (Claro que é uma equipe, mas dramática que sou, gosto de pensar em um só cidadão que faz o trabalho sujo – homem, hétero, e de classe média de preferência, em nome da reparação histórica). A maioria esmagadora das pessoas que eu conheço, de impulso, olha para o ano que se passou e faz logo uma careta, se benze (até quem é ateu), revira os olhos, enfim, acessa logo tudo de horror que houve nos últimos 365 dias, na vida coletiva do mundo e do país e, obviamente, em suas vidas pessoais. Sou uma delas, em parte.
Antes das tecnologias digitais, a gente já ficava reavaliando o passado – seja no modo “Deus me livre”, no “quem me dera”, ou mezzo-mezzo. Agora a gente pode revisitar as fotos mais curtidas do ano no Instagram, as músicas mais ouvidas no Spotify, e mais um não-sei-quê de memórias. Com isso, o retorno, além de inevitável, tem imagens, trilhas sonoras, participações especiais e um monte de adicionais que tornam tudo mais vívido. Fiz isso essa semana. Por pior que 2018 tenha sido em muitos aspectos, quando o Spotify me convidou a ver o que andou nos meus ouvidos este ano, eu não me fiz de rogada. E foi ótimo.
Primeiro porque me toquei de que eu voltei a ouvir muita música, hábito de que tinha me desconectado quase completamente. Descobri coisas novas, redescobri sons que me remetem a outras épocas da vida e fui previsível e fiel ao que sempre escutei. Perdi o impulso de acordar e ligar a TV. Quem foi mesmo que disse que “sem música, a vida seria um erro?”. Eu concordo. Eu ri, chorei, conversei, estudei, beijei, lavei louça, fui dormir, cozinhei, viajei, enfim, muitos dos verbos que conjuguei no último ano foi ouvindo música. Que reencontro!
A que mais ouvi foi “Feeling good”, da Nina Simone, que se tornou meu hino particular da pequena grande revolução pessoal pela qual passei em 2018. Aquela que quando toca eu – como faço quando estou muito feliz ou emocionada – cruzo as mãos sobre o peito e digo: ” é a minha música” e entoo como se fosse um mantra. De fato, como dizem os versos, 2018 foi “um novo amanhecer/ um novo dia/ uma vida nova pra mim”, e ao longo de toda a trajetória, só porque estou aprendendo a enxergar a vida em perspectiva, eu pude dizer, como na canção, “e eu me sinto bem.” O Spotify também me disse que ouvi nada menos do que 98 horas (até eu me impressionei) de Caetano Veloso, o artista que mais cantou aos meus ouvidos, meu xará de aniversário.
Ainda escuto quase todos os dias, mas me lembro direitinho da fase que deve ter contribuído para esse ranking: eu estava me reinventando, fazendo e realizando novos planos, sentindo as borboletas no estômago de uma paixonite, me aproximando mais de quem eu sempre amei, e vendo que realmente não há limites para quem pode caber nesta lista, entre muitas coisas boas. Ainda por cima, ia de graça no show o Caetano aqui em Jufas. Estava feliz, enfim.
Recomendo muito que você aceite estes convites das redes sociais ou da vida para olhar para trás, sem medo, apesar dos pesares pessoais e dos “míticos”- você vai sobreviver, e digo mais, vai gostar. Falo por experiência própria: um ano em que ouvi 98 horas de Caetano Veloso jamais pode ser só ruim. E eu garanto: “I’m feeling good”.