Escolas usam jogos para estimular crianças e adolescentes
Games são usados a serviço da aprendizagem em instituições públicas e particulares
Essa geração que já nasce conectada, manuseando celulares, tablets e computadores antes mesmo de saber escrever o próprio nome, é o desafio dos educadores durante a alfabetização e, também, para o ensino de conteúdos da educação básica. A função do professor, tanto da rede pública quanto da privada, atualmente, é mostrar à criança e ao adolescente como aplicar o conhecimento para que eles aprendam de maneira mais intuitiva e assertiva. Uma das formas de fazer isso é utilizar os games, não só aqueles voltados para a fixação da disciplina, mas também os jogos já existentes e amplamente difundido entre os pequenos.
Na Escola Municipal Tancredo Neves, no Bairro São Pedro, a medida já funciona. As atividades voltadas para a alfabetização dos alunos acontecem na sala de informática, mediadas pela professora e pedagoga especialista em tecnologias de informação e comunicação no ensino fundamental, Ana Cristina Baumgratz de Souza Oliveira. O espaço abriga computadores que possuem jogos educativos, que ajudam as crianças a assimilar melhor o conteúdo ministrado em sala de aula. “Todos os conteúdos e as diversas disciplinas que envolvem o ensino podem ser mediados na sala de informática, principalmente por jogos, já que as crianças se interessam por eles. Fazer a junção dessas duas coisas é muito interessante e percebo que os alunos têm mais facilidade, pois não percebem que estão aprendendo. Eles estudam de uma forma diferente, mesmo que seja um cálculo, eles estão brincando”, explica a educadora, que tem mais de dez anos de experiência na área.
O computador é um recurso de aprendizagem e os jogos são ferramentas que têm a capacidade de estimular habilidades do aluno – raciocínio lógico, definição de estratégias e organização dos objetivos – e promover a interação e a cooperação entre eles. Além dos games educativos existentes, a professora Ana Cristina ainda cria jogos a partir do momento em que percebe dificuldades no aprendizado de cada aluno. “Existem plataformas que permitem essa criação de jogos, como Hot Potatoes, Edilim e Scratch, além do próprio Power Point. Os alunos ficam mais interessados e querem participar. Os outros professores também dão feedback positivo. Os jogos permitem a criação de contextos que estão acima dos métodos tradicionais de ensinar, além de mobilizar o currículo ao trabalhá-lo de forma prática e significativa”, comenta.
Ferramentas de aprendizagem
O mesmo cenário é encontrado na Escola Municipal Fernão Dias Paes, no Bairro Bandeirantes. Lá, a professora e pedagoga Sulamita Campos da Silva, especializada em planejamento, implementação e gestão da educação a distância, leciona a Informática aos alunos. Há sete anos faz uso dos games em sala de aula para fortalecer o aprendizado deles. “Utilizo uma variedade extensa de jogos educacionais, desde o aplicativo do G-Comprix a jogos como Brincando com Ariê, entre outros que fui baixando em sites educacionais e compartilhando entre amigos, que também trabalham nessa área”, explica.
Para o ensino do Português, ela trabalha desde da alfabetização – com o uso das vogais e do alfabeto – até as dificuldades ortográficas como dígrafos, substantivos, uso da crase e também criação de textos. Na Matemática, são trabalhadas as operações matemáticas e o contato com os números. Em Ciências, são abordados o corpo humano, a natureza e os animais, e em História e Geografia são abordados os estados, capitais e mapas, por exemplo.
“É incrível observar o desenvolvimento dos alunos durante as aulas de Informática. As professores regentes das turmas ficam encantadas ao perceber que alunos que têm muita dificuldade e resistência na aprendizagem de algumas disciplinas na sala de aula demonstram grande interesse nos jogos apresentados no laboratório, o que acaba auxiliando-os em seus conhecimentos, trazendo bons resultados em suas provas”, destaca Sulamita. Os conteúdos abordados envolvem desde alunos da educação infantil até o 9º ano do ensino fundamental e abrangem, inclusive, alunos em defasagem no ano escolar e idade. Desta forma, os jogos atendem de crianças de 4 anos a adolescentes de 17 anos.
Enfrentando as dificuldades
A forma como os jogos são concebidos, sejam eles educativos ou não, segundo a pesquisadora em design de games pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Letícia Perani, faz com que o jogador tenha que executar suas habilidades, aplicando seu conhecimento e o raciocínio. “Há séculos os pensadores vêm destacando que as atividade lúdicas são uma maneira muito competente para a aprendizagem. Quando jogamos, temos que aprender como o jogo funciona, e isso inclui informações e contextos que podem ter fundo educativo, por exemplo, colocando questões históricas e geográficas, solução de problemas que envolvem conhecimentos de Física, Matemática, Química, ou a aprendizagem de outra língua, como o Inglês. Aprender jogando é uma forma de apresentar os conteúdos escolares, tão essenciais para a nossa vida, de uma maneira divertida e útil: nos jogos, podemos enxergar aplicações práticas para esses conhecimentos que nos parecem ser tão abstratos quando estão nos livros e nas provas”, destaca.
Apesar dos benefícios, ainda há dificuldades para a implementação da prática. “Nós sabemos que o ensino público enfrenta dificuldades para o uso de tecnologias digitais, principalmente por falta de capacidade de atualizar constantemente os equipamentos que as escolas precisam. Porém, vejo também nos profissionais destas escolas uma vontade enorme de pensar maneiras de introduzir atividades lúdicas em sala de aula. Já ouvi vários relatos de professores da rede pública municipal e estadual que trabalham com jogos em sala, tanto tradicionais quanto eletrônicos, aproveitando o que a escola já tem de condições para essas atividades”, observa a pesquisadora.
Por experiência e contato direto com os educadores, ela ressalta que existem na cidade cursos de capacitação de professores, oferecidos pela UFJF, IF Sudeste MG e pela própria Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), por meio do Núcleo Tecnológico Municipal. “Esse tipo de conhecimento existe em Juiz de Fora e é repassado para os professores da rede pública. Precisamos, então, cobrar das administrações municipal e estadual um maior cuidado com as condições de trabalho dos docentes, com a modernização constante dos laboratórios de informática, compra de jogos, e até mesmo a criação de atividades extracurriculares que possibilitem aos alunos a participação nessas novas atividades de aprendizagem”.
Conforme informou a Secretaria de Educação, o NTM monitora as atividades realizadas nos laboratórios de informática da rede municipal e tem, como principal objetivo, familiarizar o professor com a utilização de recursos básicos de computador e capacitar os professores da rede municipal de ensino para a utilização dos ambientes tecnológicos existentes nas escolas. Uma das formas é oferece cursos de formação continuada presencial, seminários, palestras e oficinas e cursos on-line na plataforma moodle PJF. Atualmente 89 escolas possuem salas de informática e, no geral, todos os professores que atuam nos laboratórios trabalham em prol da utilização da tecnologia na alfabetização e demais áreas do conhecimento.
Potencialidades do game
Ao escolher um game comum, cujo objetivo visa o entretenimento, a pesquisadora da área de games, Letícia Perani, faz um alerta aos educadores: é preciso avaliar suas potencialidades. Para ela, todo jogo ensina alguma coisa, mas a dinâmica dos jogos educativos abrange apenas a comunicação do conteúdo, sem a realização de ações divertidas como nos jogos comuns. “Eles podem tratar de temas adultos, ou ter ações violentas, que desaconselham seu uso em salas de aula sem a devida contextualização e orientação do professor. Nem todo jogo já existente pode ser utilizado em sala, principalmente os que tratam de temas adultos (sexo/nudez e violência, principalmente), mas o professor deve entender as potencialidades dos jogos, e como eles funcionam, para descobrir quais os conteúdos que eles podem trabalhar”, alerta.
Entre os games que permitem trabalhar conteúdos educativos, Letícia sugere, por exemplo, a série Assassin´s Creed, que abrange várias informações históricas; Minecraft, que trabalha com habilidades espaciais, importantes para desenvolver construções de objetos, ou a localização fácil em vários tipos de ambientes; jogos de aventura como Zelda e Mario, que exigem o conhecimento sobre gravidade, para entender como usar pulos no ambiente do jogo. “Resumindo: olhe sem preconceitos para o jogo, e veja o que ele tem de conteúdo que possa ser usado para a educação”, recomenda.
O Minecraft, inclusive, foi utilizado pelo Colégio Academia para abordar o estudo sobre os biomas brasileiros. O trabalho, batizado de “Biomas brasileiros em Minecraft”, realizado por alunos do 7º ano, recebeu, em agosto deste ano, o Prêmio Excelência do Sistema de Ensino Poliedro, na categoria “Inovações Tecnológicas”. Entre as coordenadoras do projeto está a professora de ciências da natureza, Patrícia Costa. Ela explica que a ideia partiu dos próprios alunos, que sugeriram uma nova maneira de aprender sobre os biomas, ao invés das habituais maquetes.
“A partir do momento que o aluno propõe um projeto como este, você percebe que o papel do professor mudou. Os alunos têm informação e acesso a ela. Hoje o professor não tem mais a função de passar conhecimento, mas ensiná-los a aplicar esse conhecimento. Foi uma atividade demorada, que envolveu muita gente, inclusive os pais e fora da sala de aula. Eles aprenderam muito sobre os biomas, pois tiveram que pesquisar para montar os ambientes. Cada equipe montou um bioma e os vídeos sobre eles foram passados na apresentação”, conta Patrícia. Ela acrescenta que, em nenhum momento, o projeto teve o intuito de vencer o prêmio disputado entre as escolas que utilizam o sistema de ensino. “Eles criaram com o objetivo de aprender e se divertir. Quando veio a notícia da indicação, enxergamos como um reconhecimento pelo trabalho. Foi uma sensação muito gostosa”.
Tópicos: educação