Audiência pública vai discutir violência doméstica em JF
Encontro será realizado na Câmara Municipal, no próximo dia 29. Na ocasião, ideia é debater não só a punição dos agressores, mas formas de conscientização
Uma audiência pública será realizada no dia 29 de agosto, quarta-feira, na Câmara Municipal, para discutir a violência doméstica em Juiz de Fora. A proposição é de Jucelio Maria (PSB), suplente que assumiu o lugar do vereador Cido Reis (PSB), licenciado do cargo em função das eleições 2018. Segundo Jucelio, o objetivo do encontro, marcado para 15h, é buscar discutir caminhos para efetivar cuidados em favor da mulher em Juiz de Fora, cidade que não possui uma Delegacia de Mulheres 24 horas. Desde o último domingo, a Tribuna vem publicando reportagens que mostram o efeito da violência não só junto às vítimas, mas também de seus filhos e familiares. Entre as principais repercussões das matérias está justamente a criação de um debate público sobre o tema considerado tabu e, por isso mesmo, silenciado.
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“Precisamos buscar alternativas de atendimento para as mulheres e pensar nos tipos de trabalhos que podem ser feitos junto ao agressor”, comentou Jucelio. A preocupação do vereador tem fundamento. Além da necessidade de criar novos espaços de apoio e acolhimento para as vítimas, é importante olhar para homens que agridem a partir de um viés multiprofissional. Isso é o que defende Senira Regina Rocha, oficial de apoio judicial que é filha de uma família marcada pela violência doméstica. “O agressor tem que ser punido, sim, e sofrer as consequências dos atos dele, mas a violência doméstica não pode ser vista por um olhar unicamente penal. A punição por si só não resolve nada em lugar nenhum. A gente tem que encontrar outros caminhos. A Lei Maria da Penha prevê atendimento para a vítima, não traz nada para o agressor, mas se a gente entender que tem que atender a vítima e mudar o raciocínio desse homem só tem um meio para isso acontecer: através da psicologia, da assistência social”, afirma.
Há oito anos, Senira desenvolveu um projeto que visa a marcação de uma audiência de mediação antes do deferimento da medida protetiva pelo juiz. O objetivo do trabalho é impedir a banalização dos pedidos. “Depois que a Lei Maria da Penha entrou em vigor, a gente observou em Juiz de Fora que, após a medida protetiva ser deferida, existia uma situação de retorno de muitos casais. Desta forma, a medida perdia o sentido, e o medo da gente é que ficasse banalizada. Então, eu sugeri, e os juízes aceitaram, a marcação de uma audiência de mediação. Nessa audiência, se a vítima insiste na medida protetiva e existe uma razão para isso, a gente intima o agressor das medidas protetivas já deferidas em despacho anterior pelo juiz para que ele não se aproxime, não tenha contato com ela, não telefone. Muitas vítimas, porém, pensam que, quando é deferida uma medida protetiva para ela, também está afastando o agressor dos filhos, e isso não é verdade, porque a lei diz que, para afastar o agressor dos filhos, é preciso um estudo social. Então, nessas audiências, a gente esclarece todas essas situações.”
Segundo Senira, se existir uma forma de acordo, ele é feito durante a audiência realizada para intimar o autor sobre as medidas protetivas. Em todas elas, não só a vítima, mas também o agressor, está sempre acompanhado de um representante. No caso das mulheres, geralmente, um defensor público e, no caso dos autores, um advogado nomeado a “Ad Hoc”, ou seja, constituído só para o ato, com base no princípio da ampla defesa, já que a maioria não tem condição de contratar um advogado. “De seis em seis meses, a gente muda os advogados, para não sobrecarregar ninguém”, afirma Senira, que coordena as audiências de mediação realizadas de terça a sexta-feira.
Além de garantir atendimento psicológico às vítimas no Fórum, o projeto de Senira prevê o encaminhamento dos agressores para grupos de atendimento que funcionam na UFJF e na Universo. “A grande maioria dos homens frequenta o grupo de ajuda e começa a entender o caminho que tem que fazer. No começo, muitos tentam justificar a violência dizendo que foram provocados, mas uma boa parte tenta mudar de comportamento”, diz Senira.
O advogado Wagner Valssis, que participou, na condição de “Ad Hoc”, de várias destas audiências, afirma ter sido movido pela ideia de garantir ao autor um julgamento “justo”. Também para salvaguardar a ideia de justiça e afastar as injustiças, entendidas, neste caso, como possíveis arbítrios que podem ser cometidos no afã da condenação.
Delegada defende mais políticas públicas para vítimas
Quanto ao atendimento às vítimas da violência doméstica, o principal endereço é a Casa da Mulher. Funcionando há mais de cinco anos, o serviço já realizou mais de 12 mil atendimentos em sua sede no Bairro Jardim Glória, na região central de Juiz de Fora, onde também funciona a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. Apesar da iniciativa no município, a delegada Ione Barbosa pontua que ainda é necessária a ampliação das políticas públicas, entre elas o funcionamento de uma delegacia 24 horas voltada exclusivamente para esses casos.
“A maioria dos crimes ocorre nas madrugadas, inclusive pelo uso de álcool e drogas. Esses casos vão para o plantão geral (em Santa Terezinha), que atende não só a violência doméstica, mas qualquer demanda que aconteça na cidade. Desta forma, muitas ocorrências de urgência precisam esperar. A delegacia 24 horas seria um avanço muito grande. Já tivemos mulheres que chegaram às 4h e aguardaram até as 8h para serem atendidas na Casa da Mulher, porque se sentem mais acolhidas”.
Segundo ela, a Casa oferece apoio psicológico, social e orientação jurídica, mas ainda carece de uma psicóloga profissional, já que recebe todos os crimes de ameaça considerados mais simples. “Nesses casos, as medidas protetivas são realizadas pela Casa da Mulher, ficando as ameaças de morte e outros delitos, como lesão corporal e estupros, para a delegacia”, explica. “É importante ressaltar que está para ser aprovada legislação para possibilitar o próprio delegado a conceder medida protetiva. Atualmente, só podemos requerer, e quem concede é o juiz. Todavia, na maioria das vezes, a vítima requer urgência e não pode esperar. Se aprovada a lei, a vítima poderá sair da delegacia com a medida protetiva em mãos e, caso o agressor a importune, poderá ser preso em flagrante imediatamente, dando maior proteção à vítima”, completa Ione.
Nesses três anos que está à frente da especializada, a policial viu a lei do feminicídio ganhar força e passar a constar até nos boletins de ocorrência. “Esse tratamento especial é necessário, porque é um crime bárbaro, realmente qualificado, matar uma mulher discriminada pela condição de ser mulher.” Uma das investigações que mais marcou a delegada foi o feminicídio de Cíntia Scaldini Aleixo Alves, 21 anos, morta com um tiro no rosto dentro da mercearia de seu amante, 41, no Bairro Santo Antônio, Zona Sudeste. O crime aconteceu no dia 4 de agosto de 2017. “Esse foi um caso típico de menosprezo à mulher. Inclusive teve a ajuda da esposa do comerciante, e os dois foram indiciados por feminicídio, porque ela cooperou para que ele praticasse o crime.” A jovem deixou um filho pequeno.
Coletivos ajudam mulheres a saírem da “bolha de opressão”
Formado por mais de 15 entidades, incluindo coletivos, grupos de mulheres sindicalistas, movimentos estudantis e ligados aos direitos humanos, o Fórum 8M realiza um trabalho em Juiz de Fora voltado para a conscientização sobre os temas que permeiam a violência contra a mulher. Além de oferecer acolhimento às vítimas e seus familiares, partilhando experiências, o movimento busca resgatar na história o patriarcado para tentar explicar muitas coisas que insistem em ficar escamoteadas ou até mesmo escancaradas nas relações cotidianas.
“Mostramos como o patriarcado se enraíza na sociedade e como somos reprodutores desse sistema no qual estamos sempre subjugadas pelo homem. É todo um esquema de poder que precisa ser identificado, para ser compreendido e combatido”, diz uma das integrantes do Fórum 8M, Lucimara Reis. “O aumento das denúncias tem nos deixado felizes, porque significa que, de fato, as mulheres têm procurado sair dessa bolha de opressão.”
Os coletivos de mulheres são recentes, mas Lucimara recorda que a luta é histórica e vem dos movimentos feministas da década de 80. “As pessoas estão se tornando mais conscientes. Um cotidiano de agressões não pode nos parecer normal. A violência contra a mulher tem a ver com dominação e demonstração de força, permitida e incentivada pelo patriarcado. A denúncia deve ser feita para impor fim ao sofrimento, evitar tragédia maior e encorajar outras mulheres.”
A integrante do coletivo Maria Maria, Laiz Perrut, 27 anos, atribui o número maior de denúncias também aos movimentos de mulheres que lutam pelo fim da violência. Segundo ela, as manifestações influenciam vítimas a perderem o medo de denunciar e contribui para a implantação de políticas públicas. “Nem de longe temos o que precisamos, como uma delegacia de mulheres 24 horas e mais profissionais envolvidos. Mas a pressão que os movimentos fizeram desde a promulgação da Lei Maria da Penha também a tornou mais conhecida.”
Laiz lamenta o fato de as leis e as medidas protetivas ainda não conseguirem garantir de forma plena a integridade da vítima. “É preciso ver os sinais de quando a violência pode se tornar mais grave. O acompanhamento da delegacia e da justiça ainda é muito falho, e falta apoio psicológico. A medida não impede o homem de cometer o crime, porque ele não está sendo monitorado o tempo todo. É preciso um conjunto de medidas para que essa mulheres estejam seguras e não sejam mortas.”
A luta do Maria Maria também vai contra o machismo, apontado como raiz do problema. “É uma questão cultural, porque fomos ensinados que o homem é superior à mulher. Qualquer coisa que elas fazem e eles não acham não certo, se sentem no direito de maltratar, de agredir, de assediar e de praticar violência sexual. Temos que quebrar esses paradigmas e mostrar que os homens não podem definir os rumos das mulheres.”