Mitos políticos brasileiros
Será possível governar sem lotear os ministérios pelos partidos e, sem reeleição, deixar marca imperecível na história do Brasil? A julgar pela opinião unânime de políticos e analistas, as duas hipóteses parecem irrealistas. Foi, no entanto, o que aconteceu 20 anos atrás.[…]
Itamar não dispunha de tempo nem de maioria parlamentar.[…] Não tentou comprar a maioria que lhe faltava negociando com os partidos ministérios e cargos. Nomeou quem escolheu, dentro e fora dos partidos. Não praticou o “presidencialismo de coalizão”, suposta condição da governabilidade.
Mesmo assim, aprovou-se em seu Governo algo que contrariava interesses entrincheirados no Congresso: a desvinculação de verbas orçamentárias para reduzir gastos públicos por meio da Emenda Constitucional nº 10.[…] Graças a esse esforço, o Governo Itamar deixou resolvidos em dois anos os dois maiores problemas econômicos legados pelo regime militar: a crise da dívida externa e o iminente risco de hiperinflação.
Mudou as perspectivas do país, transformou em ascendente a curva da evolução econômica que mergulhava rumo ao caos, tornou possível tudo o que veio depois, inclusive em avanço social. Poucos presidentes realizaram algo comparável, apesar de terem tido muito mais tempo e apoio político. No caso do Plano Real, estiveram presentes duas condições que explicam o sucesso. De um lado, existia ameaça grave e iminente; do outro, o Governo era o único capaz de afastá-la ao oferecer solução exequível, que deixava sem alternativa o Congresso e os partidos.
Marina Silva tem razão ao propor-se a governar com todos em função da solução dos desafios atuais, não na base de coalizões, que fizeram explodir a corrupção sem aprovar reformas nem resolver problemas. Também é ela a realista, não os críticos, ao comprometer-se a não buscar um segundo mandato. A seu favor, conta com o precedente de Itamar e a vantagem estratégica de não atropelar ambições ao se limitar a ocupar o poder por quatro anos.
É ilusão crer que um tempo elástico permite concluir a obra e impor a própria vontade ao destino e ao futuro. O tempo nunca basta, pois, como sabia Fernando Pessoa: “O esforço é grande, e o homem é pequeno […] a alma é divina, e a obra é imperfeita”.