Wells: o americano que virou brasileiro em JF
Ele quis ser brasileiro: norte-americano Wells e seu olhar que nos falta para a construção de um país melhor
Todo estrangeiro carrega consigo o olhar generoso no qual o dia a dia duro e frio faz sombra. “Sabe quando você quer sair, comprar alguma coisa e voltar para casa sem falar nada?”, questiona Wells Johnson Floyd, num português correto a lhe confirmar a vivência brasileira, porém impregnado de sua natureza norte-americana. E logo emenda: “Às vezes chego na padaria, peço um pão de queijo e tenho que explicar de onde sou. Não é uma coisa ruim, mas penso se sempre vai ser assim. Gosto disso no Brasil porque é um interesse. Percebo como um tipo de gentileza. Nos Estados Unidos não é assim quando escutam um sotaque, nem sempre querem conhecer a pessoa.”
Desde maio de 2009, quando desembarcou no Rio de Janeiro e logo partiu para Juiz de Fora, Wells responde, com a mesma simpatia de quem pergunta, sobre quem é. No dia em que chegou foi a uma festa. Na mesa havia cerca de 30 pessoas. “Como vou me comunicar?”, perguntava-se antes de perceber que todos, com ele, falavam em inglês. “Gostei muito daquelas pessoas. São interessantes e inteligentes, e pensava se todos seriam assim comigo. Desde o primeiro dia sinto aquela sensação de ‘Yeah! Gostei!'”, sorri o homem de 38 anos, que por dois meses viveu na casa de uma conhecida, que namorou seu melhor amigo nos EUA. Depois seguiu para um pensão no Centro, onde viveu por um ano.
“Tinham 12 caras nesse lugar. Eu tinha meu próprio quarto, mas dividíamos dois banheiros. Havia uma televisão no meu quarto (poucos canais), mas não tinha internet”, recorda-se ele, professor graduado em letras no seu país natal e pós-graduado no ensino de inglês para falantes de outras línguas. “Antes de vir, estava frustrado com a vida e precisava de mudança. Tem coisas na vida que você quer fazer e ouve uma voz dizendo que não, que é um risco. Eu ficava me perguntando se daria certo, se acharia um trabalho, mas tinha que sair, não estava feliz e não fazia o que queria. Queria ensinar e, ao mesmo tempo, aprender sobre uma cultura bem diferente. Foi a melhor coisa que fiz.”
O comprometimento que nos falta
“Wells, como vai seu espanhol?”, perguntaram dois amigos norte-americanos, seis meses depois de sua chegada ao Brasil. Absolutamente desconhecido em seu meio, o país escolhido não só conformava um desafio cultural, mas, sobretudo, linguístico. “Percebi há um ou dois anos que as pessoas estão entendendo na primeira vez em que falo”, comemora, sempre atento às flexões verbais e aos gêneros das palavras – É com “a” ou com “o”, pergunta com frequência. A preocupação deve-se, sobremaneira, ao ofício que só por aqui conseguiu desempenhar de forma plena. Funcionário numa biblioteca, ele atuou como técnico de computadores e, ainda, numa empresa de telefonia antes de decidir se mudar de país. Em Juiz de Fora, passou de substituto (“Que palavra difícil, essa ‘substituição’?!”, reclama) a efetivo num tradicional curso de inglês. “Quando comecei a dar aula, cinco minutos depois já sabia que queria continuar. Achei que estava fazendo algo de uma maneira boa, que os alunos gostavam e que eu gostava de fazer. Aqui eu vi meninos e meninas de um monte de escolas passando nas provas, indo para a faculdade, o que me deixou muito orgulhoso. Não quero me afastar disso, desse sentimento de que estou fazendo alguma coisa boa para a sociedade.” Apaixonado, o homem tornou-se solar como o lugar que encontrou. “O povo é mais quente, mais receptivo, mais inclusivo. Nunca me senti excluído no Brasil. Nos Estados Unidos, sim. Lá sentia que era afastado de certas pessoas por pensar diferente. Aqui vejo pessoas com opiniões bem diferentes e, ainda assim, juntas. Ouço muito: ‘Ele não gosta disso, mas eu respeito’. Aqui você pode falar.”
A coragem que nos falta
Sim ou não. Sem gradações. Na sua pequena Florence, com menos de 40 mil habitantes, na Carolina do Sul, Wells conheceu a potência dos discursos inflexíveis. Numa região de esmagadora maioria conservadora, cresceu rodeado de liberdade. “Meus pais nunca me falaram: ‘Queremos que acredite nisso ou naquilo!’. Diziam que eu poderia descobrir o que fazer. Sempre falaram que eu precisava estudar, me formar. Meu estado é muito conservador, mas eu não sou assim. Um dos motivos do meu afastamento foi por conta disso, nunca me senti parte dessa maioria conservadora. Por exemplo, George Bush, Reagan, sempre ganharam no meu estado, que só elege republicanos. O Sul é assim. Eu sempre votei nos democratas”, conta o homem, em sua sala preferida no curso, repleta de cartazes de Obama. “O cara!”, aponta ele, que partiu quando o primeiro presidente negro eleito nos Estados Unidos completava quatro meses na Casa Branca. Wells deixou para trás o pai, Bruce, professor de literatura, e a mãe, Laura, professora de letras. Trouxe consigo a saudade da casa e a dor da recente perda do irmão, Rob, três anos mais velho. “Ninguém nunca supera a morte, apenas aprende a lidar com a dor. Para mim, é muito difícil ainda”, emociona-se ele, que costuma reencontrar os pais duas vezes por ano. Da última, em dezembro, passou 50 dias em Florence. “Mato a saudade deles, dos cachorros, dos amigos e dos lugares.”
A paixão que nos falta
Quem mudou? Da primeira vez que fez o caminho de volta, Wells sentiu-se perdido. “O que era normal para mim antes de chegar aqui mudou completamente. Ficava pensando: ‘Será que meu amigo mudou ou fui eu?’. Existe um termo de nome ‘reverse culture shock’, que seria choque de cultura reverso”, explica. “Agora sou um homem de dois países. Talvez mais brasileiro do que americano. Uns 60% brasileiro e 40% americano”, diz. Casado desde junho de 2015 com a também professora de inglês Larissa, o homem de muitos gestos e de uma didática impressionante, abandonou o visto de trabalho e conquistou o direito de permanecer no país. “Gostaria de fazer um doutorado em literatura e também pensei em escrever um livro sobre essa experiência. Pode parecer arrogante, mas não é com a ideia de que todo mundo deve conhecer minha história. É para quem deseja fazer algo parecido. É sobre um cara que tinha 29 anos e se afastou dos Estados Unidos para ganhar uma nova vida no Brasil, como ele virou a situação e como gostou”, explica, apontando para a tatuagem que carrega no braço esquerdo com a forma do mapa do país com o qual se frustra diante de altos impostos e do baixo retorno social deles, mas é capaz de, generosamente, observar além. Como ele virou a situação e como gostou? “Ele ama o Brasil”, ri. “Foi assustador. Qualquer lugar diferente é assim, mas se pudesse dar um conselho diria: Façam o que fiz! Você vai aprender quem é!”