MPF diz que prisão de ex-reitor e outras quatro pessoas quer evitar manipulação de provas
Em coletiva realizada na sede do Ministério Público Federal (MPF), procurador da República diz que operação tem a função de assegurar que não haverá da parte dos investigados o falseamento da verdade
A Tratenge é a empresa contratada para as duas obras mais onerosas da história da UFJF: a ampliação do HU e a obra do Campus de Governador Valadares. Somados, os valores chegam a quase meio bilhão de reais. Deste total, a construtora recebeu cerca de R$ 145 milhões. Em coletiva realizada na sede do Ministério Público Federal (MPF), o procurador da República, Marcelo Medina, explicou que a operação – que resultou na prisão do ex-reitor Henrique Duque e outras quatro pessoas – tem a função de assegurar que não haverá da parte dos investigados o falseamento da verdade, isto é, a manipulação de provas que supostamente confirmariam a sua inocência, o que já se verificou envolvendo esses mesmos agentes em outros momentos.
“Há, portanto, um receio, baseado em fatos concretos, de que isso voltasse a acontecer nessa oportunidade”, informou Medina, que citou processo anterior e ainda em curso contra o ex-reitor, no qual a defesa dele teria juntado cópia de um processo administrativo disciplinar da UFJF imputando responsabilidade a terceiro, como justificativa para as práticas que lhe estavam sendo imputadas.
“A investigação que nós realizamos agora demonstrou que esse processo administrativo disciplinar, à semelhança de tantos outros documentos, foi fraudado, foi redigido em uma máquina de computador, sem a presença dos membros da comissão processante. Os depoimentos foram também concebidos nessa máquina, numa sala, em um escritório, e, depois de o processo montado, colheu-se a assinatura da comissão e imputou-se a responsabilidade a esse terceiro, com uma pena muito leve, de advertência, apenas para cumprir a finalidade de sustentar a versão que a responsabilidade pelos fatos daquele processo não era do ex-reitor”, detalhou.
Medidas como essa, classificadas por Medina de falsificação de documentos e de manipulação de provas, ocorreram também no âmbito da investigação envolvendo as obras de ampliação do HU. Os problemas referentes a esse empreendimento ocorreram desde a fase de auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2011, quando o TCU detectou sobre o contrato, ainda por assinar, e o edital de licitação a elaboração de uma exposição de motivos para cláusulas restritivas que cerceavam a participação de empresas e de consórcios. “Mas antes que o TCU determinasse alguma modificação no instrumento convocatório, a universidade revogou aquela primeira licitação e, no ano seguinte, em 2011, lançou uma nova licitação que teve como vencedora a empresa Tratenge Engenharia”, informou o procurador da República.
‘Resultado de licitação reflete ausência de competição’
Apesar de a licitação ter sido realizada em 31 de outubro de 2011, com apenas três participantes interessados, somente em agosto de 2012 é que o contrato foi assinado. É que, logo depois de o certame ter acontecido, o TCU deu prosseguimento à auditoria, encaminhando um e-mail ao gabinete do reitor, informando a necessidade de que documentos referentes a ela fossem disponibilizados.
“Aí começou a fabricação dessa exposição de motivos, que envolveu diferentes servidores, pró-reitores e particulares sem vínculo funcional com a universidade. Essa produção de motivos foi enxertada nos autos do processo licitatório sobre a forma de apêndice, com data falsa, mas coerente com a cronologia do processo. O resultado da licitação reflete a ausência de caráter competitivo, em grande parte em função dessas cláusulas restritivas. Quando o TCU se debruçou sobre a planilha orçamentária, ele concluiu que havia sobrepreço, um potencial superfaturamento de pelo menos R$ 7 milhões. O contrato, então, só foi celebrado em 17 de agosto de 2012, porque o TCU determinou que a universidade e a empresa, como condição de prosseguimento da contratação, descontassem dos R$ 149 milhões esses R$ 7 milhões de sobrepreço. O contrato foi celebrado. E o que impressiona é que, só então, quase um ano depois da licitação, a universidade se preocupou em colher dos órgãos técnicos que iriam atuar no HU informações sobre reparos e solicitações de modificações a fazer no projeto, algumas baseadas na circunstância de que o projeto desrespeitava normas técnicas já existentes”, apontou Medina.
Projeto foi levado adiante, apesar de alerta do TCU
Segundo o procurador, as investigações revelaram que, desde antes da licitação, o reitor da universidade já tinha conhecimento das deficiências e das omissões do projeto. Ainda assim, levou a licitação adiante, realizando vários aditamentos contratuais. Somente no 6º aditamento é que se conferiu à empresa contratada a responsabilidade de, finalmente, desenvolver um projeto executivo. “Mais tarde, veio um aditamento muito mais vultoso, que elevou a obra de um preço inicial de R$ 149 milhões para R$ 234 milhões, e esse aditivo, que majorou exponecialmente o valor da contratação, foi celebrado com base em documentos técnicos emitidos em conjunto pela assessoria do reitor e por representantes da empresa. Os servidores da universidade assinaram esses documentos sem tê-los redigido”, afirmou.
Um 8º aditivo contratual declarava que os valores envolvidos, da ordem de outros R$ 10 milhões, não seriam para o pagamento de serviços, mas se destinavam a ressarcir prejuízos que a empresa Tratenge, supostamente, teria suportado em razão de atrasos na execução da obra. “Houve meses que a universidade pagou mais pela administração do canteiro de obras do que pela obra executada naquele período. Houve uma completa inversão da lógica da contratação de obras públicas. Esse aditivo foi celebrado no final da gestão do reitor Henrique Duque, em agosto de 2014, também com base em pareceres técnicos e jurídicos produzidos da mesma forma: em conluio entre representantes da UFJF, na pessoa de assessores do reitor, e representantes da empresa interessada. Eles desenvolveram, a quatro mãos, uma suposta fundamentação para essa singular solução de ressarcimento de despesas. O prejuízo ao patrimônio público que nós estimamos é da ordem de R$ 19 milhões, em razão de superfaturamento de vários itens e por este desvio de quase R$ 10 milhões em aditivo contratual assinado por técnicos que não o haviam redigido. A obra até hoje não foi concluída”, explicou o procurador.
Em função disso, os investigados deverão responder por fraude em licitações, vantagens contratuais, falsidade ideológica e peculato, que é o desvio do dinheiro público em proveito próprio ou de terceiros. A investigação, no entanto, ainda está em curso e outras pessoas poderão ser apontadas. “Todos os investigados terão a oportunidade de exercer a mais ampla defesa”, frisou Medina.