Poesia arquitetônica
Cidade centenária, Juiz de Fora reúne um conjunto arquitetônico que poderia levar o seu morador ou visitante a parar um instante, em uma esquina, para observar as edificações que parecem brotar a cada passo de suas ruas. Porém, raramente isso acontece, pois o cotidiano é corrido: é um corre pra lá, corre pra cá para não perder o ônibus, não chegar atrasado ao compromisso, bater o cartão de ponto na hora certa, pegar o banco ainda aberto. Às vezes, sobra tempo, mas falta o onde se acomodar para poder respirar por cinco minutos e, aí sim, admirar o que está à sua volta. Nesta quarta-feira (18), todavia, quem passava apressado ou não pelo calçadão da Rua Halfeld teve a oportunidade de parar, observar, ter contato com a arte e, dessa forma, redescobrir a beleza da cidade que o cerca: foi através do projeto “Cartografias poéticas”, da estudante de arquitetura Isadora Monteiro, que ocupou o espaço em frente ao Cine-Theatro Central na manhã desta quarta e pretende ficar até o início da noite.

O objetivo da intervenção literária, segundo Isadora, é oferecer ao público a oportunidade de refletir sobre a forte relação existente em Juiz de Fora entre a literatura, a arquitetura e a cidade que se desenvolveu. Para isso, a estudante, que também é escritora, montou uma estrutura que convidava o transeunte a parar por alguns minutos: além dos bancos de madeira, a instalação contou com diversos poemas de amor à cidade, de autores como Manuel Bandeira, Gilvan Procópio Ribeiro, Affonso Romano de Sant’anna e Wilson de Lima Bastos; instalações de Ulisses Belleigoli e Laís Cerqueira; e ilustrações de Laura Granja, Tomáz Guimarães e Bruno Varoto, entre outros. Livros de Andréa Nunes, Knorr, Felipe Moratori e Luiz Fernando Priamo estavam à disposição de quem quisesse “ganhar” alguns minutos de cultura; monóculos apresentavam fotografias da antiga Juiz de Fora; e espelhos, também com poesias, ora perguntavam, ora convidavam: “Já olhou a cidade hoje?”; “Use o espelho para se ver na cidade!”.
Isadora explica que a ideia para o projeto surgiu logo no início da preparação de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, quando desenvolvia a parte teórica a respeito do diálogo entre arquitetura e literatura. Para a segunda parte, prática, ela optou por realizar várias intervenções literárias em diversos pontos da cidade, dando origem ao “Cartografias poéticas”. “Resolvi fazer a primeira no local que considero o coração da cidade, o calçadão da Halfeld em frente ao Central, que, além de tudo, possui grande visibilidade. Espero poder levar a intervenção para outros bairros, mas é preciso apoio para seguir em frente. Planejo participar de editais de cultura que possam dar o suporte financeiro e de estrutura necessário”, explica Isadora, ressaltando que teve que arcar com todos os gastos do projeto.

A estudante destaca, ainda, que a intervenção no Centro, da forma como foi montada, ajuda a chamar atenção para uma necessidade da região: a carência dos chamados locais de permanência, termo utilizado em arquitetura e urbanismo para designar peças de mobiliário urbano como bancos. “Isso indica a qualidade do local público. O Centro, apesar de ser o coração de Juiz de Fora e ter uma arquitetura importante, tem poucos espaços para a pessoa descansar, como o Parque Halfeld ou a Praça da Estação, que provoquem uma separação em relação ao ritmo frenético da cidade.”
Nascida e apaixonada por Juiz de Fora, Isadora espera com o projeto mostrar ao público uma nova visão da cidade, criar uma “sensação de pertencimento” que acredita ser possível por meio da literatura. “A história e a poesia têm esse poder de fomentar o sentimento de pertencimento, aumentar o amor pelo lugar em que se vive. Nós vemos, e muito, a literatura local falando da arquitetura da cidade, mas, além de tratar sobre o espaço físico, podemos notar o sentimento de ser morador de Juiz de Fora. E isso só é possível se pensarmos que as pessoas estão dentro desse espaço físico”, salienta.
A principal referência de Isadora Monteiro para a escolha das poesias foi o livro “Letras da cidade”, uma compilação de textos em conto e prosa em que diversos autores falam sobre Juiz de Fora. “Considero que eles são muito representativos, ainda, por terem a ver com a história do município. Há poemas do início do século XX e alguns de apenas cinco anos atrás. Dá para ter uma ideia sobre como é ou era viver em Juiz de Fora”, diz Isadora, para quem o seu trabalho pode ser considerado “de formiguinha”.
“Sei que nem todos que passaram por aqui terão uma nova visão a respeito da cidade, mas será gratificante se conseguirmos atingir alguns deles. É uma semente a ser plantada, e esperar que no futuro os pais contem para seus filhos as histórias a respeito de Juiz de Fora. E, quem sabe, tenhamos novas obras sendo escritas sobre a cidade.”
Uma pausa para leitura
A agitação no Calçadão da Halfeld não para. É gente para todo lado, a todo instante. E entre o mar de pessoas, havia uma quantidade razoável que, pelo menos, reduzia o passo curiosa para saber o que acontecia. Outros paravam, davam uma olhada rápida, perguntavam, liam uma poesia, observavam um monóculo e iam embora. Outras se demoravam mais, e até mesmo faziam fotos. Foi o caso do conferente João Carlos da Silva, nascido e criado em Juiz de Fora e que costuma passar pelo Centro com frequência. “Acho importante (esse projeto), porque nossa cidade precisa ser lembrada, senão tudo o que temos será esquecido. E seria muito bom se tivéssemos locais como este para descansarmos e observarmos a cidade, ainda mais quando encontramos com um amigo para bater um bom papo”, afirma.
Para Cristina Villaça, diretora da Aliança Francesa, intervenções que ajudem a recuperar a memória da cidade são de extrema importância. “É interessante vermos a utilização de diversas formas de arte para chamar a atenção a respeito da nossa arquitetura, as pessoas se interessam e participam”, afirma a professora, também nascida em Juiz de Fora. “E temos que valorizar a cultura, ainda mais num momento tão difícil como o que vivemos.”