Memória esquecida de um gênio


Por LENICE SIMÕES PEREIRA Graduada em letras e doutora em comunicação e cultura pela UFRJ

17/10/2013 às 07h00

Poucas pessoas têm conhecimento da obra médica e literária de Antônio da Silva Mello (1886-1973), embora ele seja uma das maiores expressões de inteligência e sabedoria que esta cidade engendrou. Formou-se em medicina na Universidade de Berlim em 1914. Clinicou na Suíça até 1918, quando regressou ao Brasil e estabeleceu clínica no Rio de Janeiro. Foi pioneiro na introdução de várias especialidades médicas, a exemplo da gastroenterologia, da psicanálise, da medicina psicossomática e dos estudos sobre alimentação e nutrição.

Fundou e dirigiu a Revista brasileira de medicina. Escreveu mais de 25 livros, prefaciados por ilustres personalidades, como Roquete Pinto, Gilberto Freyre, Carlos Drummond de Andrade, Edison Carneiro, Carlos Heitor Cony, entre outros. Foi membro das academias brasileiras de Letras e de Medicina. Teve uma vida longa, viveu 87 anos e, segundo Roquete Pinto, prefaciando o livro Nordeste brasileiro (1953), foi dono de um dos mais límpidos estilos de nossa língua. Gilberto Freyre considerou-o, em Problemas de ensino médico e de educação (1936), um exímio médico-sociólogo. Carlos Drummond de Andrade, em Assim nasce o homem: filosofia do parto e da amamentação (1966), o teve por mestre da sabedoria. Luis da Câmara Cascudo concedeu-lhe o título de Membro Emérito da Sociedade Brasileira de Folclore, mantendo com ele correspondência epistolar acerca do folclore, do misticismo e da medicina popular.

A notoriedade de Silva Mello como médico alcançou tamanha repercussão que foi visitado e consultado pelo físico Albert Einstein quando este visitou o Brasil. Silva Mello retribuiu a visita indo encontrá-lo em Princeton, nos Estados Unidos. A propósito, escreveu Silva Mello no prefácio de Rede de dormir sobre o almoço oferecido em sua residência no Cosme Velho, onde Albert Einstein ficou encantado com a invenção primitiva dos índios latino-americanos, embora tivesse extrema dificuldade em manter-se equilibrado ao sentar na rede de dormir.

Dentre todas as personalidades intelectuais desta cidade, talvez tenha sido Silva Mello quem mais amou Juiz de Fora. Foi extremamente generoso com o seu berço natal. Doou todo o seu acervo para esta cidade. E, não menos importante, projetou Juiz de Fora – associada à sua reflexão na literatura e na medicina – no cenário universal da cultura do século XX.

Passados 40 anos de sua morte, completados em 19 de setembro de 2013, não podemos deixar de formular a seguinte questão: quando será dada uma efetiva destinação pública ao seu precioso e inestimável acervo? Essa pergunta é coerente com o que parece ter sido o seu grande desejo: o de que os seus ensinamentos fossem conhecidos pelas novas gerações. Acreditamos que nada decepcionaria tanto Silva Mello quanto supor que sua memória pudesse ser um dia olvidada pelos seus conterrâneos.

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