MĂșltiplo Murilo dramatizado
Uma vida foi pouco para Murilo Mendes, mas mesmo assim ele fez muito. A obra literĂĄria do poeta e escritor nascido em Juiz de Fora hĂĄ 115 anos passeou pelos mais diversos caminhos, do modernismo ao concretismo, passando pela fase em que se converteu ao catolicismo, suas dores com os horrores da Segunda Guerra Mundial, as lembranças das cidades de suas Minas Gerais e tantas outras questĂ”es que permearam a alma deste homem de tantas palavras. E Ă© este Murilo mĂșltiplo e incomum que Ă© revisto no espetĂĄculo teatral “Murilo Mendes – O poeta cĂłsmico”, que serĂĄ apresentado nesta quinta-feira, Ă s 20h, no museu que leva o seu nome, o Mamm.
Apresentada pela primeira vez na cidade, a peça Ă© uma realização da Companhia Teatral Curare, de Cabo Frio, que tem entre seus integrantes dois juiz-foranos radicados hĂĄ bons anos na cidade fluminense: o ator e diretor JosĂ© AntĂŽnio Mendes e a atriz Martha Sirimarco. Eles sĂŁo acompanhados no palco pelo trio de mĂșsicos Delvan Rocha, Celso Thebaldi e Charlie da Matta, que executam composiçÔes de Mozart, Guerra-Peixe e cantigas do folclore popular, alĂ©m de mĂșsicas criadas exclusivamente para o espetĂĄculo.
De acordo com JosĂ© AntĂŽnio, a ideia do espetĂĄculo surgiu ainda por volta do ano 2000, Ă s vĂ©speras da comemoração do centenĂĄrio de nascimento de Murilo Mendes, que foi adiada devido a outra celebração ocorrida na Ă©poca: os 500 anos do descobrimento do Brasil, que rendeu o espetĂĄculo “Travessia”, com dramatizaçÔes de textos brasileiros, portuguĂȘs e africanos a partir do sĂ©culo XVI, com mĂșsicas criadas nos perĂodos abordados. Outros projetos surgiram com o tempo, como os dedicados a AdĂ©lia Prado e Garcia Lorca, entre outros, o que fez com que “Murilo Mendes – O poeta cĂłsmico” estreasse apenas em outubro de 2015, em Cabo Frio.
Com o longo perĂodo entre ideia e execução, os integrantes da companhia tiveram muito tempo para pesquisar a obra de Murilo e escolher o que entrou para o espetĂĄculo. “NĂłs trabalhamos com poesia, mas nĂŁo Ă© um sarau poĂ©tico”, adianta JosĂ© AntĂŽnio. “Transformamos a poesia em um texto dramĂĄtico, uma operação que requer muito cuidado, de manter a delicadeza da poesia e ainda contar uma histĂłria. Ă como se fosse um auto sacramental, em que tentamos desvelar as faces do artista. Esta foi nossa principal inquietação.”
Ainda que jĂĄ tenham passado por experiĂȘncias semelhantes com outras peças, JosĂ© destaca que sempre se corre o risco de se perder no meio da estrada da adaptação. “A poesia te dĂĄ uma liberdade muito grande, de criar uma histĂłria como vocĂȘ quiser. NĂŁo Ă© fĂĄcil traduzir o poema para a linguagem teatral, isso exige o cuidado de preservar a poesia e a mensagem que o poeta quer passar. Buscamos isso com imaginação e coragem, pois a poesia nĂŁo tem limites, Ă© um caminho aberto em que vocĂȘ corre o risco de se perder. Ă preciso ir costurando, fazer o pacto que existe no campo das possibilidades entre o teatro e a poesia.”
Um olhar ‘cĂłsmico’ sobre o mundo
Ao ser questionado sobre o tĂtulo da peça, JosĂ© AntĂŽnio Mendes explica que ele surgiu a partir da necessidade de, ao se contar uma histĂłria em que a poesia Ă© o alicerce, encontrar o(s) ponto(s) para alavancĂĄ-la. “Pensamos: ‘quais os fatos importantes da vida do Murilo?’. EntĂŁo alicerçamos a histĂłria em trĂȘs fatos importantes de sua vida: a passagem do Cometa Halley, quando ele fugiu pra assistir a uma apresentação do (bailarino russo) Nijisnki, e a sua relação com a mĂșsica de Mozart. A parte do cometa acho fundamental, pois acredito que desde entĂŁo ele passou a escrever com a visĂŁo de quem estĂĄ no cometa, daĂ o ‘poeta cĂłsmico’. Ele Ă© universal, cĂłsmico, metafĂsico, mas tambĂ©m materialista. Ele Ă© tudo isso e muito mais”, diz o ator e diretor, para quem Murilo Mendes tem a mesma importĂąncia para o Brasil que Fernando Pessoa teve para Portugal quando se fala de modernismo.
Para JosĂ© AntĂŽnio, Murilo Mendes sempre esteve presente na sua vida, mas mesmo assim o trabalho para a criação do espetĂĄculo criou novas percepçÔes e sentimentos em relação Ă obra do artista mineiro. “Estou com 53 anos, a idade do auge dele. Sou ator desde a adolescĂȘncia, interpretei muitos personagens, mas encontrar Murilo dessa forma tĂŁo forte, tĂŁo pessoal, foi um momento muito importante da minha vida. Gosto muito do texto e da palavra e poder estar neste momento interpretando Murilo e divulgando a palavra dele Ă© um grande privilĂ©gio.”
MURILO MENDES
O POETA CĂSMICO
Nesta quinta-feira, Ă s 20h
Mamm
(Rua Benjamin Constant 790)