O penhor dessa (des)igualdade
Enfim, choveu em Juiz de Fora. Pelo céu fechado que andou pairando sobre nossas cabeças, parecia que os reservatórios teriam seu merecido descanso, e a escassez de água voltaria a ser só uma daquelas projeções um tanto quanto apocalípticas para o futuro, que irresponsavelmente teimamos em ignorar. Ledo engano. Nas nuvens, 50 tons de cinza. Nos mananciais, tons de vermelho em fatorial. Um anúncio de tempestade injusto, para precipitações de mixaria amarrada. (Mas que não cessem, por favor!)
Fiquei pensando nas tantas frustrações da vida, nas promessas que, diariamente, não correspondem à realidade que esperamos – e/ou precisamos. Não as tragédias ou perdas profundas, mas as pequenas mazelas que nos fazem maldizer o dia, porque empenhamos nossas expectativas mais altas e o que recebemos em troca é um balde de água fria (que seria até bem-vindo na estiagem atual).
É a placa “caixa fechado” na infinita fila do supermercado, justamente quando chega nossa vez. O sorvete de um dia de calor desértico, que cai inteirinho no chão depois da primeira lambida. A seta dupla azul e sem resposta no Whatsapp. O Netflix que sai do ar nos últimos dez minutos do episódio final daquela série viciante. Aprendemos a conviver com estes pequenos desvios de rota, e com outros maiores, porque se há algo realmente prudente neste mundo, é a sabedoria popular, e, portanto, “a vida continua“.
Talvez a troca mais injusta, porém agridoce, que tenhamos que enfrentar cotidianamente seja a saudade. Em algum momento da vida, aprendemos que a palavra só existe em português, e carregamos essa verdade conosco – seja mito ou não. Pode ser por isso que os gajos sofram tão lindamente em seus fados. Nós, herdeiros do idioma, não nos furtamos em usar o termo quase diariamente, ainda que, vez ou outra, banalizando-o: “saudade da comida de casa”, “saudade de ter cabelo comprido”, “saudade de você, vagabundo!”, saudade, saudade…
Acho que ela, a saudade, é como um penhor, algo demodê nos dias de hoje – tanto quanto dizer demodê. Você pega um bem de valor, entrega, recebe uma grana e, quando puder, resgata a joia ou o que quer que seja que foi “pro prego”. Constantemente, somos forçados a penhorar uma pessoa, um lugar, uma realidade, uma época e até mesmo um objeto querido, e recebemos, do referido “prego”, apenas saudade, corrigida pelo câmbio do ouro de tolo.
Esta troca, diferente daquela do Hino Nacional, nunca é “o penhor dessa igualdade”: o escambo é desigual. Ironicamente, quando recuperar o bem é impossível ou inviável, a saudade, ainda em comparação ao nosso hino, “desafia o nosso peito à própria morte”. E não há enxurrada, nem a que ameaçou cair por aqui, capaz de lavar esse amargor de dentro de nós. Sábia e inexorável, no entanto e como sempre, “a vida continua”.