A defesa da concorrĂȘncia no ambiente digital
“Em uma sociedade hiperconectada e altamente dependente de tecnologias proprietĂĄrias, o futuro parece exigir uma atenção redobrada aos aspectos concorrenciais suscitados pelo mercado digital.”
A forma como vivemos, trabalhamos, interagimos, enfim, o modo como nos organizamos como sociedade, estĂĄ baseada fundamentalmente em tecnologias controladas por um espectro muito pequeno de gigantescas corporaçÔes norte-americanas. O recente apagĂŁo digital, causado por uma falha de atualização do antivĂrus CrowdStrike em sistemas operacionais Windows, escancara uma verdade atordoante, mas pouquĂssimo debatida.
Vivemos em um ambiente digital cada vez mais incompreensĂvel, nublado, altamente polarizado, interdependente e com aplicaçÔes altamente concentradas nas mĂŁos de pouquĂssimas empresas com gigantesca dominĂąncia mundial.
Em uma sociedade hiperconectada e altamente dependente de tecnologias proprietĂĄrias, o futuro parece exigir uma atenção redobrada aos aspectos concorrenciais suscitados pelo mercado digital. As grandes corporaçÔes tecnolĂłgicas, que dominam o cenĂĄrio global, estĂŁo cada vez mais consolidando o seu poder econĂŽmico, informacional e intelectual, gerando preocupaçÔes quanto ao ambiente de competição da indĂșstria da tecnologia.
A tendĂȘncia Ă© preocupante, especialmente com o crescimento no uso e dependĂȘncia das ferramentas de inteligĂȘncia artificial. Estas tecnologias nĂŁo sĂł demandam investimentos vultuosos que apenas poucas empresas conseguem arcar, mas tambĂ©m criam barreiras significativas para a entrada de novos competidores. Consequentemente, as gigantes da tecnologia se beneficiam de uma vantagem competitiva desproporcional, especialmente por jĂĄ deterem grande parte dos dados necessĂĄrios para treinamento dos sistemas de IA, bem como do investimento brutal em processamento de dados necessĂĄrio para permitir que essas tecnologias sejam utilizadas em larga escala. Somente o ChatGPT consome 25 vezes a energia utilizada pela ferramenta de busca do Google.
Curiosamente, sobre o caso envolvendo o apagĂŁo causado pela CrowdStrike em seus sistemas, a Microsoft apontou um acordo de 2009 com a ComissĂŁo Europeia sobre interoperabilidade como uma razĂŁo pela qual o kernel do Windows nĂŁo Ă© tĂŁo protegido quanto o de outros sistemas operacionais, como o macOS da Apple. Este acordo exigia que a Microsoft permitisse que produtos de segurança de terceiros tivessem o mesmo acesso que os seus prĂłprios produtos, o que acabou permitindo que softwares como o CrowdStrike operassem em um nĂvel baixo do sistema, potencialmente causando falhas significativas. Ou seja, uma medida que aparentemente visava promover a concorrĂȘncia agora Ă© utilizada como justificativa para uma falha com consequĂȘncias globais.
Independentemente do caminho a ser tomado, Ă© urgente que o tema da concorrĂȘncia em mercados digitais receba mais atenção, especialmente no contexto pĂșblico. Promover uma agenda que defenda a concorrĂȘncia Ă© essencial para tirar o Brasil da condição de coadjuvante, permitindo maior retenção de talentos, atraindo mais investimentos privados.
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