Perdemos nossas meninas
Marcos Araújo<
Jornalista
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“As imagens do pai biológico da criança carregando nos braços o pequeno caixão branco pelas alamedas do Cemitério Municipal até hoje resistem em minha memória”
No dia 7 de maio de 2015, quando cheguei à redação para começar o meu dia de trabalho, não podia imaginar que, naquela tarde, iria cobrir uma das mais tristes histórias de assassinato que já apurei enquanto repórter. A morte da pequena Luana, de 2 anos, brutalmente espancada pelo padrasto, mexeu com o meu coração de pai. Naquela época, minha filha tinha 4 anos. Toda a vida pela frente que pulsa em minha filha contrastou com o ponto final que deram à trajetória de Luana, que já sem vida foi levada de ônibus para uma unidade de saúde onde teve a morte confirmada.
Eu acompanhei seu velório. As imagens do pai biológico da criança carregando nos braços o pequeno caixão branco pelas alamedas do Cemitério Municipal até hoje resistem em minha memória.
Naquela hora e nos dias depois, ainda cobrindo notícias sobre o crime, me colocava no lugar daquele pai. Impossível medir a dor que de dentro dele jorrava em forma de berros, soluços e lágrimas. Lembro-me dele deitado sobre a urna funerária, antes do sepultamento, a gritar: “O pai ama você e estará sempre do seu lado”. É um tipo de tristeza imponderável! O homem, pedreiro de profissão, me disse de forma sintética e dolorida: “Sinto um vazio”. É bem provável que esse pai tenha a alma cravada por esse sentimento até agora e ainda não consiga colocar em palavras a ausência de sua menininha.
Se já não bastasse tamanha tragédia nessa família, quase dois anos depois, a irmã de Luana teve o mesmo destino pelas mãos do homem responsável por guardá-la. A pequena Lady Dayane, de 1 ano e 10 meses, foi morta depois de ser espancada e estuprada pelo seu guardião e primo de sua mãe. A história se repetiu. Mais uma vez cheguei à redação, no dia 13 de janeiro de 2017, e, após engolir o fôlego, tive que começar a apurar o crime. A morte dela é a de número sete este ano, que se inicia com grande parte da população de Juiz de Fora, e me incluo nessa parcela, esperando por dias melhores.
A violência, em diversas facetas, está mais perto de nós. Eu mesmo tive minha casa invadida. É difícil pensar que um estranho apoderou-se de nossa intimidade e levou nossos pertences. No que diz respeito às mortes por violência, a cidade computou 154 casos em 2016. O número foi maior 17,5% do que o registrado no ano anterior. No Brasil, a realidade não é diferente. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2005 e 2015, apontaram que houve crescimento de 14,22% do número de homicídios por cem mil habitantes em 20 estados, incluindo Minas Gerais.
Especialistas em segurança pública perguntam de quem é a culpa e dão a resposta: tráfico de drogas, fácil acesso a armas de fogo, impunidade e má vontade política. É senso comum que as pessoas precisam saber que vão se dar mal caso cometam crime. Para ter essa certeza, a polícia tem que fazer seu papel de investigar e prender; a Justiça deve ser ágil em julgar, e nosso superlotado sistema carcerário tem que encontrar meios de reabilitar detentos. É preciso ainda haver investimento social, dando educação, saúde e trabalho à população.
Os governos federal e estadual precisam marchar nessa frente. Até as prefeituras podem dar alguns passos. A gente sabe disso sem precisar ter título de doutor, e as autoridades também. Entretanto pouco tem sido feito. Há discursos, ações eleitoreiras, programas que começam e não terminam. Tudo se dilui num caldo no qual gestores lavam suas mãos, enquanto a sociedade prefere empurrar com a barriga. No caso das irmãs Luana e Lady Dayane, vários motivos explicam a morte precoce delas: falta de estrutura familiar, desemprego, dependência química, omissão. Mas nenhuma dessas explicações serve para confortar um coração vazio!