O morro não tem vez…


Por Marcelo do Carmo, professor do curso de turismo da UFJF

14/02/2017 às 03h00- Atualizada 14/02/2017 às 08h28

Moradores do Bairro São Mateus, no último fim de semana, puderam acompanhar a confusão causada por blocos de carnaval não autorizados e pela algazarra – que culminou em atos de violência e desrespeito aos moradores e às leis de convívio em sociedade – ocorrida nas madrugadas de sexta e sábado, gerando enormes transtornos. Deve-se levar em consideração o fato de São Mateus ser o “asfalto”, uma espécie de Copacabana da cidade. E o “morro” tem interesse em visitar e ocupar o “asfalto”, principalmente devido ao fato de o Poder Público não priorizar a construção de espaços de lazer na periferia (Praça CEU em Benfica é uma rara exceção!). Vou começar por um exemplo e depois retorno à realidade local.

Recife, capital de Pernambuco, sempre teve um dos carnavais mais visitados e violentos do Brasil. Lá, duas soluções foram implantadas, que efetivamente contribuíram para diminuir a violência e a criminalidade nos dias de Momo. A primeira foi o trabalho social comandado pelo percussionista Naná Vasconcelos, falecido recentemente, que conseguiu reunir todas as “nações de maracatu”, que outrora se enfrentavam, disputavam o poder na periferia e, após um trabalho de quase 20 anos, passaram a tocar juntas na abertura do carnaval e em outros grandes momentos.

A segunda ação foi a organização de polos carnavalescos na periferia, onde as principais atrações do carnaval do “asfalto” também se apresentam. Isso fez com que essa população deixasse de correr para o Centro da cidade, diminuindo assim a violência, ao mesmo tempo em que permite a todos o acesso ao carnaval. E assim Recife resolveu duas questões: o acesso à festa popular brasileira mais importante para toda a população e a integração social através da resolução de conflitos.

Voltando a Juiz de Fora, fomos informados pela Tribuna de Minas sobre a não realização de blocos tradicionais de bairros da cidade. Se a Prefeitura promovesse o carnaval na periferia, através da autorização desses blocos, essa população não precisaria se deslocar. Se houvesse carnaval nos bairros, não seria necessário ocupar São Mateus para protagonizar cenas de violência, intimidação e descontrole. Não podemos nos esquecer de que o carnaval faz parte da identidade do povo brasileiro, estando enraizado na cultura nacional – e por isso essa festa profana precisa ser mantida!

Aqui, deve-se referência à obra “Carnavais, malandros e heróis” (1979), de Roberto da Matta, na qual o sociólogo ressalta a importância do carnaval como momento/espaço em que aquilo que não é permitido em “casa” (o privado) passa a ser autorizado na “rua” (o público), elementos fundamentais para se entender a formação da sociedade brasileira. Logo, ao vislumbrarmos soluções, devemos pensar na manutenção da festa popular, inclusive em momentos de crise, como possibilidade de extravasar.

É fundamental a manutenção do carnaval como “festa popular” e espaço de/para todos. Devemos cuidar para que ele não se transforme em festa restrita a clubes, abadás e ingressos comercializados a preços elevados, pois é justamente essa impossibilidade de participação que deixa os nervos exaltados. A solução não é reprimir nem extinguir o carnaval de rua. Pelo contrário, é integrar. É permitir o acesso à cultura como instrumento de educação e lazer para todos. Esse é o dever do Poder Público: dar vez e voz ao morro.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.