Foi-se o poeta…


Por Denise Polato, farmacêutica

06/12/2016 às 07h00- Atualizada 07/12/2016 às 16h02

“Sempre atento, alerta, crítico, era capaz de falar sobre tudo um pouco, ora com o olhar do acadêmico letrado e estudado, ora como um cidadão comum”

Morreu, neste domingo, Ferreira Gullar, aquele que era nosso mais expressivo poeta vivo. Difícil descrevê-lo. Entre tantos adjetivos, desde o poeta concretista e vanguardista ao intelectual, homem culto, completo, pensador, passando por convicto, comunista e ateu.

Adjetivos suficientes para um homem cuja história atravessou a própria história recente do país. Sempre atento, alerta, crítico, era capaz de falar sobre tudo um pouco, ora com o olhar do acadêmico letrado e estudado, ora como um cidadão comum, assim como outro qualquer, disposto a defender aquilo que acreditava, tanto no campo da política como no campo social.

Mas este Gullar, conhecido de todos, por muito, ocultou aquilo que sempre me tocou: o olhar sensível, amoroso, daquele tipo que só os avós e bisavós sabem ter. Mesmo em suas falas e na sua escrita mais acirrada, sua forma simples de escrever se fazia notar. Ler suas crônicas aos domingos, para mim, era o mesmo que sentar na varanda com meu avô e ouvi-lo contar “causos”, histórias, com uma certeza e possuidor de uma verdade única, permitida apenas, a quem já viveu muito e viveu muitas coisas. Era admirável ver um homem na sua idade que não tinha medo de mudar de opinião, o que denota a liberdade de seu pensamento e autenticidade de suas ideias.

Se Ferreira Gullar deixa seu nome escrito e gravado para sempre na vida cultural brasileira e na Academia Brasileira de Letras, com certeza, o faz por absoluto merecimento pelo conjunto de sua obra, pelo marco e impacto que causou com seu “Poema Sujo” na poesia moderna brasileira.

Mas, para mim, ficará sempre a lembrança de um homem sábio, que me fez querer ir ao Rio de Janeiro, me sentar ao seu lado em uma mesinha lá em Ipanema, tomar um café e passar algumas horas ouvindo sua fala cadenciada, típica do nordestino, contando não sobre si, ou sobre sua obra, mas, assim como em suas crônicas dominicais, dizendo aquilo que ele tanto queria nos mostrar, sua indignação com os rumos da política e os rumos do país. Acho mesmo que ele queria nos puxar as orelhas e perguntar: “Meninos, como vocês não estão vendo o que está acontecendo? Como vocês podem ficar indiferentes a este barulho ensurdecedor da rua, que não nos deixa mais conversar? Vocês já ligaram para o atendimento de alguma companhia telefônica e realmente resolveram seu problema?”.

Enfim, é com tristeza no coração, mas ao tempo com alegria e carinho, que levo comigo estes dois Gullar. Um, o poeta que fica para a eternidade, o outro, o homem simples, mas tão culto, que eu diria que era mesmo um grande sábio disfarçado de avô.

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