Deixem-nos sofrer
Nathália Meneghine
professora e psicóloga
“A tristeza faz parte da vida. Um luto, na melhor das hipóteses, se atravessa. Não se pula, não se acelera”
Em tempos voláteis, líquidos e de “overposting”, parece que nos impusemos mais uma obrigação: ser muito feliz o tempo todo. Nessa esteira, toda forma de sofrimento é tratada com impaciência.
Nesta semana, estamos vivenciando uma grande tragédia no Brasil: um avião caiu e derrubou sonhos, alegrias, esperanças. Despedaçou famílias. Despedaçou-nos. No entanto, no mesmo dia, vários editoriais da grande mídia já cuidavam de substituir as lágrimas por imagens de euforia, transmitindo com eloquência a mensagem “bola pra frente”, “vamos lá”, numa tentativa infantil de tamponar o tanto de nós que caiu no buraco da dor, no vazio do luto.
No entanto, ainda não é hora de falar em “bola pra frente”. É tempo de luto. De dor. De chorar. De tropeçar nas palavras pelo engasgo da emoção.
Essa rapidez em viver todas as coisas, numa tentativa – já de partida fracassada – de evitar a angústia, é um dos ingredientes de nosso adoecimento pós-moderno, da nossa imaturidade social. Apressamos a saída da dor, encurtamos os ritos, cancelamos a tristeza.
Mas isso não nos ajuda. De certa forma, por vivermos tudo com tanta rapidez, acabamos também por viver com tanta superficialidade.
O que pode nos acolher diante desse horror é justamente poder chorar, sofrer e ficar triste. Pode, sim! A tristeza faz parte da vida. Um luto, na melhor das hipóteses, se atravessa. Não se pula, não se acelera. E travessia exige, dentre outras coisas, tempo.
Há de vir o tempo de nos colorirmos de novo. Por ora, suportemos o vazio que fica, a tristeza que perder dá na gente. Sejamos simples pessoas, com todas as impotências em que isso nos inclui, e não apenas fotografias esforçadamente sorridentes.
A verdade é que nada será como antes. Hoje, deixem-nos sofrer, sabedores de que a dor é ser!