Celular na mão é passe livre?
“A visão imediatista por likes e engajamento é como uma semente de colheita única que tornará, em pouco tempo, todo o solo infértil”
Lidar com as redes sociais e a pulverização de informações está entre os maiores desafios contemporâneos. A internet é um caminho sem volta. Seria, no mínimo, ingênuo projetar os próximos anos sem o avanço exponencial de seu uso e das diferentes tecnologias, incluindo a Inteligência Artificial.
Essa é uma realidade posta, com todos os ônus e bônus, devendo todo desenvolvimento ser acolhido e bem-vindo. A reflexão aqui é sobre base, sobre pavimentar todo avanço. E é fruto de uma experiência que vivenciei junto com a minha filha, ao sermos abordadas na rua por um criador de conteúdo em uma dessas “trollagens” virais, que nos inseriu, em uma fração de segundos, na incômoda situação de nos sentirmos invadidas.
Nada como uma vivência prática para dar o exato contorno da urgência de se regularizar determinadas práticas. É como se furtassem de você o direito de escolher como e o quanto se expor, uma linha tênue e um limite que, por direito, deveria ser exercido pelo próprio titular.
Esse é o real peso do uso indevido da imagem de alguém. Diante de uma potencial violação, pude perceber de forma visceral, o quanto está intrinsecamente ligado à proteção da própria personalidade, afinal, é a nossa projeção para o mundo.
Seja por carta, que evoluiu para fax, e-mail, mensagens em aplicativos até chegar na nossa imensa teia frenética de troca de informações, toda comunicação parte de um ser humano para outro(s). Impregnado ou não da intenção de passar um ponto ou visão, todo conteúdo carrega em si uma mensagem e gera efeitos.
Há tempos, tenho me debruçado sobre essa temática, na qualidade de advogada especializada em propriedade intelectual e uso de imagem. Sempre reforço que, como tudo no Direito, há que se fazer uma ponderação tendo como norte o princípio da dignidade humana. Se de um lado temos o direito de liberdade de expressão, potencializado pela facilidade das tecnologias e alcance da internet, do outro temos o direito à privacidade, que engloba e garante o uso protegido da imagem, voz e demais dados biográficos.
Mas o que é, sim, absoluta é a responsabilidade com a ética e a veracidade na produção de todo e qualquer conteúdo. Comprometer a verdade gera o efeito oposto pretendido com a internet e as redes sociais. Disseminação de fake news e criação de conteúdo forjado, visando o engajamento pelo ódio e desinformação, não amplia, mas sim, reduz o seu alcance.
A visão imediatista por likes e engajamento é como uma semente de colheita única que tornará, em pouco tempo, todo o solo infértil. A comunicação depende de pessoas que precisam se sentir seguras e confortáveis para consumir um conteúdo.
Uma sociedade que se orgulha do próprio avanço não deveria se omitir na defesa da sua própria base: ética, verdade e responsabilidade com os direitos de terceiros, incluindo, em instância de destaque, o direito à proteção da própria imagem.
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