Brasileiro ou estrangeiro? Treinadores locais avaliam opções para a Seleção
Léo Condé, Rafael Novaes e Wesley Assis defendem que jejum brasileiro em Copas ocorre por fatores mais relevantes ao jogo do que a nacionalidade do comandante
O fim da era Tite no comando técnico da Seleção Brasileira, somado à nova eliminação do país pentacampeão na Copa do Mundo, desta vez nas quartas de final do Catar, para muitos críticos, de forma precoce, reabriram as especulações e debates sobre quem deve ser o treinador do Brasil no novo ciclo, que possui como principal objetivo voltar a erguer a taça do Mundial em 2026. Nesta discussão, um dos dilemas que mais ganhou força é quanto à nacionalidade do nome escolhido – há quem defenda a manutenção da cultura nacional com um técnico brasileiro, mas também aqueles que entendem que o momento é da chegada de um profissional estrangeiro. A Tribuna conversou com três das referências locais na área, os treinadores Léo Condé, Rafael Novaes e Wesley Assis, que detalharam suas análises não apenas sobre o próximo técnico canarinho, como também sobre as consequências desta escolha e os fatores que contribuíram no aumento do jejum de títulos.
Léo Condé, que se aproximou, em 2022, do acesso à elite do Campeonato Brasileiro pelo Sampaio Corrêa com a quinta colocação na Série B, expôs sua preferência em um profissional compatriota. Segundo ele, o espaço de cinco Copas sem título é fruto de uma série de fatores que fogem à nacionalidade do comandante. “Primeiro eu gostaria de deixar claro que o bom profissional tem em todo lugar. Mas como técnico e brasileiro, eu gostaria muito que o treinador da Seleção fosse um brasileiro, como sempre foi. Sem bairrismo nenhum. Acredito que escolas tradicionais como Argentina, Itália, Alemanha e Brasil são sempre referências”, opina. “Acho que a solução pro futebol brasileiro, desse longo período sem ganhar, não é só a questão do treinador em si. A Seleção já passou por jejum grande, como em 1994, que veio o título depois de 24 anos, e conquistou com o Parreira, o Zagallo, treinadores brasileiros. A própria Argentina agora, com o Scaloni, depois de um longo jejum. Não penso que é só a figura do treinador, que está sendo muito batida e crucificada, para o Brasil ficar esse longo tempo sem conquistar a Copa.”
Conforme Rafael Novaes, primeiro técnico do Villa Real no futebol profissional, e que também bateu na trave no acesso ao Módulo II do Mineiro nesta temporada, há nomes qualificados tanto do futebol brasileiro quanto de fora. “Acho que no Brasil temos profissionais para colocar no lugar do Tite. Também gosto muito do trabalho do Abel Ferreira, do Palmeiras. Na minha concepção, é o melhor treinador no Brasil hoje. Há tempos eu queria ver o Mourinho na Seleção, mas acho que ele vai para Portugal. E pensando em relação à cultura brasileira, queria ver o Fernando Diniz. Creio que é a cara do futebol ‘moleque’ brasileiro, ofensivo, que busca o gol toda hora. Queria muito vê-lo escolhendo as peças e fazendo essa reformulação para a próxima Copa”, avaliou.
O nome de Diniz, atualmente técnico do Fluminense, também foi citado por Condé, além de outros dois profissionais. “Muitos dizem que não temos bons nomes, mas acho que possuímos sim, com perfis diferentes. Gostaria muito de ver o Fernando Diniz com suas ideias dirigindo a Seleção Brasileira, o Dorival Junior que está em um momento muito bom, e o Cuca é um treinador muito estrategista, talvez para torneio curto, igual a Copa do Mundo, precise de um treinador com essa característica.”
‘Cenário perigoso e preocupante’
Já Wesley Assis, novo auxiliar técnico do Tupi, e que fez história na base do clube também como treinador, chegando ao mata-mata da Copinha São Paulo e ao vice-campeonato mineiro sub-20, alertou o que pode significar, aos treinadores brasileiros, uma escolha de estrangeiro para comandar o time canarinho, o que ocorreu apenas em três oportunidades, com Jorge Gomes de Lima, o Joreca, português que esteve à frente da seleção em 1944; Filpo Nuñez, argentino, em 1965; e o uruguaio Ramón Platero, em 1925, conforme a CBF.
“Eu acredito que é um cenário sem alternativas, infelizmente. A cultura do nosso futebol, no que diz respeito aos treinadores, está mudando. No passado, exportamos treinadores para outras ligas e até hoje esse fenômeno acontece, porém acho um cenário perigoso e preocupante para o futuro dos treinadores brasileiros. Na nossa principal liga, teremos o maior número de treinadores estrangeiros nesse ano. Hoje, as seleções mais tradicionais estão apostando nos treinadores do país. As ligas fortaleceram o processo de formação dos técnicos e isso tem se mostrado eficiente. Deschamps, em 2018, francês campeão com a França, Joaquim Low, alemão campeão com a Alemanha em 2014, e agora o argentino Scaloni. Acredito que a nacionalidade não vai influenciar, mas a vinda de um treinador estrangeiro para a nossa seleção pode significar um atestado de incompetência dos treinadores brasileiros, e os reflexos disso podem trazer danos importantes na estrutura do futebol do nosso país”, esmiuça Wesley.
Condé completa como a perda da essência construída ainda por Pelé, quando levou o Brasil ao exterior com uma imagem fortalecida, que permanece até os dias atuais. “Os clubes têm essa opção de trazer estrangeiros, mas se na própria seleção também for assim, vamos ficar sem uma referência, que o futebol brasileiro sempre foi para o mundo.”
Mais paciência com estrangeiros?
A possibilidade de a Seleção Brasileira seguir o movimento que ocorre na Série A nacional, de maior espaço aos técnicos de fora do país, casos, por exemplo, de Abel Ferreira, Vitor Pereira, Luís Castro, Juan Vojvoda e Antônio Oliveira, passa, na prática, também por uma diferença de tratamento em relação aos brasileiros, conforme Wesley. “O sucesso passa muito pelo tempo de trabalho e logicamente a qualidade também. Mas na prática a cultura imediatista e resultadista do nosso futebol não deixa isso acontecer. A diferença é que hoje um estrangeiro sem resultado permanece no cargo, e um brasileiro sem resultado é demitido. Na Europa, os treinadores têm tempo para trabalhar e a escolha desse técnico passa muito por um perfil desejado, uma forma de jogar e sua metodologia. Já no Brasil, as escolhas são feitas por uma série de fatores menos importantes, como interesse, pressão da imprensa e torcida, cabide de emprego, cargos estatutários no clube. O perfil, que é o mais importante, talvez não tenha a relevância que deveria”, analisa.
Já segundo Léo Condé, há uma consequência natural pelo sucesso de Jorge Jesus no Flamengo, em 2019, e também da falta de preparo de dirigentes de clubes. “No futebol brasileiro, a maioria dos dirigentes não tem personalidade, vai em cima daquilo que a mídia está batendo e está sendo valorizado no momento. O Abel Ferreira faz um excelente trabalho no Palmeiras, o Vojvoda no Fortaleza, e são treinadores de grande potencial, enquanto alguns outros não me encheram os olhos. Na minha ótica, temos treinadores brasileiros que fazem igual”, relata Condé.
“O Jorge Jesus, Abel e Vojvoda vêm fazendo um grande trabalho e deixando um bom legado, mas isso também passa. O Carille, quando foi campeão no Corinthians, todo mundo lançou um auxiliar permanente, da casa. Lá pra trás, quando Luxemburgo e o Nelsinho fizeram a final do Paulistão dirigindo Bragantino e Novorizontino, vários clubes buscaram treinadores que se destacaram no interior, como o Vadão no Mogi Mirim e o próprio Felipão no Criciúma. É muita questão de momento, de modismo, mas é meu ponto de vista”, complementa o treinador de Piau (MG).
Eliminação no Catar: geração brasileira e escolhas
Sobre a campanha brasileira na última Copa do Mundo, Rafael Novaes viu a eliminação ser sacramentada nos detalhes. “Não vi a Seleção tão abaixo como o pessoal falou. Se formos analisar o último jogo, a Croácia começou bem, mas depois só deu Brasil. Os croatas souberam jogar a Copa e dentro das suas limitações. O Brasil, acho que esbarrou um pouco na soberba. Tinha que saber jogar um pouco mais um campeonato em que pode errar muito pouco. A Argentina não jogou um futebol exuberante, mas o treinador foi inteligente e criou um esquema pro Messi jogar. Foi um time compacto, com duas linhas de quatro sem a bola e espaço pro Messi chegar. O Brasil estava encaixado, mas também teve muita falta de sorte, além de um pouquinho mais de competência de jogar feio quando era necessário, fechadinho.”
Já Wesley Assis entende que houve erros dentro e fora de campo. “O ciclo do Mundial poderia ter sido melhor planejado, com melhores adversários, testes mais fortes e, consequentemente, uma avaliação melhor do potencial individual dos atletas e da equipe. Não jogamos nenhum amistoso contra as potências que nos eliminam da Copa desde 2006, os europeus”, reforça o treinador juiz-forano. “Dentro de campo senti o Brasil muito previsível, uma equipe sem variações, Tite variou no ciclo, mas na Copa não. Jogamos com a mesma estrutura muita das vezes quando o nosso jogo não estava encaixando, pontas jogando o jogo todo de pé trocado, laterais pouco utilizados pelos corredores, marca registrada do nosso futebol com Nilton Santos, Carlos Alberto Torres, Jorginho, Branco, Cafu, Roberto Carlos, Marcelo. Cometemos erros, temos que assumir para podermos ter o tão sonhado hexa, espero eu com um treinador brasileiro”, encerra.
Já Léo Condé ainda entende que o Brasil não tenha, também por questões clínicas, um jogador decisivo como Messi e Mbappé. “São pequenos detalhes que definem uma partida de Copa do Mundo. Mas acredito muito na questão de geração. Temos bons jogadores, mas não de um nível como em 2002, com Rivaldo e os dois Ronaldos; em 1994, com Bebeto e Romário, sem contar anos anteriores. Em 2010, a geração da Espanha muito forte, em 2014 a da Alemanha. Agora você tem uma geração francesa com duas finais de Copa seguidas, a Argentina com o ídolo maior, o Messi. O futebol brasileiro tem boas peças, mas aquele extraclasse, que define jogos, principalmente os decisivos, a gente sente um pouco. O Neymar veio com essa sequência de lesões, por fatalidade logo na estreia teve uma lesão que acaba atrapalhando, poderia ser mais decisivo ainda. Mas acredito que temos uma boa geração para o próximo ciclo, que passaram por essa aprendizagem e amadurecimento nessa Copa, de grande potencial, casos de Vinicius Junior, Raphinha, Richarlison e Militão.”