Mais de cem mil juiz-foranos recebem auxílio emergencial
Benefício injeta mais de R$ 214,8 milhões na cidade, considerando as três parcelas
Mais de 103 mil juiz-foranos solicitaram o auxílio emergencial do Governo federal, benefício para garantir uma renda mínima durante o período de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. Deste total, cerca de 102 mil foram contemplados com a primeira parcela. Na fase inicial do pagamento do auxílio, R$ 71,6 milhões foram disponibilizados na cidade, de acordo com levantamento feito pela Tribuna por meio do Portal da Transparência do Governo federal. No dia 13 de junho, a Caixa Econômica Federal encerrou o calendário de pagamento da segunda parcela do benefício e, na última quarta (17), iniciou o depósito da terceira – e última. Desta forma, o montante destinado aos juiz-foranos ultrapassa os R$ 214,8 milhões, considerando as três fases.
Direcionado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, o benefício busca reduzir os impactos socioeconômicos causados pela pandemia da Covid-19. O auxílio emergencial disponibilizou valores de R$ 600 para cada pessoa elegível e de R$ 1.200 para mulheres solteiras e mães de crianças ou adolescentes de até 18 anos. Em Juiz de Fora, o benefício de R$ 1.200 foi pago para quase 17 mil mães de família. Desta forma, cerca de R$ 20,4 milhões foram disponibilizados para este grupo na cidade, só considerando a primeira parcela.
Nele, se enquadra a venezuelana Leidy Davila. Há dois anos morando no Brasil e mãe de seis filhos, ela divide sua casa na Zona Norte com os três menores. Antes mesmo da pandemia do coronavírus, ela estava desempregada. Com o dinheiro do auxílio, tem atendido necessidades básicas, como aluguel, contas de água e alimentação. “Essa ajuda do auxílio é muito boa porque ninguém esperava por ele. Nós ficávamos pensando como iríamos fazer para pagar um aluguel, se não tínhamos entrada de dinheiro. Foi bastante inteligente, ajuda a muitas pessoas, que agora, nessa pandemia, estão necessitando. Temos que pensar em todos”, diz.

Trabalhadores
Na cidade, cerca de 85 mil pessoas receberam R$ 600, totalizando mais de R$ 51 milhões pagos, também na primeira fase. Entre os trabalhadores impactados pela crise e que, desta forma, buscaram o benefício, está a tatuadora Mariana Cária. Desde o início da pandemia, ela precisou interromper o serviço para garantir maior segurança. A princípio, por não ter conta no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal, encontrou dificuldades para sacar, porém, atualmente, o auxílio tem ajudado-a nas despesas mensais. “Por mais que tenhamos todo o equipamento da biossegurança, se nem os profissionais de saúde que estão em hospitais – com todos os equipamentos próprios – estão conseguindo evitar, muitas vezes, a contaminação, eu acho que não dá para tatuar nesse período. Então, eu fico sem renda nenhuma.Tem muitas coisas que não conseguimos fazer por causa disso, então o auxílio está me ajudando muito”, conta.
Desempregado há mais de um ano, Bernardo Seabra prestava serviço freelancer como garçom, conciliando com os estudos. Seu trabalho também foi afetado em função do coronavírus, o que o levou a buscar o auxílio emergencial do Governo. “A maioria dos restaurantes não está podendo abrir. Eu trabalhava muito com festas e eventos, que não estão podendo mais acontecer”, diz. “Durante esse período de pandemia, como estou sem trabalho, esse auxílio tem me ajudado não só a bancar minha alimentação, como a minha moradia.”

Restrições
Conforme o Portal da Transparência, os valores apresentados se referem à parcela disponibilizada em conta aos beneficiários, não sendo possível afirmar se o recurso foi efetivamente sacado. Nas situações em que a parcela foi ofertada, mas apresentou algum tipo de restrição após atualização da base de dados, são informados dois tipos de observação: “retido: avaliação por divergências cadastrais” e “valor devolvido à União”. Em Juiz de Fora, 875 beneficiários tiveram a primeira parcela retida, o que totalizou R$ 571.800. Outros R$ 22.800 foram devolvidos por parte de 38 beneficiários.
Como publicado em reportagem da Tribuna no dia 14 de junho, trabalhadores ambulantes relataram ter encontrado dificuldades para obter o auxílio. Eles não conseguiram o benefício do Governo federal por problemas com o CPF ou, como em um dos casos, constar no sistema da Caixa Econômica Federal o recebimento. Estes exemplos demonstram um outro lado da pandemia, em que pessoas precisaram começar a trabalhar nas ruas como alternativa para sobreviver aos impactos da crise.
No total, 103.374 pessoas solicitaram o auxílio emergencial em Juiz de Fora. Este número leva em conta os beneficiários que conseguiram receber e aqueles que apresentaram restrição após atualização da base de dados.
Os dados levantados pela reportagem referem-se aos recursos da primeira parcela do benefício, com pagamentos disponibilizados até a folha de abril para o grupo Bolsa Família, até 15 de maio para os inscritos no Cadastro Único (CadÚnico) e até o dia 22 de maio para os não inscritos no CadÚnico (ExtraCad).
Especialista aponta necessidade de política de proteção social estruturada
Do ponto de vista socioeconômico, a crise ocasionada pela pandemia do coronavírus traz impactos maiores em países com estrutura desigual, como no caso do Brasil. No primeiro trimestre de 2020, cerca de 12,9 milhões de pessoas estavam desempregadas, além de 4,7 milhões de pessoas consideradas desalentadas (grupo que não está procurando emprego), de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontados pela professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Marina Monteiro.
“Esta realidade nos mostra a necessidade de efetivação pelo Estado de uma política de proteção social estruturada, muito além do auxílio emergencial que, embora fundamental nesse momento, atende uma necessidade imediata e de forma limitada, uma vez que não atinge todas as categorias de trabalhadores e desprotegidos socialmente”, aponta Marina.
Em Juiz de Fora, os dados do CadÚnico fornecem algumas informações sobre as famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, uma das bases utilizadas para análise do auxílio emergencial. Segundo informações da Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) da Prefeitura de Juiz de Fora, em abril deste ano, 47.502 famílias e 116.167 pessoas estavam cadastradas. Entre as famílias, 12.852 vivem com renda de até R$ 89; outras 4.432 com renda de R$ 89,01 até R$ 178; e 12.396 têm renda de R$ 178,01 até metade de um salário mínimo. Desta forma, em Juiz de Fora, 29.680 famílias vivem com até metade do salário mínimo, público que foi automaticamente avaliado para receber o auxílio emergencial.
Como destacado pela professora Marina, o total de pessoas que receberam a primeira parcela do benefício – mais de 102 mil – corresponde a cerca de 18% da população juiz-forana. Além disso, há possibilidade de novos cadastros até o dia 2 de julho. “Este quadro nos faz confirmar o processo que temos visto: fechamento dos postos de trabalho, demissão de trabalhadores, redução de cargas horárias de trabalho e salários, e a impossibilidade de os trabalhadores informais, por exemplo, executarem suas atividades.”
‘O Estado é o agente econômico que pode minimizar a crise’
O auxílio emergencial do Governo federal é voltado, em especial, para as pessoas com maior vulnerabilidade social e econômica, como trabalhadores informais e famílias com registro no CadÚnico. Com a crise ocasionada pela pandemia, é justamente essa classe a primeira a ser afetada, de acordo com o professor da Faculdade de Economia da UFJF Fernando Perobelli. “Essas pessoas não têm capacidade de poupança. A partir do momento em que a sua fonte de recursos seca, ela não tem nenhum outro tipo de recurso para utilizar. Então, imagina se não tivesse isso?”, questiona.
Para o especialista, em um país heterogêneo e com diferenças salariais como o Brasil, neste momento em que o mercado de oferta e demanda por bens está paralisado, a ação do Estado é essencial, mesmo com os déficits que possam ser causados. “Eu não estou aqui, como economista, dizendo que o Estado não vai ser prejudicado com isso. É óbvio que a dívida pública vai aumentar e que isso tem impacto na conta do Tesouro, mas o que temos que entender é que o Estado é o agente econômico que pode minimizar a crise”, aponta.
Necessidades básicas
Conforme destacado pelo economista, o recurso disponibilizado pelo Governo irá movimentar negócios básicos, como o de alimentação, além de permitir que os beneficiários mantenham seus compromissos, como pagamento da conta de luz e água, mantendo, desta forma, um “efeito multiplicador positivo” na economia de Juiz de Fora. “Evidente que o consumo será de bens de baixo valor agregado”, explica. “Mas melhor ter renda circulando e consumo de bens de baixo valor agregado, do que não termos isso.”
Como exemplificado por Perobelli, o efeito multiplicador funciona da seguinte forma: a partir do momento em que o beneficiário vai ao pequeno mercado em seu bairro, o proprietário do estabelecimento poderá manter o emprego dos seus funcionários. A partir disso, os mesmos terão renda para comprar outros produtos.
Por outro lado, o momento de pandemia faz com que as pessoas tenham um “consumo precaucionista”, devido à instabilidade econômica. “Não é um recurso que vai ser capaz de movimentar e recuperar a economia juiz-forana, porque todas as classes estão tendo um consumo precaucionista. Como você não sabe o futuro, você muda sua cesta de consumo. O auxílio vai ser realmente direcionado para bens de baixo valor agregado, então o impacto na economia é menor, mas existe impacto e ele é positivo.”
Projeto oferece orientação para quem tem direito ao auxílio
Desde maio deste ano, o projeto de extensão “Ação de orientação à população referente ao benefício assistencial emergencial”, da UFJF, oferece suporte para a comunidade sobre o auxílio emergencial. Coordenado pela professora da Faculdade de Serviço Social, Marina Monteiro, a iniciativa já realizou mais de 500 atendimentos, atingindo pessoas de 91 bairros de Juiz de Fora, além de quatro distritos, com destaque às zonas Norte e Leste, além de bairros mais pobres das zonas central e Sul da cidade.
“As maiores demandas são concernentes aos usuários que se enquadram nos critérios do auxílio, mas receberam negativa; dúvidas quanto a demora de novos resultados das análises, colocando a população em dificuldades de prover sua sobrevivência; além da busca por pessoas que não têm acesso a internet e/ou a um telefone celular – o que inviabiliza o cadastro no auxílio e o acompanhamento de sua situação pós-cadastro”, explica a professora.
De acordo com Marina, o objetivo é possibilitar o acesso ao benefício, além de evitar que as pessoas saiam de casa. Muitas informações, na maioria das vezes, podem ser oferecidas por meio do telefone. “A avaliação da equipe da ação é positiva, no sentido de efetivação do acesso a informação, da interlocução com as instituições da cidade e também de afirmação do compromisso social da universidade e de sua contribuição para as ações estratégias e essenciais neste contexto de avanço da epidemia no município”, ressalta.
O serviço funciona das 9h às 16h, sempre de segunda a sexta, na Faculdade de Serviço Social, no Campus da UFJF. Os interessados em orientações, esclarecimentos de dúvidas e agendamentos presenciais podem entrar em contato por meio dos telefones: (32) 2102-3561 / 3562 / 3563, ou pelo e-mail [email protected].
Auxílio deve ser prorrogado por mais dois meses
Na mesma data em que o Governo federal passou a disponibilizar a lista com os beneficiários e as parcelas creditadas para o auxílio emergencial no Portal da Transparência – em 8 de junho -, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o benefício seria prorrogado por mais dois meses. Entretanto, ainda não se tem informação de qual será o valor das parcelas. Durante transmissão ao vivo em suas redes sociais nesta quinta-feira (18), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) citou o endividamento da União como um dificultador para disponibilizar novos pagamentos do auxílio.
Na última quarta-feira (17), a Caixa Econômica Federal iniciou o pagamento da terceira parcela do auxílio emergencial. A princípio, os integrantes do Bolsa Família terão acesso ao benefício. De acordo com o portal do Governo, o calendário de pagamento para os demais cidadãos com direito ao auxílio emergencial será divulgado em breve.
Contestação
A partir de segunda-feira (22), quem teve o auxílio emergencial negado poderá entrar com pedido de contestação por meio da Defensoria Pública da União, apresentando documentos que comprovem a elegibilidade. A parceria foi firmada esta semana em um acordo de cooperação técnica entre o Ministério da Cidadania e a defensoria.
Além disso, por meio do Portal da Transparência, o cidadão pode enviar denúncias sobre fraudes ou ou inadequação dos pagamentos do benefício. Na página de detalhamento de cada beneficiário, que apresenta as informações cadastrais e as parcelas já disponibilizadas, há um link para encaminhar denúncia diretamente ao Ministério da Cidadania. Outra possibilidade é indicar, por exemplo, se uma pessoa física específica recebe um benefício indevidamente. Se o beneficiário tiver recebido o crédito da parcela de forma inapropriada, também está disponível, na ficha de detalhamento, o link para devolução voluntária.