Artesãos buscam valorização

Maria Ivany lidera os artesãos da feira de São Mateus (OLAVO PRAZERES/11-03-16)

Alice Linhares aposta na internet para divulgar seus produtos (FERNANDO PRIAMO/11-03-16)
No mês em que é celebrada a profissão de artesão, os trabalhadores de Juiz de Fora ainda têm pouco a comemorar. Os profissionais da cidade recebem, em média, entre R$ 100 e R$ 500 mensais, o que os impossibilita de ter dedicação exclusiva à atividade. O dado integra a pesquisa sobre o setor de artesanato local realizada pela empresa Studio Dialeto. O estudo mostrou, ainda, que a maior parte dos profissionais tem entre 40 e 60 anos, ensino médio completo, não são formalizados e divulgam o trabalho em feiras da cidade.
De acordo com os 41 entrevistados, a despesa média com a compra de matéria-prima chega a R$ 100 por mês, crescendo no último trimestre do ano. O tecido é o principal produto utilizado na confecção das artes. As feiras, a internet e as lojas (física e virtual) são, nesta ordem, as principais fontes de divulgação e venda. “Não sabemos o número de profissionais que atuam no setor, mas a pesquisa é uma amostra da realidade em que vivem na cidade”, explica a coordenadora do estudo Wanessa Bittar.
Na avaliação de Wanessa, a busca por profissionalização ainda desafia os artesãos, mas é um desejo de muitos. A maior parte deles tem apenas a capacitação para as técnicas artesanais. “Tivemos resultados surpreendentes como o fato de que pessoas mais jovens estão buscando esse mercado e se formalizando como Microempreendedor Individual (MEI), mas, em geral, ainda há uma lacuna, faltam informações sobre empreendedorismo, de forma que eles possam aumentar as oportunidades de negócio e a renda.”
A presidente da Associação de Artesãos de São Mateus, Maria Ivany Gomes da Silva, diz que a formalização ainda é onerosa para os profissionais. “Para formalizar, precisa dinheiro, e o artesão não tem renda suficiente. A maior parte se mantém com a aposentadoria”, explica. “A realidade é muito difícil, pois não temos apoio. Nós que buscamos nossas parcerias para fazer a feira acontecer toda semana.”
Para Ivany, que aprendeu, aos 8 anos, diferentes técnicas de artesanato com a avó, o trabalho sempre foi conciliado com outra atividade. “Comecei a vender as minhas peças aos 17 anos, enquanto estudava. No ano seguinte, passei a conciliar com o trabalho no banco. Nesta época, tinha pouco tempo para me dedicar, mas nunca deixei de ser artesã.” Hoje, aposentada, ela divide o tempo entre a organização da feira no Bairro São Mateus, a venda dos produtos durante o evento e o trabalho voluntário na loja da associação. “Sempre foi difícil e, na verdade, ainda continua sendo.”
Além da renda
Dentre as 40 artesãs que trabalham na feira todos os sábados está a aposentada Cida Morais, 75 anos. O retorno financeiro não é considerado o principal motivo que mantém os profissionais na atividade. “A gente gosta do que faz. No meu caso, trabalhar como artesã foi a maneira de me manter saudável.” Ela conta que começou a costurar aos 12 anos e sempre trabalhou para grandes lojas. Há oito anos, foi acometida por uma isquemia cerebral e iniciou o tratamento com remédios. “Aquilo não era vida, passava o dia dopada”, relembra. “Um dia meu neto sugeriu que eu tentasse uma barraca na feira. Voltei a costurar e nunca mais tomei nenhum remédio. Para mim, o artesanato é uma terapia, é a minha vida.”
Trabalhador formal quer retorno
Para quem se formalizou, a situação não é muito diferente, como relata a pedagoga Josy Amaral, 40 anos. Em 2000, ela montou a primeira loja de artesanato. Depois de alguns anos, com o retorno financeiro menor do que o esperado e o ingresso na faculdade, a Josy optou por fechar o estabelecimento e manter-se na atividade nas horas vagas.
Em maio do ano passado, o amor pelo artesanato falou mais alto. Josy, então, deixou as salas de aula para abrir uma loja no Bairro Santa Terezinha. No espaço, há diferentes tipos de produto, que vão desde os feitos em biscuit até tapeçarias e peças fabricadas com madeira de demolição. “Vendo peças produzidas por mim e outras 19 artesãs.” Apesar de atrair consumidores de diferentes lugares, a artesã acredita que será necessário retomar o trabalho como pedagoga. “São nove meses de loja, mas ainda não tive retorno para fazer desta a minha principal fonte de renda. Sou artesã por insistência.”
Na avaliação de Josy, o caminho para o fortalecimento do setor local ainda é longo. “O artesanato é pouco valorizado. Como não somos uma cidade turística, as pessoas não têm o hábito de pagar por este tipo de produto. Cabe aos artesãos se manterem atualizados, qualificados e se unirem. Temos que entender que podemos trabalhar em conjunto”, pontua. Ela destaca, ainda, a necessidade de mais eventos e feiras para divulgação dos trabalhos.
Internet diminui barreiras
Para romper as barreiras impostas pelo baixo retorno financeiro e a ausência de apoio, os artesãos juiz-foranos têm na internet uma grande aliada. Até mesmo para aqueles que possuem espaço físico para a exposição do trabalho, como é o caso de Josy Amaral e dos profissionais da Associação de Artesãos de São Mateus, a web tem sido uma importante ferramenta de divulgação e interação com os consumidores.
Para a jornalista Alice Magalhães Linhares, 26 anos, a internet é o principal canal para a realização do trabalho como artesã. A atividade, que foi praticada como hobby desde a infância, ganhou status profissional em 2011, com a criação de um blog para a sua marca própria, no qual expõe cordões, brincos e outros acessórios feitos por ela. “Nunca tive loja física, e a internet sempre foi a principal aliada para gerar vendas e relacionamento com o público.” Assim como boa parte dos colegas, Alice também concilia a atividade com outra profissão. “Trabalho com marketing digital e todo o aprendizado na área auxilia na hora de divulgar a marca. São profissões complementares.” Ela explica que com a dedicação ao emprego, não consegue ter uma produção grande para a marca.” Mesmo assim, o trabalho com o artesanato aumenta em até 50% o orçamento final.”
Alice também acredita que a consolidação do setor exige mudanças no comportamento do profissional e do consumidor. “O artesanato ainda enfrenta o preconceito de uma parcela do público”, analisa. “O estímulo ao planejamento e à reflexão é importante para que se crie um projeto sólido que tenha chances de crescer e se desenvolver e que vai muito além de um simples hobby. O artesão tem o potencial de apresentar ao público um trabalho exclusivo e único, que carrega consigo sua identidade e suas aspirações. As técnicas podem ser as mesmas, mas cada um as executa de uma forma diferente. Justamente por isso, deve ser respeitado e deve conquistar um lugar importante, corroborando com a proposta de uma produção sustentável e exclusiva.”
Projeto para fomentar a atividade
A coordenadora da pesquisa sobre o setor de artesanato em Juiz de Fora, Wanessa Bittar, criou o projeto Empreendedorismo Criativo Conectado com a proposta de fomentar a atividade, proporcionar uma rede de networking entre os profissionais, estimulando um circuito de marcas locais. “A proposta é a realização de vários encontros para oferecer qualificação sobre diferentes temas, como identidade, planejamento estratégico, processo criativo, apresentação e exposição dos produtos, atendimento ao cliente”, explica. “A longo prazo, queremos realizar um trabalho coletivo, em que cada profissional seguirá com sua autonomia e individualidade, mas poderá seguir padrões de qualidade e divulgação. Este seria o primeiro passo para criar um circuito de marcas locais.”
A iniciativa é bem aceita pelos profissionais. “É uma oportunidade de qualificação para os artesãos, mas com um conceito novo, de que não devemos nos enxergar como concorrentes, mas como parceiros”, opina Josy. “O setor deve se unir e trocar experiências, tornando-se um grupo mais forte”, avalia Alice. Para a Associação de Artesãos de São Mateus, a expectativa também é positiva. “Ficamos muito contentes quando há o interesse de gerar melhorias para o artesanato. Já vimos outras propostas de estudo que não deram resultado ou não eram acessíveis financeiramente para os trabalhadores, mas esperamos que este projeto possa contribuir muito para o nosso trabalho.”