Gostinho de quero mais: histórias de hamburguerias que fizeram sucesso em JF
Em comemoração ao aniversário de 173 anos de JF e ao Dia do Hambúrguer, Tribuna relembra os estabelecimentos que já não existem, mas ainda dão água na boca
Sentir saudades do que não viveu, por mais estranho que possa parecer, é a única expressão que consegue traduzir esse desejo de vivenciar coisas que já não existem mais. As cidades crescem, e as vidas mudam completamente de um instante para o outro. O que permanece é a memória de quem fica para contar. Quem não viveu, apenas ouve. Cria na cabeça uma invenção na tentativa de se aproximar da realidade. Um esforço que, no entanto, não chega aos pés dos sentimentos verdadeiros. Isso tudo para dizer que é impossível aos juiz-foranos que nasceram depois do anos 1990, saber como era, exatamente, a mordida dos hambúrgueres do Rango’s, do Kako Lanches, do Murilão Lanches ou do Saudáveis Sabores – todos estabelecimentos que foram contemporâneos e que, de certa forma, criaram a cultura dos lanches noturnos que, hoje, Juiz de Fora ainda consome tanto. No dia em que se celebra o aniversário da cidade, dias depois do Dia do Hambúrguer, nada como celebrar as datas relembrando essas histórias que ainda rodeiam o imaginário de quem viveu a época e daqueles que só queriam ter vivido para experimentar as delícias.
Uma extensa pesquisa nos arquivos da Tribuna faz se deparar com uma infinidade de recortes de jornais que trazem os nomes citados: “Em fase de total expansão, Saudáveis Sabores começa a operar em março o sistema de franquia em outras cidades. Afinal, o popular Jarrão tem muitos planos para levar bem longe uma iniciativa que efetivamente deu certo. Enquanto isso, no Pankekão, também do jovem empresário, novos lançamentos, como pratos tropicais, tira-gostos, além dos tradicionais e nutritivos sanduíches. Decididamente, o Jarrão não brinca em serviço.”
“Situado na Av. Rio Branco, 3.596, com estacionamento próprio, o Rango’s serve uma enorme variedade de lanches com uma completa linha de sanduíches. Serve ainda chopp, refrigerantes e atende no seu carro, com um serviço rápido e de ótima qualidade. Brevemente o Rango’s em suas novas e modernas instalações lhe proporcionará maior conforto e requinte para seu lanche.” “Murilo Mendes (Murilão) agora com nova opção no mercado: somente ligar o seu número e serão entregues nas residências seus sanduíches.”
“Murilo Mendes inaugura na próxima semana o Murilão III, na rua Floriano Peixoto. Integrando a cadeia de lanchonetes do empresário, esta casa servirá o esquema de lanches rápidos, porém com o mesmo padrão de atendimento das lanchonetes dos grandes centros, como Rio e São Paulo.”
Geração bem alimentada
Eles fizeram um sucesso gigantesco na época. Por se tratar de uma novidade na cidade, os hambúrgueres não saíram mais da cabeça dos jovens que souberam usufruir dessa época. Jarrão, o dono da Saudáveis Sabores, que tinha até uma fábrica na época, diz: “Eu saio na rua e todo mundo quer que eu faça o Saudáveis Sabores de novo”. Mônica Resende, que foi a idealizadora da tão famosa Pipita e também do Rango’s, diz que o mesmo acontece com ela. “Tem gente que fala que nunca comeu hambúrguer igual e me pede para fazer. Realmente, não tinha igual”, afirma, bem-humorada.
Quando ela começou, por exemplo, o esquema era outro. Em 1972, ela e seu marido, na época, abriram o Churras, vendendo espetinho. “Ele era feito de folha de zinco e ficava na esquina da Espírito Santo com a Rio Branco. Fomos para o Rio de Janeiro e compramos um trailer e o colocamos na frente da Santa Casa. Já veio com o nome Rango’s. Veio ordem da prefeitura para tirar os trailers da rua. Tinha uma esquina enorme onde tem um prédio hoje, na Doutor José Cesário com a Rio Branco. Construímos lá uma casa de sanduíche. Mas, no começo, era espetinho e passou-se a fazer sanduíche. Não tem jeito: sanduíche bem feito é muito bom. Ficou um negócio interessantíssimo.”
A construção tinha ares futuristas. “Era uma casa de sanduíches monstruosa”, brinca Mônica. Com vidros, a cozinha da frente ficava exposta aos frequentadores. E o mais interessante: “O sanduíche era servido no carro. Seu pai e sua mãe iam te buscar na noitada, ficavam de pijama dentro do carro comendo sanduíche até a hora de te buscar. Tinha um varandão enorme. Mas o pessoal que buscava filho nas festas parava o carro, e a gente servia ali. Acho que eu vi a minha geração inteira de pijama.”
‘Não tem jeito de ficar ruim desse jeito’
Mônica ainda se orgulha de ter sido pioneira em alguns sentidos: “O primeiro mexidão da cidade foi o nosso; a primeira rampa de sanduíches foi nossa; a primeira picanha argentina em Juiz de Fora foi no Rango’s”. Mas foi o sanduíche que mais ficou na memória. Se existe segredo? Ela responde: “O nosso pão era feito em Juiz de Fora pela padaria Excelsior. O bacon era daqui também. Muçarela boa, produzida na cidade. Era um tempo diferente. Em uma noite de carnaval, eram mais de mil sanduíches. A batata frita era frita na hora. Para ter sabor, tudo isso conta. Comida tem que ter sabor. O hambúrguer era todo feito lá. Muito sabor, muito alho, muito tempero. Não tem jeito de ficar ruim desse jeito”.
Quando se faz a mesma pergunta ao Jarrão sobre seu sanduíche, a resposta é parecida: “A gente produzia tudo. As verduras eram do meu sítio”. Ao todo, contando suas lojas e a fábrica, ele conta que chegou a ter 60 funcionários. “Eu era só um maestro. A música boa quem fazia era a minha equipe. Eu só dava alguns pitacos”, afirma. O interessante é que tudo começou despretensiosamente. “Eu trabalhava na Mendes Júnior e fazia um sanduíche para levar. Todo mundo chama de natural. E começaram (seus colegas de trabalho) a me pedir para levar. E me veio a ideia de vender nas ruas. Essa marca me veio à cabeça, o Saudáveis Sabores. Ia para a porta dos lugares, para praia, em Cabo Frio, e me veio a ideia de começar a loja e uma fábrica de alimentação alternativa.”
“Tinha um padrão Saudáveis Sabores e até hoje esse padrão existe na cabeça do público”, afirma Jarrão. Mais que os lanches, a experiência também conta quando se fala desse tempo. “Eu trabalhava na fábrica e ficava a madrugada inteira, até 6h, 7h. A gente ia lavar a loja e tinha que pedir ao pessoal para levantar as perninhas na cadeira para a água passar por baixo. Muita gente lembra disso. O pessoal saía das festas e ia para lá, ao mesmo tempo que o pessoal acordava e pegava o lanche para levar para casa. Eu só conseguia fechar tarde.” Mônica, relembra um episódio parecido: “Tinha sábado que o pessoal ficava até de manhã. Eu não aguentava mais ficar lá e levava para tomar café na minha casa”. Sua jornada também era dupla: Pipita durante o dia, Rango’s à noite. “Eu tinha 25 anos. Só faz isso quando é jovem.”
Uma parceira
O Rango’s durou cerca de 18 anos. O Saudáveis Sabores, 22. Os dois terminaram porque era hora. Aos fregueses, fica o gostinho de quero mais. Aos proprietários, a sensação de parceria. “Foi uma fase maravilhosa: acaba o pão, a gente pedia em outro lugar, pegava bife em outro. No Murilão, no Mary Milk que existe ainda hoje, no Rango’s. Tudo assim. Uma parceria legal”, conta Jarrão. Mônica relata o mesmo: “As pessoas eram parceiras. Acaba o bacon, a gente ligava para um lugar e pedia o bacon. São parcerias de história de vida. Não era concorrência. Era parceria”.