Casarão do Registro de Paraibuna: patrimônio do século XVIII aguarda restauração em Simão Pereira
Tribuna esteve no local e encontrou sinais de abandono; plano de restauração do Município, anunciado em 2017, aguarda investimento de cerca de R$ 6,5 milhões

Quem passa pela Estrada União Indústria, quase na divisa entre Minas Gerais e Rio de Janeiro, na altura do município de Simão Pereira, inevitavelmente se depara com a imponência do Casarão do Registro de Paraibuna. A construção datada do início do século XVIII é um dos mais importantes vestígios da história da fiscalização do ouro no Brasil colonial. Construída em pedra e com paredes de grande espessura, a edificação foi tombada na esfera estadual em 2012. No entanto, apesar de ter relevância para além dos limites do município da Zona da Mata mineira, o patrimônio atualmente enfrenta um cenário de abandono.
A equipe de reportagem do jornal esteve no local em outubro deste ano e verificou sinais de deterioração, como danos na estrutura e desgaste das paredes. Em 2017, a Prefeitura de Simão Pereira havia anunciado um projeto de restauração do imóvel, mas, por falta de recursos necessários, a proposta ainda não foi executada. Em entrevista à Tribuna, o secretário de Turismo de Simão Pereira (MG), Geraldo Francisco do Nascimento, explicou que o custo estimado para o restauro gira em torno de R$ 6,5 milhões. Segundo ele, o Município tem buscado alternativas para viabilizar a captação dos recursos, incluindo a aprovação do projeto em leis de incentivo estadual e federal, com o objetivo de atrair empresas interessadas em investir na preservação do patrimônio histórico.
Estrutura resiste, mas conservação é precária
Apesar de a estrutura em pedra ter resistido ao tempo, o estado de conservação é considerado preocupante. “Hoje o Registro de Paraibuna pede socorro”, afirma o secretário. Segundo ele, embora o Município tenha realizado ações de limpeza e pequenas manutenções com recursos do ICMS Cultural, os valores são insuficientes diante da necessidade de uma restauração completa.
Um dos entraves enfrentados ao longo dos anos foi a questão administrativa e legal. O imóvel, originalmente de propriedade particular, passou por um processo de desapropriação amigável para viabilizar investimentos públicos. Inicialmente tombado apenas em nível municipal, o bem também recebeu tombamento estadual, buscando maior apoio institucional. Os projetos arquitetônico, estrutural e complementares foram aprovados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) apenas em 2021.
Desde então, a Prefeitura de Simão Pereira, segundo o entrevistado, tem buscado alternativas para viabilizar os recursos. Em 2024, uma possível captação via governo estadual não se concretizou. No entanto, o projeto foi aprovado tanto na Lei Estadual quanto na Lei Federal de Incentivo à Cultura, o que reacendeu as expectativas. A captação estadual deve ocorrer a partir de 2026, enquanto a federal já está autorizada.
“O que ainda impede ações mais efetivas é a incompreensão de que o Registro de Paraibuna não pertence apenas a Simão Pereira, mas ao país”, ressalta.
Origem ligada à fiscalização do ouro
A primeira vez que Geraldo viu o bem patrimonial foi em 2003, quando passou a trabalhar em Simão Pereira. Mesmo sem conhecer, à época, sua história em profundidade, a imponência da construção chamou atenção imediatamente. “Sua grandiosidade arquitetônica, a técnica construtiva toda em pedra e a expressividade da edificação já denunciavam tratar-se de uma construção centenária, ligada a um poder econômico significativo”, relata. O encantamento inicial se transformou, com o tempo, em um desejo de ver o espaço restaurado e readequado para novos usos.
Embora não haja documentação que comprove com precisão a data de construção, pesquisas históricas e registros em jornais da Hemeroteca da Biblioteca Nacional indicam que o Registro de Paraibuna já era citado na segunda metade do século XVIII. A transmissão oral aponta que a edificação foi erguida a mando da Coroa Portuguesa para a fiscalização do “quinto do ouro”, imposto cobrado sobre a produção aurífera. A partir disso, especialistas acreditam que a construção date da primeira metade do século XVIII.
Mesmo após o declínio da mineração, o local manteve sua importância ao se tornar posto de fiscalização de mercadorias que entravam e saíam de Minas Gerais, consolidando-se como peça-chave na logística e no controle econômico da época.
Importância histórica regional e nacional

Para além do valor arquitetônico, o Registro de Paraibuna é considerado um elo fundamental na história do Caminho Novo, aberto por Garcia Rodrigues Paes em 1709, ligando as Minas ao porto do Rio de Janeiro. A rota atravessava cidades como Juiz de Fora, Matias Barbosa, Belmiro Braga, Santana do Deserto, Barbacena e Santos Dumont, por onde escoava a riqueza aurífera.
“Ele é hoje a única referência remanescente desse tipo de fiscalização no Brasil”, destaca o entrevistado. Conforme o secretário, o patrimônio coloca o município na condição de responsável pela preservação de um bem de importância nacional e, para a região, representa um ponto de conexão entre histórias que se cruzam na formação econômica e social de Minas Gerais.

Projeto prevê novo uso cultural e educativo
Com os projetos já aprovados, a proposta de requalificação prevê dar ao espaço uma nova utilidade, conciliando preservação histórica e uso contemporâneo. Estão previstas a implantação de sala multimídia para pesquisas, biblioteca, salas de cursos, auditório e um café, transformando o Registro em um polo cultural, educativo e turístico.
A expectativa agora é convencer empresas a investirem na restauração por meio das leis de incentivo. “É um investimento sem prejuízo, com dedução fiscal, e que permitirá às empresas entrarem para a história ao salvar da ruína o último representante da fiscalização do quinto do ouro ainda existente no país”, conclui.
Secult afirma que IEPHA acompanha a situação
Em nota enviada à Tribuna, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG) afirmou que acompanha a situação e que a restauração anunciada em anos anteriores não foi executada devido à necessidade de adequações técnicas e à busca por recursos compatíveis com a complexidade da intervenção.
A Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) ainda reforçou que a responsabilidade pela gestão do imóvel é da Prefeitura do município. “O IEPHA-MG acompanha a situação e permanece à disposição para oferecer orientações técnicas e apoiar iniciativas voltadas à salvaguarda do bem.”












