Cineasta Marcos Pimentel fala sobre ‘Amanhã’ e o papel do documentário

Documentarista fala sobre sua primeira obra de ficção e revela sua participação em projetos futuros envolvendo Juiz de Fora


Por Elisabetta Mazocoli

30/05/2025 às 07h00

marcos pimentel amanha
Em exibição e debate no Mercado Municipal, cineasta conta bastidores de ‘Amanhã’ (Foto: Luiz Felipe Hauck/Funalfa)

“Você vai voltar amanhã?”. É essa a pergunta que ficou na cabeça do cineasta juiz-forano Marcos Pimentel durante 20 anos, quando foi embora das filmagens que fazia na barragem Santa Lúcia, em Belo Horizonte, que marcava a divisão de poucos metros entre uma favela e um bairro de classe média. A frase foi dita por um menino, o Cristian, que fazia parte de certo “experimento” do documentarista, em que filmou, durante dois finais de semana, as brincadeiras do menino e de sua irmã com outra criança vinda de uma realidade bem diferente. Em “Amanhã”, filme resultado das filmagens feitas em 2002 e das imagens de retorno, em 2022, ele conta a ação íntima da política brasileira na vida dessas três pessoas. Um filme cheio de desencontros e que, como o cineasta define, tinha tudo para naufragar. Ele esteve presente na sessão da última terça-feira (27) no Mercado Municipal, após o mês em homenagem ao seu trabalho, e reflete sobre o papel de um documentarista, seus próximos passos , incluindo a sua primeira obra de ficção, que deve ser lançada em junho, a importância de Juiz de Fora em sua vida e os projetos envolvendo a cidade.

Quando Pimentel começou a filmagem dessa sua obra, que chegou ao público em 2023, ele não sabia que faria esse retorno para contar o que aconteceu com aquelas crianças. Na época, usou as imagens para outro projeto, mas o que viu, naquelas brincadeiras, continuou habitando seu imaginário. “Acreditei nesse projeto durante 20 anos.” Ele decidiu retornar em 2022, para reencontrar aquelas pessoas (agora adultos), entendendo que o momento era bastante emblemático. “2002 é a chegada do Lula para o primeiro mandato e 2022 é a volta dele para o terceiro. Ao longo desse tempo, muita coisa aconteceu no país, e essas coisas impactaram bastante a história dos três.” 

Foi justamente na sua mudança de Juiz de Fora para Belo Horizonte que essa história chamou sua atenção. “Comecei a me perder pela cidade e tentar encontrar partes de Belo Horizonte que me interessavam, até que cheguei a esse lugar. E aí comecei a perceber a pouca interação entre esses dois lados. O lado da favela só ficava na parte dela, onde tinha uns campinhos, e na parte de classe média alta, as pessoas iam fazer caminhada no entorno do lado e faziam em meia lua, como se não pudessem passar pra lá. Cada lado tinha uma linha imaginária. E eu pensei: que louco a gente ter isso na virada do milênio.” Foi então que pediu para as famílias dessas duas crianças, indicadas pela escola ou por líderes comunitários, para que os encontros fossem feitos.  

O cineasta ainda explicou que o projeto inicial se voltava para duas crianças, mas no meio das filmagens um deles sumiu, e a irmã apareceu. Viraram três. “E eles ficaram os melhores amigos da vida, porque criança não tem preconceito, é a gente, enquanto sociedade, que introjeta neles. Eu apostei no tempo, no que podia acontecer, porque eles tinham muita certeza que a partir do momento em que eles se conheceram seriam melhores amigos da vida”, afirma, apesar de nunca ter procurado o Cristian, a Júlia e o José Thomaz até voltar. “O resultado é a cara da nossa sociedade, é um filme que fala muito sobre os últimos 20 anos da história do país. (…) É um filme bem político, política está em todo lugar, e é bem forte entender o que aconteceu com eles, mas também com a gente, enquanto sociedade, nesse período”, diz.

O tempo e a política

marcos pimentel amanhã
Cristian, uma das crianças de ‘Amanhã’, faz a pergunta que atraiu Marcos Pimentel de volta (Foto: Divulgação)

Em “Amanhã”, o tempo e a política são assuntos muito fundamentais — e, não por acaso, são esses tópicos que se repetem em suas produções, incluindo “Pele” (2021), “Os ossos da saudade” (2021) e “Fé e fúria” (2019). “Meus filmes, de modo geral, são muito silenciosos, têm uma observação bem contemplativa e discreta. Fiz muitos filmes em que inclusive não tem diálogo nenhum, palavra nenhuma, e boa parte desses filmes estão muito ligados a tempo e memória. E, de uns anos para cá, acho que a questão política acabou me puxando completamente.” Para ele, a política que lhe interessa retratar não é a dos partidos, mas o ato político, o dia a dia, o pensar no que está acontecendo no entorno. “O cinema documentário é uma forma bem potente de observar o mundo e de dividir com as pessoas a minha visão”, define.

Quando o cineasta foi confrontar as imagens que fez em diferentes décadas para “Amanhã”, inclusive, teve que encarar também a mudança que o atingiu ao longo dos anos. “Eu mudei muito de lá para cá. Por sorte, o documentário, que naquele momento era uma paixão, virou parte intrínseca de mim. Não consigo dissociar minha vida do cinema de documentário. Fiz muitos filmes depois disso, séries, vários projetos realizados. E um orgulho danado de ter voltado a esse projeto, que ficou adormecido, mas que eu precisava olhar de novo.” Em seu primeiro trabalho de ficção, “O silêncio das ostras”, que é um ponto à parte da sua curva de trabalho e que deve chegar a Juiz de Fora para a estreia, ele também pretende manter esses temas, mas por outro viés — dessa vez, falando dos efeitos de uma mineradora. 

Futuro da(s) cidade(s)

marcos pimentel amanhã
‘Amanhã’ é construído com imagens de 2002 e 2022 (Foto: Divulgação)

Também como personagem do filme, ele pôde se aproximar de retratar as suas grandes preocupações urbanísticas. Não por acaso, “Amanhã” foi discutido por faculdades de arquitetura e traduz muitos dos desafios de se viver no meio urbano. Mas Belo Horizonte está longe de ser o único lugar que o cineasta quer retratar. Marcos conta que acredita que as histórias estão em todos os lugares, e que o maior desafio é encontrar uma forma de contar isso que consiga extrair o universal do local. “O que tem de mais lindo é a singularidade, os filmes pessoais que têm a ver com realidades locais e que encontram formas de comunicar isso que são universais. Acho isso fantástico”, conta.

Ele também conta do seu passado para contar o futuro da cidade que, afinal, é a sua — mesmo após percorrer o mundo inteiro e ganhar mais de 90 prêmios em festivais. “Eu precisei sair de Juiz de Fora. Durante muitos anos, a realidade era de expulsar as pessoas que queriam viver de cinema aqui.” Com o polo audiovisual, ele espera que isso se torne outra escolha – e que os cineastas do futuro possam decidir se querem fazer cinema aqui ou em outro lugar. Pensando nisso que ele vai colaborar com a escola de audiovisual desenvolvida pelo polo, ajudando a formar novos profissionais. Ainda sem poder contar muito, ele garante que terá esse envolvimento e promete voltar com novos projetos. E finaliza: “Histórias são feitas de sentimentos. Essa é a matéria-prima, e eu tenho que fazer isso por meio de imagens e sons. (…) Importa mais que o tema em si, a forma que se conta. O documentário é um gênero que rompe muitas barreiras e abre portas. Eu quero muito falar das coisas que estão acontecendo no meu tempo e nos lugares que eu habito. E aquilo começa a martelar em mim até virar uma necessidade”.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.