Saneamento básico e turismo: um desafio para as cidades históricas de Minas Gerais
Destinos como Ouro Preto e Tiradentes buscam solucionar desafios do esgotamento sanitário para melhorar a experiência dos visitantes

Alguns dos cenários mais bonitos do Brasil, quiçá do mundo, estão em Minas Gerais: é isso que os turistas procuram ao visitar a Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, quando vão andar de Maria Fumaça entre Tiradentes e São João del-Rei ou quando vão conhecer a Casa da Glória e o Passadiço em Diamantina, passeios sempre rodeados por mares de morro. Mais de 42 mil turistas estrangeiros passaram por Minas Gerais em 2024, o maior número em dez anos, segundo dados da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult). O contato com o passado histórico, a grandiosidade do barroco e a famosa gastronomia, no entanto, são experiências que podem ser prejudicadas por problemas de infraestrutura. É o que acontece quando os viajantes se deparam com falta de abastecimento de água, esgoto a céu aberto e lixo espalhado pelas ruas. Essas imagens, que contrastam com o charme e o valor cultural das cidades, revelam como a falta de saneamento básico ameaça o turismo em Minas Gerais, impactando tanto a experiência dos visitantes quanto a preservação do patrimônio e a vida dos moradores. Ao mesmo tempo, é justamente estreitando a relação entre os setores que é possível aumentar o tempo de permanência dos visitantes e proporcionar uma experiência inesquecível.
Para preparar uma cidade para o turismo, é necessário fazer a elaboração do Inventário da Oferta Turística que, entre seus tópicos, avalia a infraestrutura de apoio, que inclui o saneamento. Essa avaliação está totalmente relacionada à capacidade do município de receber visitantes e quais investimentos precisa fazer para acolhê-los bem, levando em conta tanto os atrativos quanto os recursos. “Quando falamos em saneamento, estamos falando em algo que é fundamental até mesmo anterior ao turismo, porque é essencial para a qualidade de vida da população que reside naquele núcleo urbano. O turista que vai até o destino vai utilizar a infraestrutura da cidade que serve a população”, explica o professor do Departamento de Turismo e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Guilherme Malta.
De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2022, o último disponível, 55,4% da população de Ouro Preto é atendida com esgotamento sanitário, frente à média de 76,2% do estado e 55,5% do país. Já em Tiradentes, o percentual da população que recebe abastecimento é abaixo do nível estadual e nacional, com apenas 66,88%, e 51,03% da população é atendida com esgotamento sanitário. Em Diamantina, a realidade é parecida: 66,76% da população é atendida com esgotamento sanitário. Tanto esse município quanto Ouro Preto estavam entre a média do estado e país sobre o abastecimento (84,72% e 86,54%, respectivamente) — mas ainda sem atingir a desejada cobertura absoluta.
Esses problemas podem se agravar em determinadas situações do ano. “As cidades históricas, com sistemas mais antigos, têm problemas durante feriados prolongados, carnaval e final de ano, quando a cidade recebe uma demanda maior do que está acostumada, e não está preparada para isso. O sistema de abastecimento sofre uma sobrecarga e pode ter uma repercussão negativa”, explica. Investir em saneamento, portanto, é uma forma de também gerar uma imagem melhor da cidade para os turistas. “Se pensarmos em termos de preservação, isso causa impactos tanto nos atrativos naturais (que têm contato com os rios ou curso d’ água) ou no atrativos históricos (que fica ao lado do acúmulo de lixo e pode ser danificado). Se estamos falando de um turismo de patrimônio, e que não faz essa preservação, gera uma imagem contraditória pro município.”
Ouro Preto e Tiradentes caminham para solucionar esgotamento sanitário
Ouro Preto, referência do barroco brasileiro e Patrimônio Mundial da Unesco, atrai milhares de turistas anualmente em busca de sua rica história e beleza singular. No entanto, por trás das belas construções, a cidade enfrenta desafios significativos em seu saneamento básico, que impactam diretamente a experiência dos visitantes e a preservação de seu valioso patrimônio. O índice de cobertura de tratamento de esgoto do município em 2020 era de 0,7%, deixando rios e córregos da cidade expostos à poluição, conforme dados repassados pela Saneouro – concessionária responsável pelo serviço em Ouro Preto.
“É de extrema importância o avanço da universalização do saneamento em Ouro Preto. Recebemos um grande número de turistas que, em seus locais de origem ou em outras cidades brasileiras, já consideram o saneamento um assunto resolvido. Fica ruim para o município ver rios poluídos com esgoto in natura, uma realidade que a população e o próprio turismo ainda enfrentam. Mas esperamos que, em breve, os turistas tenham uma nova visão de Ouro Preto”, comenta o superintendente da Saneouro, Evaristo Bellini.
Apesar das dificuldades históricas e da complexidade de intervenções em um centro tombado – que exige cuidados redobrados com calçamentos antigos, residências históricas e a presença de arqueólogos em grandes obras –, a Saneouro aposta em um olhar estratégico para o futuro. Com investimentos significativos, como a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Osso de Boi, que promete tratar 100% do esgoto da sede de Ouro Preto até 2027, a cidade caminha para reverter esse cenário. Além disso, a prefeitura adota medidas como a restrição de ônibus no centro histórico, visando proteger a infraestrutura e a experiência turística. O superintendente acredita que o diálogo com o setor de turismo, incluindo hotéis, pousadas e agências, é fundamental para comunicar esses projetos e as melhorias em curso, garantindo que o saneamento seja percebido não apenas como uma questão de saúde pública, mas como um pilar essencial para a sustentabilidade e o aprimoramento do turismo em Ouro Preto.

Em Tiradentes, a situação do saneamento básico vivenciou avanços significativos nos últimos dez anos, conforme observado pelo gestor do Circuito Trilha dos Inconfidentes, Marcos Januário, que trabalha com turismo há décadas na região. Atualmente, a cidade, que experimenta um crescimento turístico constante, enfrenta o desafio de expandir essa infraestrutura para acompanhar a demanda. O gestor destaca que, embora o esgoto na rua ou jogado diretamente no rio seja um grande impacto negativo para o turismo, Tiradentes tem trabalhado ativamente no desassoreamento e limpeza de córregos, como o Córrego Santo Antônio, que corta a cidade. No entanto, ele reforça a necessidade de implementação de ações de conscientização da população sobre o descarte correto de lixo, que também são cruciais para evitar que os resíduos cheguem aos cursos d’água.
“A complexidade das obras em um centro histórico tombado, exigindo autorizações do Iphan e órgãos ambientais, com cuidados redobrados nas vias e edificações, adiciona camadas de dificuldade a esse processo contínuo de melhoria, mas medidas estão sendo feitas visando garantir que a beleza e a história de Tiradentes não sejam ofuscadas por problemas de infraestrutura”, diz o gestor.
A reportagem tentou contato com a Prefeitura de Diamantina, mas não obteve retorno.
Aumento do fluxo pressiona setor
Apesar do saneamento ser essencial para o turismo acontecer, em vários casos o movimento que ocorre pode ser o contrário: o aumento no fluxo de visitantes pode ser responsável pela melhoria na estrutura. Como explica o professor, esse é um modelo controverso, levando em conta que o saneamento é um direito fundamental a todos, mas é o que ocorreu com a chegada de grandes resorts em algumas praias do nordeste ou, em outro aspecto, com as obras de melhoria feitas antes da Copa e das Olimpíadas no Brasil.
Mas o fato é que esse é um fator importante na escolha do destino, e que pode realmente impulsionar o setor: a universalização do saneamento geraria um ganho de renda do turismo no Brasil de cerca de R$ 4 bilhões por ano, de acordo com um estudo do Instituto Trata Brasil. Segundo essa Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), a renda dos trabalhadores do setor de turismo em áreas com saneamento básico é significativamente superior àquela em áreas carentes desse serviço. Os dados do IBGE, de 2022, que constam no Painel Saneamento Brasil, mostram que a renda dos empregados em turismo que moram em residências com saneamento básico é de R$ 2.383,53, enquanto a renda do trabalho no turismo daqueles sem saneamento é de 1.785,79 – uma diferença de R$ 597,74. “Manter uma imagem atraente e impactante, do ponto de vista positivo para o turista, é essencial. E isso passa por questões de investimento, plano de marketing, e que precisa ser trabalho em termos de identidade do município”, explica o especialista.
Competitividade do turismo
Investir em saneamento básico de qualidade, portanto, é uma garantia de que o turista vai ter uma experiência de qualidade na cidade, com menos chance de intercorrências causadas pela falta de abastecimento e esgoto, além de garantir a permanência dos atrativos que justamente os fizeram ir até o local. “Estamos falando de um contexto de competitividade, e cada vez maior, pelas redes sociais. Manter uma imagem positiva é essencial, ainda mais levando em conta a exposição que esses problemas podem ter”, destaca o especialista. Como diferencial, ele destaca que há muitas redes de hotelaria, por exemplo, que têm investido em selos de boas práticas relacionadas ao próprio lixo — sinalizando, ainda, que os turistas podem estar prestando cada vez mais atenção nessa área.