Cineastas lançam filme gravado no Bairro Santa Luzia com participação da comunidade
Com foco na cultura afro-brasileira, os diretores Pedro Carcereri e Caroline Gerhein lançam o curta-metragem “A morte que passe amanhã”
Moradores do Bairro Santa Luzia, Rianzzin e Antônio Nabuco são os protagonistas da obra (Foto: Hércules Hakauskas / Divulgação)
O filme “A morte que passe amanhã“, de Caroline Gerhein e Pedro Carcereri, será lançado neste sábado (27). De acordo com os diretores, o curta-metragem, que será repassado no Barracão Mineiro Cultural, no Bairro Santa Luzia, na Zona Sul de Juiz de Fora, se propõe a destacar a riqueza da cultura afro-brasileira e a valorização das religiões de matriz africana. Com entrada gratuita, a atividade inicia às 10h e aborda de forma contemporânea a história dos Ibejis, conhecidos como São Cosme e Damião.
A trama acompanha a história de Bruno (Rianzzin), de 12 anos, que vende balas no sinal do seu bairro. O menino tem um protetor espiritual, Ayo (Antônio Nabuco), de 14 anos, que o acompanha a todo momento. A jornada dos protagonistas transcende a sobrevivência cotidiana, transformando-se em uma reflexão sobre pertencimento, ancestralidade e esperança, conforme a direção.
Construção de uma realidade contemporânea
De acordo com Pedro, “A morte que passe amanhã” faz parte de uma série de filmes que ele vem desenvolvendo em homenagens ao santos orixás. O diretor, que produziu em 2021 “Salve Jorge 2065”, diz que nessa nova produção convidou Caroline Gerhein, que tem um vasto conhecimento sobre a cultura de matriz africana, tendo desenvolvido pesquisas desde 2017 na área, para produzirem juntos.
“Foi maravilhoso trabalhar com a Carol pois ela tem um conhecimento profundo, uma vivência dentro da matriz africana. Isso trouxe muita força para o filme. Eu aprendi demais com ela nesse processo. Acho que foi uma das parcerias mais bonitas que eu já tive, porque não foi só dividir direção – foi realmente construir junto, desde o roteiro até a filmagem. Ela trouxe essa camada de respeito, entendimento, cuidado, que é fundamental quando a gente trata de uma cultura que ainda é estigmatizada. Que muitas vezes é retratada de forma equivocada, né?”, afirma.
O conto original dos Ibejis retrata o momento em que a morte chega a um povoado e começa a dizimar a população, o que faz com que as entidades gêmeas toquem um tambor para fazê-la dançar. Assim, elas enganam a morte, ao se revezarem para distraí-la, até que ela se cansa e vai embora. No caso do filme, Pedro menciona que recriaram essa história por meio da metáfora de um fiscal da prefeitura, que busca fechar a loja de doces onde Bruno faz suas compras para vender no sinal.
“‘A morte que passe amanhã” é um filme para se reconhecer nos personagens, esse estado de acolhimento, de auxílio, que é tão presente dentro desses contextos e territórios. Então, isso foi uma coisa que nós quisemos muito retratar e algo muito presente, principalmente, no personagem da Dona Ivone (Amanda Ferreira). A relação dela com o Bruno (Rianzzin) retrata muito essa perspectiva e quando a gente fala sobre os Ibejis, sobre as crianças, uma coisa que é muito importante é ter essa visão da magia ali presente, da leveza, da brincadeira”, explica Caroline.

“A gente tem um país em que o pequeno comércio fecha, em que tem fiscalização pesada, em que muita gente que sobrevive do mínimo tem que se virar”, analisa Pedro. “A morte vira essa burocracia, vira o fiscal que fecha a lojinha, que impede o menino de comprar o doce para sobreviver. Isso é muito potente e, ao mesmo tempo, é delicado, né? Porque mexe com uma camada de crítica social, mas ainda assim dentro de um universo que é lúdico, infantojuvenil”, acrescenta. “O cinema infantojuvenil tem essa força. Ele traz reflexão, mas traz também imaginação, magia.”
A diretora, que faz parte do candomblé, ressalta o desafio de retratar de forma respeitosa o sagrado. Pedro menciona que a relação com os Ibejis, de tradição africana, é pouco conhecido pelas pessoas, o que torna a produção ainda mais desafiadora, mas que apesar da dificuldade, ele encara o processo com otimismo.
“Nem tudo é para ser mostrado, nem tudo é para ser colocado em um trabalho artístico, porque tem coisas que só dizem respeito ao sagrado. Mas esse trabalho, que também é algo pessoal meu, tem sido feito com cuidado e respeito. É muito importante dizer que todos esses processos de pesquisa são compartilhados sempre com os atores. Eu prezo muito que eles compreendam um pouco de tudo aquilo ali que está em volta daqueles personagens, daquela história, que envolve essa parte religiosa também”, afirma a diretora.
Comunidade em primeiro plano
Pedro enfatiza a oportunidade que teve de trabalhar com a comunidade de Santa Luzia, uma gravação que contou com atores e não atores do bairro. Exemplo disso são os jovens protagonistas do filme, o rapper Rianzinn e o ator Antônio Nabuco que, embora envolvidos com a arte, estão iniciando a carreira na área. O diretor destaca que é possível produzir cinema em qualquer território, com qualquer realidade, desde que haja vontade, organização e o desejo de se construir algo coletivamente.
“A escolha do elenco ser da comunidade e o bairro em si foi uma coisa que eu e o Pedro conversamos muito. Nós queríamos que isso fizesse muito sentido, porque é muito legal ver a comunidade sendo a protagonista da sua própria história que, apesar de ser ficção, têm alguns traços de realidade”, conta Caroline.

“Eu acho que esse é um dos papéis da arte: devolver para as pessoas a consciência de que elas importam, de que suas histórias merecem ser contadas. Ao mesmo tempo que é um filme, é também um documento afetivo do território”, complementa Pedro.
Gravado no Barracão Mineiro Cultural, a instituição colaborou ativamente com as locações do filme e também envolveu as crianças da comunidade, que integram o elenco. Liderado por Bruno e Paula Clemente, e reconhecido por seu trabalho comunitário e cultural, o Barracão é considerado um espaço que promove o intercâmbio artístico e fortalece a identidade local.
“Vai ser muito especial poder reunir a criançada, assistir o filme e depois todo mundo comer bala e voltar para casa feliz, preenchido de um trabalho que é para eles, que fala sobre eles e que traz eles como protagonistas. Essa é a nossa vontade, trazer a periferia como centro da história e elementos da cultura afro-brasileira”, finaliza Caroline.
Produzido pela Old Man Artes, por meio de edital de audiovisual da Fundação Alfredo Ferreira Lage (Funalfa), a equipe do filme é composta pelo diretores, Caroline Gerhein e Pedro Carcereri e pela diretora de produção Stéphanie Fernandes, com assistência de direção de Maria F. D. do Carmo. Além disso, participaram em diversas áreas do projeto, Rianzzin, Antônio Nabuco, Caio Dezidério, Luan de Azevedo, Hércules Rakauskas, Nitay Krishna, Rodrigo Roldi, Nino de Barros, Francisco Silva, Jana Flor, Ruan Lustosa, Bárbara Ferraz, André Viana Campos, Victor Rezende, Jéssica Felippino, Marcos Languaje, André Medeiros, Ana Júlia Bellini e audiodescrição e legendagem por Dispositiva Tradução Audiovisual.
* Estagiária sob supervisão da editora Gracielle Nocelli
Serviço
Lançamento – A morte que passe amanhã