Sobrinho-neto desenvolve museu virtual para Geraldo Pereira
Valmir Araújo dos Santos, professor, prepara memorial sobre a obra e a vida do mestre do samba-sincopado
Valmir Araújo dos Santos, 59 anos, tinha apenas 14 quando os irmãos mais velhos casaram – muito cedo, aliás. Então, ficaram apenas Araújo e a mãe. Dona Therezinha, já falecida, lhe contava inúmeras histórias de seu tio, com quem a mãe regulava idade, o sambista e compositor juiz-forano Geraldo Pereira, com quem convivia desde os quatro anos. “Ela era apaixonada pelo Geraldo”, relata Araújo, professor de história e filosofia. “Quando morávamos juntos, ouvia histórias e mais histórias, e, ao entrar para a faculdade, escutava ainda mais. Eu pensava: ‘Caramba, todo mundo gosta de Geraldo Pereira. Eu preciso fazer alguma coisa’.” Desde então, luta para manter viva a memória do mestre do samba-sincopado, morto em 1955. Agora, Araújo desenvolve um museu virtual – em parceria com Fabrizzio Staffa Nascimento – para a história do tio-avô.
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Ainda sem data para ser lançado, já que há apenas um protótipo, o museu funcionará como uma curadoria, ou seja, reunirá tanto a obra de Geraldo Pereira quanto produções de qualquer natureza sobre o sambista, explica Araújo. “Pensamos no tanto de coisa que tem do Geraldo por aí. São tantas pessoas falando ou fazendo um trabalho sobre o Geraldo que às vezes nem tem onde publicar… há uns três anos, mais ou menos, conheci um rapaz holandês, o Michel. Ele chegou ao Rio procurando algo sobre Geraldo Pereira, se apaixonou e, hoje, faz doutorado em cima das músicas do Geraldo na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)”, exemplifica o sobrinho-neto. Há, no Rio de Janeiro, acrescenta Araújo, muitas produções culturais em cima do sambista, como peças teatrais, lonas culturais, rodas de samba, além do documentário “O rei do samba” (1998), do cineasta mineiro José Sette. “A minha ideia é manter a obra de Geraldo Pereira viva de uma forma ou de outra, mesmo depois de cem anos do nascimento e mais de 65 da morte.”
Ao menos desde 2003, quando fundou o Centro de Artes Geraldo Pereira, situado no Morro da Mangueira, que oferece, por exemplo, oficinas de música, dança e reforço escolar às crianças da periferia, o professor luta pela preservação do legado histórico do tio-avô. Não há trabalho sobre Geraldo Pereira semelhante ao que propõe Araújo a partir do museu virtual. “O que tem é mais pontual. Não há nada como o que estou fazendo. Não sei se felizmente ou infelizmente.” Araújo enumera, por exemplo, homenagens recebidas pelo sambista no centenário, em 2018, de grupos teatrais, da Banda de Ipanema e da Velha Guarda da Mangueira, bem como o título de cidadão honorário do Rio de Janeiro concedido pelo Município. No entanto, ele destaca a necessidade de agregar todas as informações sem que fiquem pipocando por ali ou acolá. “Tem muita gente que gosta, mas não conhece a história, ou, às vezes, conhece apenas pela metade.”
Há um imaginário sobre Geraldo Pereira que o associa a estereótipos de brigão, malandro e mulherengo, o que, ao mesmo tempo que faz com que haja simpatia para com o sambista, alimenta controvérsias sobre a vida e a obra de Geraldo, pontua Araújo. Ele cita, por exemplo, a suposta briga com o transformista Madame Satã na Lapa, que, como se conta, teria sido a causa da morte do juiz-forano. “O jornalista Luís Fernando Vieira, que entrevistou Madame Satã no presídio em Ilha Grande em 1971, diz que ele pegou carona na conversa. A história da briga começou a ganhar coro bem depois da morte do Geraldo Pereira. Por já ter a questão da valentia, o Madame Satã abraçou para ele (a história). Nem mesmo o proprietário do Bar Capela, na Lapa, confirma ao mesmo jornalista que houve a briga. É o imaginário popular que fica até hoje”, sentencia.
Briga, só por direitos
Não há a pretensão por parte do sobrinho-neto de mudar a imagem de Geraldo Pereira ou qualquer coisa do gênero ao criar o museu, já que “as pessoas também gostam por conta dessas coisas, o músico tem muito disso da rebeldia”. “Há histórias até mesmo de músicas que uns dizem que são de outros compositores, como aquela ‘Sem compromisso’, que já passaram para o Chico Buarque.” Entretanto, lembra Araújo, o tio-avô brigava mesmo quando o assunto eram os próprios direitos autorais. “No fundo, ele sempre brigou por isso mesmo, porque, quando criam os LPs, deixam de convidar os músicos para tocar nos bares. Ele achava que, se a voz dele estava saindo lá, tinham que pagá-lo. São histórias que vão sendo alimentadas e é legal mantê-las, fazer o contraponto em eventos, palestras etc. Não tenho problemas, sempre deixo rolar isso.” Assim como Geraldo lutava pelos direitos autorais, Araújo o faz pela preservação da sua memória.