Alceu Valença apresenta músicas que marcaram a carreira em show no Cine-Theatro Central
Aos 78 anos, o artista volta em Juiz de Fora com ‘Alceu dispor’; em entrevista, relembra referências e andanças

Alceu Valença já trabalha com música há pelo menos cinco décadas. A experiência que começou pela família de artistas e brincadeiras de criança foi virando coisa de gente muito grande e extrapolando bastante as fronteiras de São Bento do Uma, em Pernambuco, onde nasceu. Uma andança que continua, em suas turnês, e também na sua música, que incorpora várias referências musicais para criar uma identidade brasileira marcante. Aos 78 anos, o artista volta a Juiz de Fora para mais um show, desta vez no Cine-Theatro Central, depois de uma temporada de apresentações na Europa e de marcar presença no agitado carnaval brasileiro. Com o espetáculo musical, intitulado “Alceu dispor”, ele coloca à disposição do público canções que marcaram sua carreira, ao mesmo tempo em que monta uma história com suas próprias composições. A apresentação acontece no domingo (23), às 20h, e os ingressos estão disponíveis no Blueticket.
Em entrevista à Tribuna, Alceu Valença explica que o repertório foi pensado justamente para recuperar, junto com sua banda, as músicas que marcaram sua carreira, enquanto também reverencia os vários diálogos que sua música traz, com o frevo, maracatu, baião e, ainda, nas influências que tomou também do rock. Alguns sucessos, como “La belle de jour”, “Flor de tangerina”, “Coração bobo” e “Morena tropicana”, ele garante que estarão entre as músicas escolhidas. E que, a cada passagem de canção, pensou em como as músicas se relacionavam, para que contasse uma história maior do que só as presentes em cada letra. “Está tudo conectado. Sempre contam uma história maior: quando falo nas flores, vou logo pro sabiá. Eu tenho uma ‘coisa’ de cinema, dirigi um filme chamado ‘A luneta do tempo’, e nos filmes a gente precisa da montagem pra dar continuidade. Como tenho essa cabeça cinematográfica, em todo show uma música tem relação com a outra.”
O nome “Alceu dispor” foi sugerido por sua esposa, para percorrer esses momentos da carreira, ao mesmo tempo que investiga quais elementos estão presentes na música do artista. E também vem do meme que viralizou na internet e que dizia justamente isso. É a influência que toda essa conectividade também passou a ter em sua carreira, fazendo com que várias de suas músicas viralizassem e intensificaram o contato com novas gerações. Isso tudo, claro, mantendo algo que só ele tem: “Eu nunca neguei a minha identidade. A minha identidade está dentro da cultura brasileira tradicional. Eu reinvento isso, mas está lá dentro. Quando canto ‘Coração bobo’, que compus em homenagem a Jackson do pandeiro, eu canto diferente dele, na minha sonoridade e timbre. E vira algo meu”.
Essa identidade brasileira também está se consagrando internacionalmente e ganhando cada vez mais reconhecimento. Ele percebe isso na própria experiência. Nos seus shows fora do país, antes a maior parte do público era de brasileiros, e isso já varia bastante hoje em dia. “Vejo nos meus shows brasileiros mas também muita gente de fora. Eu tava fazendo um show no Odeón, em Paris, e quando saiu, chegou um rapaz chinês pra falar comigo”, diz. Essa lembrança, como entende, também pode estar relacionada a esse multiculturalismo que ele representa e que continua incorporando. “Morena tropicana” foi composta em São Paulo, enquanto “Solidão” foi em Belo Horizonte, e tantas outras nos locais onde ele eventualmente estivesse parado e capaz de captar algum detalhe inspirador. Depois de intenso contato com o público, nessa relação que para ele nunca muda, a inspiração continua vindo – e acontece principalmente a partir das memórias maravilhosas que ele foi acumulando. Apesar de ter pego uma gripe recentemente, ele não freia o ritmo agitado que sempre o guiou: “Estou com certo cansaço, mas passa. O palco é a vitamina para isso”.

Encontros e novas gerações
Um dos fenômenos recentes na música que parece mais instigar Alceu é o efeito que a internet e as redes sociais podem ter sobre o trabalho de artistas, seja para descobri-los ou redescobri-los. “A internet catapultou demais a minha música. É uma coisa que eu não sei como foi, de jeito nenhum. Uma música que gravei com o grande encontro (formado por ele junto de Geraldo Azevedo e Elba Ramalho), por exemplo, tem 320 milhões de visualizações (…) São tantos os artistas famosos do mundo, por que eu fui aparecer?”, reflete. E também entende que é algo que se estende para outros artistas. “Quando cheguei do Recife, Luiz Gonzaga estava em decadência, apesar de ser aquela coisa maravilhosa. E hoje, depois dele morto, muita gente ainda procura e segue ele. Mais até que alguns vivos. A internet não dá para explicar, não.”
Essa influência, para ele, também é responsável por fazer com que sua música tenha chegado até novas gerações, e agora esteja ainda mais presente na vida de todos os brasileiros. “Ontem, encontrei três mães, com seus filhos pequenininhos, falando que só dormem escutando ‘Anunciação’. Por que isso pegou para criança? Se não fosse pela internet, não aconteceria.” E lembra que tem crianças, ainda, que o perguntam diretamente se é ele o cantor de “Tu vens”, como parecem apelidar a canção já clássica, ainda sem nem saber o nome original da mesma. É um processo do qual ele gosta, e que o faz ver sua música e sua vida se tornando ainda presentes para os amantes da arte, seja qual for a idade ou a nacionalidade dessas pessoas.
Alceu dispor
Com toda essa carreira e liberdade para criar, Alceu se coloca mesmo “ao dispor” do que vier. E evita fazer planos: “Eu não fico projetando muitas coisas, vou seguindo. Já pensei em fazer um show para marcar os 80 anos, mas não sei. Dizem que eu tenho quase 80, mas às vezes me sinto com 8. Então 8 ou 80?”, brinca. Mas, em um momento da vida em que já percorreu tanto, sente falta dos momentos mais íntimos – por isso shows como os que vão acontecer em Juiz de Fora. “Eu faço shows em arenas, em festivais, em locais grandes e locais pequenos. Tem hora que eu tenho saudade do palco de teatro. É uma plateia que fica mais ligada na música”, acredita.
E completa a entrevista com a rima, inspirada em sua própria composição, “Embolada do tempo”, que dita justamente esse ritmo que segue a vida, e que mostram seus próximos passos: “Eu marco tempo na base da embolada, da rima bem ritmada do pandeiro e do ganzá, o tempo em si não tem fim e não tem começo. Mesmo pensado ao avesso não se pode mensurar. Buraco negro, a existência do nada, noves fora, nada, nada. Por isso nos causa medo. Tempo é segredo, senhor de rugas e marcas, e das horas abstratas quando paro pra pensar. Você quer o tempo? Tempo não tem parada. Pra onde você vai? Vou pra Juiz de Fora”.
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