Produtores de teatro de JF opinam sobre a polêmica da meia-entrada
Tribuna ouviu produtores teatrais locais que trabalham com espetáculos de menor porte
A discussão sobre a proposta do fim da cobrança da meia-entrada em eventos culturais e esportivos é, definitivamente, polêmica. No último domingo (16), a Tribuna trouxe a discussão com o posicionamento de dois produtores de shows e festivais de música, Amaury Linhares e Luqui Di Falco, cada um argumentando contra ou a favor da manutenção do benefício, que, desde 2013, abrange estudantes, idosos, portadores de deficiência e jovens de 15 a 29 anos que possam comprovar o direito. Desta vez, a reportagem ouviu produtores teatrais locais que trabalham com espetáculos de menor porte: a produtora, atriz e diretora Adryana Ryal; o diretor e cofundador do projeto Hupokhondría, Gustavo Burla; e o ator, diretor e um dos fundadores do Grupo Divulgação, José Luiz Ribeiro.
A questão financeira da população é um ponto essencial levantado por Adryana Ryal para defender a manutenção do direito. “Sou a favor da meia-entrada porque acredito que esta seja uma das formas coerentes de ter um acesso ao lazer, cultura, até mesmo ao aprendizado para todas as classes. Ela possibilita a todas as classes estar no mesmo local, curtindo as mesmas coisas”, aponta. “Na Campanha de Popularização Teatro & Dança [do qual é uma das organizadoras] cobramos preço único de R$ 10, possibilitando que o público possa assistir a vários espetáculos. Você pode assistir a cinco espetáculos, ao invés de um em que se cobre R$ 50.”
“A meia-entrada é um mecanismo de inclusão social e uma forma de incentivo à frequentação de espaços e produções artísticas”, acrescenta Gustavo Burla. “É preciso ressaltar que, se houvesse o devido apoio público às manifestações culturais, nenhum produtor precisaria se preocupar com o valor do ingresso. Colocar a responsabilidade inteira sobre os produtores é uma forma de desviar a discussão sobre o papel do poder público em garantir a produção e o acesso da população aos bens culturais, como garantido na Constituição”, afirma.
Um dos fundadores do Grupo Divulgação, que há mais de cinco décadas trabalha pela formação do público teatral da cidade, José Luiz Ribeiro se posiciona sobre a questão ao analisar os dois lados da moeda. “Acredito que acabar com a meia-entrada vai dificultar o trabalho cultural. Entendo que o produtor questione, ‘quem paga essa outra metade?’, pois tudo está caro, a produção é cara. O produtor, por exemplo, não paga a metade do preço quando vai comprar material para o espetáculo. Entendo a luta dele, também é a minha, mas acabar com a meia-entrada vai ampliar a falta de público”, argumenta. “A cultura já está sendo jogada no lixo em nosso país, Com o salário que o brasileiro recebe hoje, o que você acha que ele vai cortar se precisar economizar? Se você tiver um público que tenha direito a pagar meia e conseguir cobrir os custos, tudo bem.”
Como equilibrar os custos?
Gustavo Burla lembra que não são apenas os estudantes os beneficiados (além de idosos, pessoas com deficiência etc.), pois há casos pontuais em que outras categorias passam a ter o direito e que precisam entrar no cálculo do valor da entrada. No caso de Juiz de Fora, ele destaca a lei municipal que estende o benefício aos professores da rede pública. “O cálculo do ingresso se baseia no custo da nossa produção, nos valores que são praticados pelos demais produtores culturais da cidade e no equilíbrio entre valorização do trabalho artístico e garantia do acesso ao público. E partimos sempre do princípio da honestidade, de que quem fará jus a ela é quem realmente tem direito. A educação é imprescindível para que se conheça a legislação e ela seja devidamente respeitada.”
“Como produtora cultural, tento mensurar os valores do produto que estou agenciando. Meu maior interesse é que as pessoas tenham contato com essas expressões artísticas”, diz Adryana Ryal. “Se é um show para adolescentes, por exemplo, você terá mais jovens que adultos, que não pagam meia-entrada. Então, não é viável cobrar um preço maior. O aluguel de um teatro em Juiz de Fora varia de R$ 1.500 a R$ 3.500, e para arcar com essas e outras despesas, mais o valor do artista, é preciso ter um público de 200 a 400 pessoas. É difícil ter um preço acessível a todos e algum lucro.”
No caso do Grupo Divulgação, José Luiz Ribeiro vive uma realidade diferente dos demais artistas e produtores. Segundo o ator e diretor, seus espetáculos no Forum da Cultural contavam com preços mais populares – além da meia-entrada – pois parte dos custos eram financiados pelos cursos oferecidos durante o ano, tudo dentro da política de se trabalhar o fomento do público. Agora, por questões burocráticas, não pode cobrar pelos ingressos ou cursos, apenas receber doações. “E ainda temos um trabalho social com 200 comunidades cadastradas, que recebem os convites graciosamente. O que entra na bilheteria é praticamente nada, o que mantinha o grupo eram os cursos, mas desde o ano passado estamos impedidos de cobrar pelos cursos e ingressos”, diz o diretor, que para este ano planeja montar os espetáculos com o que estava no caixa do grupo e eventuais doações.
Pouca fiscalização
A legislação de 2013 determina um limite de 40% de ingressos de meia-entrada, mas fiscalizar o cumprimento da lei – por mais que seja do interesse dos produtores – é tarefa que pode gerar mais custos e transtornos; por isso, o controle acaba sendo frouxo, ou inexistente. No caso de Adryana Ryal, a produtora diz que sua equipe costuma pedir a documentação que comprove a meia-entrada, como a carteira de estudante, comprovante da matrícula ou da inscrição, no caso de pós-graduação ou mestrado.
Vai passar? E se passar, vai baixar?
Duas questões se adiantam a uma possível aprovação do projeto do deputado federal Vinicius Poit (Novo-SP): qual o impacto para os estudantes, idosos e demais beneficiados? O valor dos ingressos iria realmente baixar? “O fim da meia-entrada não vai provocar a diminuição do valor do ingresso de qualquer tipo de produto”, opina Adryana Ryal. “A inteira do cinema, por exemplo, está entre R$ 25 e R$ 30, imagine os pais e responsáveis que têm que arcar com deslocamento, o ingresso, o lanche. Teria que haver diversos outros projetos, como a escola levar as crianças ao teatro, por exemplo. E isso vale para estudantes adolescentes, universitários, de pós-graduação. Teríamos que apresentar diversas soluções, mas não haveria uma a curto prazo. Iríamos excluir uma classe social inteira.”
Gustavo Burla, por sua vez, vê como “falácia” o argumento de que o fim da meia-entrada baratearia o custo dos ingressos e, com isso, ampliaria o público. Segundo ele, a prática da “metade do dobro” não é a realidade da maioria dos espaços e produções culturais, em especial os de âmbito local e de menor porte, que já não contam com os mesmos custos, incentivos e patrocínios que os grandes eventos. “Os ingressos cobrados por nós já estão em seus valores justos, calculados de forma a cobrir os custos da produção e valorizar o trabalho dos artistas.”