O que pensam os fãs sobre a guerra da DC e Marvel
Leitores de quadrinhos comentam suas preferências entre os dois universos mais conhecidos da nona arte, além de opinarem sobre a ‘guerra verbal’ entre fanboys
A DC Comics e a Marvel são, há décadas, as principais editoras de quadrinhos dos Estados Unidos, graças a personagens como Superman, Homem-Aranha, Batman e Capitão América. Com dois universos repletos de heróis, vilões e histórias marcantes, elas costumam polarizar corações e mentes dos leitores, com muitos fãs escolhendo lados que são defendidos até a morte.
Esse verdadeiro “Beatles vs. Stones” da nona arte só aumentou com o advento da internet, e a criação dos universos cinematográficos da Marvel e DC tornou explosiva a rivalidade entre os leitores – em especial aqueles chamados de fanboys, capazes de defender o seu lado de forma religiosa ao mesmo tempo em que deprecia o que é feito do outro lado.
Pois o lançamento de “Liga da Justiça”, esta semana, aumentou o burburinho no mundo da cultura pop, principalmente devido aos problemas enfrentados pela produção (a saída do diretor Zack Snyder devido ao suicídio da filha, as refilmagens comandadas por Joss Whedon, as incontáveis mudanças no roteiro). Como o longa será lançado no Brasil menos de três semanas após o bem-sucedido “Thor: Ragnarok”, da Marvel, não faltaram troca de farpas entre os fanboys. Existe gente nessa turma, inclusive, que torce pelo fracasso do filme alheio só para justificar a superioridade do universo “A” sobre o “B”, e vice-versa.
A verdade é que “Liga da Justiça” é visto, tanto por fãs quanto pela crítica e especialistas em cinema, como a produção que ajudará a estabelecer um ponto de comparação definitivo entre os dois universos. Afinal, a Liga é a principal equipe de heróis da DC, enquanto os Vingadores foram desde o início a grande aposta da Marvel, uma vez que os direitos dos X-Men para o cinema pertencem à Fox.
Por isso, a Tribuna procurou na última semana vários fãs de quadrinhos para comentarem suas expectativas sobre o último filme de super-heróis a ser lançado em 2017, além de comentarem a respeito da rivalidade entre os fãs das duas editoras e apontarem quais seus universos preferidos tanto no papel quanto no celuloide – sem esquecer, é claro, de entregarem seus personagens preferidos.
Com a palavra, os fãs.
Manoel de Souza
Um dos responsáveis pela revista “Mundo dos Super-Heróis”, Manoel de Souza interessou-se por quadrinhos ainda na infância e foi apresentado ao universo DC/Marvel há mais de 30 anos. O mundo das HQs passou então a fazer parte definitiva de sua vida, inicialmente desenhando os próprios quadrinhos e fanzines, depois trabalhando como ilustrador, editor de arte e idealizador da “Mundo…”, publicação à qual está ligado até hoje.
Qual o seu personagem preferido nas HQs?
Não tenho exatamente um herói preferido, pois leio de tudo. Gosto mesmo é de boas histórias, independentemente do personagem. Mas tenho um certo apreço por alguns personagens, como Homem-Aranha, Batman, Capitão América, Demolidor… Quando eu era bem moleque, gostava para caramba do Hulk, do Monstro do Pântano e do ROM, O Cavaleiro Espacial.
Qual seu universo (Marvel ou DC) preferido nas HQs, e por quê?
Tenho certa preferência pela Marvel, mas, ultimamente, o Renascimento da DC está bem mais bacana.
Qual seu universo (Marvel ou DC) preferido no cinema, e por quê?
Em quantidade, a Marvel, que tem acertado bem mais. Mas também sou muito fã do Batman do Chris Nolan e, principalmente o “Superman” do Richard Donner. Aliás, essa produção de 1978 é, na minha opinião, o maior filme de super-heróis de todos os tempos.
Qual sua opinião sobre essa rivalidade que os fãs alimentam na internet, muitas vezes torcendo para o fracasso do “inimigo”? Você faz parte da turma que “torce contra” a outra editora?
Se levada na brincadeira, a discussão é bacana e tal. Marvel e DC são muito parecidas em seus acertos e em seus erros. Tem coisa boa e ruim dos dois lados. Prefiro curtir as coisas boas e divertidas, seja qual for o universo.
E qual sua expectativa para “Liga da Justiça”?
Estou com um pé atrás, pois tudo indica que não será dessa vez que termos o filme que a Liga da Justiça merece. Não curto muito o trabalho do Zack Snyder pois me parece que, a cada filme, ele piora como diretor. E, para atrapalhar ainda mais a situação, rolaram muitos enroscos nos bastidores. Torço muito pelo filme, pois a Liga é um dos grupos mais importantes que já surgiram. Mas acho que teremos outra produção cheia de furos, como foi “Batman vs. Superman”. Queira Deus que eu esteja errado!
Marcelo Grisa
Jornalista e escritor, Marcelo Grisa começou, assim como muitos leitores, com os formatinhos da Abril, acompanhando principalmente o Superboy e Deadpool. Após um período afastado, voltou ao mundo das HQs já na universidade, com o seu Trabalho de Conclusão de Curso (que pode ser comprado como e-book na Amazon) tendo como tema metaficção e as páginas do “Homem-Animal” de Grant Morrison. Atualmente, ele comanda o blog tubodeexplosao.net e colaborador do terrazero.com.br, além do podcast “Por Trás da Máscara” (terceiraterra.com/ptdm).
Qual o seu personagem preferido nas HQs?
Isso muda com o tempo, mas eu ainda diria que é o Lanterna Verde Guy Gardner. Ele é alguém com quem me identifico, principalmente pela questão de ele saber que tem um grande potencial, mas não exatamente qual. Nós, como seres humanos, vamos tentando coisas diferentes para trazer o melhor da gente e ter um lugar no mundo, na sociedade. É isso que o Guy sempre fez.
Qual seu universo (Marvel ou DC) preferido nas HQs, e por quê?
DC Comics. A cronologia foi e está sendo um dos pilares para que as histórias continuem, e não somente a abertura de novas histórias a esmo. Sempre me pareceu um local mais coeso, onde os super-heróis se ajudam, e que sempre tem novos recantos a serem explorados. Há uma forma, que é diferente da Marvel, de enxergar todos esses personagens como grandes arquétipos, que representam muito mais pessoas do que inicialmente se supunha. Isso porque também há um foco no fato de haver Terras paralelas, que têm versões diferentes dos heróis. Mesmo entre escritores, há várias nuances interessantes. O Batman pode ser um detetive quase noir, ou então o homem sempre preparado para qualquer coisa, o pai de filhos adotivos. A Mulher-Maravilha é um símbolo feminista, mas é também alguém que representa uma cultura ancestral, ou ainda uma semideusa, ou só alguém que deseja fazer o certo pelos que mais precisam.
Qual seu universo (Marvel ou DC) preferido no cinema, e por quê?
A Marvel tem muito mais tempo, está mais estabelecida, e por isso acaba sendo melhor. Eles também utilizam uma fórmula que é boa, e aí temos uma identidade para esses filmes. As pessoas reconhecem isso, e essa identidade cria uma vontade de entender o que está acontecendo nos outros filmes. E há humor, o que ajuda muito e traz a galera jovem para o cinema. A DC precisa concretizar um ajuste de rota. Parece que vai ocorrer, mas eu ainda espero por isso. Como são poucos os filmes, os erros serão mais visados que os acertos, porque não há essa identidade forte estabelecida. A própria comparação com a Marvel dificulta o trabalho, porque executivos querem um resultado que nem aquele lá, do vizinho, que tem a grama mais verde. Mas ninguém tinha um universo compartilhado acontecendo como o da Marvel no cinema antes. Eles não tinham essa pressão que a DC inevitavelmente tem, e que a imprensa especializada acaba colocando.
Qual sua opinião sobre essa rivalidade que os fãs alimentam na internet, muitas vezes torcendo para o fracasso do “inimigo”? Você faz parte da turma que “torce contra” a outra editora?
Esse é um movimento que geralmente renego. Sou um fã da DC, um decenauta, como geralmente se denomina na Internet, mas leio e assisto Marvel de boa. Tenho minhas críticas a DC em todas as mídias também. O ideal é que o nível de ambos os universos, seja no papel ou na tela, seja alto. Isso faz com que todo mundo se esforce para trazer produtos de entretenimento melhores. Essas brigas futebolísticas entre os fãs não funcionam, não trazem nada. O que importa é lermos boas histórias. Essas briguinhas não têm sentido porque não existem em prol da qualidade.
E qual sua expectativa para “Liga da Justiça”?
Eu espero ver uma grande história. Boas cenas de ação, uma trama que reúna esses heróis. Quero um bom começo, mas não espero o melhor filme da minha vida. Não é esse o papel de “Liga da Justiça”, assim como esse não era o papel do primeiro filme dos Vingadores. Quero que seja divertido e que dê essa coesão que o Universo DC precisa nos cinemas.
Tiago Sarmento
Cantor, compositor e psicanalista juiz-forano, Tiago Sarmento está ligado aos quadrinhos de super-heróis desde o final da década de 1980, o que resultou no doutorado em Teoria Psicanalítica falando de Batman. Atualmente desenvolve tese de doutorado sobre a relação afetiva que os heróis/super-heróis – tanto da realidade quanto da ficção – mantêm com o indivíduo, às vezes durante a vida inteira.
Qual o seu personagem preferido nas HQs?
Batman, mas com Gambit e Noturno logo na cola.
Qual seu universo (Marvel ou DC) preferido nas HQs, e por quê?
Tenho uma tendência a preferir as graphic novels da DC, embora a Marvel na década de 80 também tenha histórias muito boas.
Qual seu universo (Marvel ou DC) preferido no cinema, e por quê?
Marvel, embora ela esteja superssaturada. A DC ainda não conseguiu estabelecer um bom e coerente universo audiovisual.
Qual sua opinião sobre essa rivalidade que os fãs alimentam na internet, muitas vezes torcendo para o fracasso do “inimigo”? Você faz parte da turma que “torce contra” a outra editora?
Até onde foi minha pesquisa histórica para pós e mestrado, eu descobri que o termo “superhero” é uma das pouquíssimas patentes no mundo que foram registradas em conjunto por duas companhias rivais, a Marvel e a DC. Ou seja: as duas se uniram para registrar esse nome. Acho que isso já mostra que esses fãs – se é que podemos chamar uma grande parcela de “bazingueiros” desse jeito – são “mimimistas” por natureza. Torcer contra Batman e Superman ou Gambit e Wolverine é a mesma coisa que torcer contra o Chicago Bulls por você ser Palmeirense.
E qual sua expectativa para “Liga da Justiça”?
Olha, não é boa não (risos). A DC tem tentado focar em efeitos especiais, histórias astronômicas e muita poluição visual, o que não tem agradado muito. “Mulher-Maravilha” foge um pouco por ter um roteiro muito sólido e retratar uma época em que grandes tecnologias não existiam, e foram muito felizes em deixar aliens de fora. Mas a julgar pelo visual, não acho que vá convencer, e pela constante escolha da DC em transformar o chatíssimo Ciborgue em um personagem convincente – algo que penso a mesma coisa da facilidade de se usar a Mística (nos filmes dos X-Men). Ambos servem ao mesmo propósito narrativo: preencher eventuais buracos com tecnologia mirabolante ou pessoa que se transforma em outra. Isso para mim se chama preguiça.
Bernard Martoni
Leitor de quadrinhos há muitos anos, o professor Bernard Martoni dá aulas de língua portuguesa e literatura no Colégio Militar, e sempre que pode trabalha as HQs em suas turmas, além de realizar palestras e oficinas ligadas à nona arte. Atualmente, pesquisa os diversos aspectos das histórias em quadrinhos em seu doutorado em literatura para a UFJF.
Qual o seu personagem preferido nas HQs?
Batman foi o primeiro de quem gostei, em grande medida pela série “Batman e Robin” e pelo filme do Tim Burton; “Wolverine” foi a primeira HQ que li com outro olhar, e a história “Arma X” me surpreendeu com o que era possível colocar no papel; desenhei o personagem inúmeras vezes. Também gosto de muitas histórias do Conan, o primeiro que li em preto e branco.
Qual seu universo (Marvel ou DC) preferido nas HQs, e por quê?
Durante minha infância, tive mais contato com a Marvel, em particular os X-men e Wolverine. Fui ler quadrinhos da DC bem mais velho. Fico dividido entre a nostalgia das aventuras dos X-men e as excelentes histórias da DC que conheci mais tarde, como “Cavaleiro das Trevas”, “A Piada Mortal” e as histórias fechadas do Superman.
Qual seu universo (Marvel ou DC) preferido no cinema, e por quê?
Gosto de vários filmes da Marvel e DC, mas, de modo geral, tenho achado os filmes da Marvel muito repetitivos e focados demais no aspecto cômico, o que tem me incomodado muito. Tenho gostado da abordagem mais madura dos filmes da DC, mesmo com toda as polêmicas e críticas em torno deles, acho as produções mais diferentes entre si e com um trabalho de personagens mais interessante.
Acho que os universos compartilhados de cada editora têm atrapalhado mais do que ajudado na produção de bons filmes. Acredito haver uma dificuldade em aproximar diferentes personagens sem afetar o tom de cada filme, isso acaba gerando personagens e filmes muito parecidos – no caso da Marvel – e confusos – no caso da DC.
Qual sua opinião sobre essa rivalidade que os fãs alimentam na internet, muitas vezes torcendo para o fracasso do “inimigo”? Você faz parte da turma que “torce contra” a outra editora?
Tenho apenas preferência por alguns filmes em relação a outros, torcer pela falha de um ou outro acho um pouco demais. Como fã de quadrinhos, sempre que posso assisto a todos os filmes de heróis no cinema, mesmo com baixas expectativas ou por não gostar tanto do personagem. Essa rivalidade é mais para animar as discussões sobre os filmes do que uma rivalidade que se encontra, por exemplo, no futebol.
E qual sua expectativa para “Liga da Justiça”?
A expectativa para filmes, principalmente dos heróis de quadrinhos, é o pior inimigo para se ter boas experiências no cinema. Gosto de vários dos personagens da Liga da Justiça, mas não tenho certeza se eles vão funcionar todos juntos. Além disso, o tom cômico que colocaram no filme da Liga associado a uma história mais grandiosa me deixa um pouco receoso com o resultado final.
Wendell Guiducci
Editor da Tribuna e cantor e compositor do Martiataka, Wendell Guiducci acompanha as HQs – nas suas palavras – “desde sempre”, ainda que hoje esteja mais distante desse universo. “Comecei a ‘ler’ antes mesmo de ser alfabetizado na escola graças aos quadrinhos, aprendi a escrever por causa deles, aprendi a desenhar o pouco que sei pelos quadrinhos”, conta, acrescentando que seu TCC teve como tema as histórias em quadrinhos e que chegou a trabalhar como quadrinista por quatro anos fazendo quadrinhos comerciais. “Diria que os quadrinhos ocupam parte importante da minha formação.”
Qual o seu personagem preferido nas HQs?
Batman.
Qual seu universo (Marvel ou DC) preferido nas HQs, e por quê?
Acho que a DC tem bons personagens, uma mitologia muito interessante com a Liga da Justiça (embora minha Liga predileta seja a de Keith Giffen/JM De Matteis/Kevin Maguire do fim dos anos 80), arcos fabulosos como o Monstro do Pântano do Alan Moore; mas a Marvel, como um todo, é bem mais rica em termos de profundidade dos personagens, talvez pela época em que foram criados. Os da DC eram de um tempo mais inocente, os da Marvel já no seio da contracultura, das vanguardas artísticas. Talvez seja isso. Mas nenhum da Marvel se iguala ao Batman. Então, entre todos da Marvel e o Batman, a briga é duríssima.
Qual seu universo (Marvel ou DC) preferido no cinema, e por quê?
A Marvel ganha, embora nenhum supere a trilogia do Batman do Christopher Nolan ou o “Batman” de Tim Burton. Mas não só isso, é uma questão de estratégia também. A maneira como foi desenvolvido esse colossal universo Marvel no cinema é uma aula de estratégia. E mesmo os filmes dos X-Men da Fox são muito bons. E a DC tem apenas o Batman, e agora a Mulher-Maravilha. O Superman, só o Christopher Reeve, que é um tempo anterior ao “gênero super-herói” no cinema. Espero que não baguncem com a Liga da Justiça como fizeram com “Batman vs. Superman” ou “Esquadrão Suicida”, decepção máxima no segmento recentemente.
Qual sua opinião sobre essa rivalidade que os fãs alimentam na internet, muitas vezes torcendo para o fracasso do “inimigo”? Você faz parte da turma que “torce contra” a outra editora?
Acho uma rivalidade tão saudável quanto Beatles vs. Stones. Dá graça. Mas não “torço” por nenhuma. Quero mais e mais filmes bons.
E qual sua expectativa para “Liga da Justiça”?
Minha expectativa é das piores. Por tudo que cercou o filme, os problemas com direção, as refilmagens, Cyborg em vez de Ajax, mas, principalmente, os fiascos recentes. Tomara que eu quebre a cara vigorosamente.