‘Panteão’ de cores e formas
"Múltiplos olhares". Bastaram essas duas palavras para resumir o discurso do apóstolo Paulo, que, na cidade de Atenas, ao passar pelo templo da deusa Diana, encontra um altar dedicado ao deus desconhecido. "Este altar – vago e sem perfil ou divindade específica, que poderia ser preenchido por algum deus não previsto no panteão de adoração helênico – nos mostra um profundo respeito da cultura grega pela inclusão e pela possibilidade da diversidade de cultos e/ou culturas, até mesmo para aqueles tidos como profanos, e também mostrar um deus não preconceituoso quanto aos ritos", argumenta Afonso Rodrigues, sobre a escolha de "Múltiplos olhares" para intitular a mostra em que ele e outros 15 artistas contemporâneos da cidade apresentam trabalhos em assemblage, instalação, fotografia, videoarte, pintura, performance e escultura.
"Buscamos mapear a produção cultural com foco na arte contemporânea, que ainda tem espaço restrito em Juiz de Fora. Fizemos uma pesquisa de campo e chegamos a 16 nomes", destaca Sérgio Sabo, um dos organizadores e curador da exposição. Segundo ele, essa é a oportunidade de compreender inquietações e intenções que caracterizam o artista de hoje. "Neste cenário, contando tanto com as limitações quanto com as possibilidades dos novos meios, os artistas andam em busca de respostas criativas e críticas, interagem com o público através de suas obras."
Ocupando as três galerias (Celina Bracher, Heitor de Alencar e Arlindo Daibert) e os corredores alternativos do espaço, Afonso Rodrigues, César Brandão, Cristiano Rodrigues, Eduardo Borges, Fabrício Carvalho, Felipe Grilo, Mário Angelo, Pedro Salim, Priscila de Paula, Raíssa Ralola & Luisa Tavares, Ricardo Cristofaro, Ronaldo Couri, Sandra Sato, Sérgio Sabo e Valéria Faria formam o time de artistas reunidos no "panteão" rodeado de cores e formas.
A performance da bailarina Raíssa Ralola abriu a noite de variedades da "Múltiplos olhares" na Arlindo Daibert, propondo a troca. "Uma fina camada, que à beira de se tornar dentro, revela-se como um novo fora a ser abandonado." Assim, ela definiu sua apresentação, acompanhada por Luisa Tavares e uma reprodução em vídeo. O videoartista Pedro Salim também apostou na tecnologia. O vídeo "El museo de la nada", de 48 minutos, trás o relato de 20 dos 40 dias em que ele circulou pela Bolívia. "(O diretor) André Góes idealizou essa série de quatro partes durante dois anos", destaca Salim, sobre o coletivo de imagens cujo destaque fica por conta de personagens e peças artesanais no deserto Salar de Uyuni.
Convidado a preencher uma parede inteira da Arlindo Daibert, Ronaldo Couri apostou na linha como a conexão entre seu desenho e o objeto escolhido para tridimencionalizar sua instalação. "Esse é o resultado de um projeto que já venho desenvolvendo, em que o objeto sofre intervenção para compor a obra", diz.
Imagens, formas e texturas também estão presentes na série de colagens em assemblage de Cristiano Rodrigues, exposta na Celina Bracher. Na mesma galeria, estão algumas das obras com foco na natureza de Eduardo Borges e as esculturas vazadas de Ricardo Cristofaro. A "Máquina do tempo", de Priscila de Paula, retrata um projeto artesanal em que ela recorre a bolas de soprar brancas e barbante tingido de azul para realçar práticas femininas como o crochê e o bordado. Na série "Vanitas", de Valéria Faria, destaque para as montagens em que a artista utiliza partes do corpo, como um braço de boneca, para dar vida à obra feita com colagem. "Essas se relacionam com a tradição secular na exploração de temas recorrentes da natureza morta, atualizados a um olhar contemporâneo", ressalta Valéria.
Dispostas no corredor alternativo do CCBM, 27 vacas de papelão sugerem o tom massificado entoado pelo trabalho do designer Felipe Grilo. "É o maior rebanho de gado de recorte do mundo", afirma, apontando para o pasto criado a partir de retalhos de papel. Já Fabrício Carvalho trabalhou em cima de um móvel de madeira, que, a apesar de ser utilizado para comer, escrever etc, foi emparedado com tijolos e concreto. Sandra Sato recorreu a um garfo disforme com os dizeres "(…) do jantar para o qual você não foi convidado". "Juntos e isolados não deixam de seres humanos" é a mensagem clicada pelas lentes do fotógrafo Mário Angelo, ao mostrar sua visão do homem conectado à natureza.
Sob a égide da interação, César Brandão reúne instalações "no limiar das linguagens, na fronteira entre imagem e palavras", como a placa fundida com a inscrição: "Falência múltipla dos órgãos". De acordo com ele, outras duas obras reforçam a interação sugerida. Uma é a plotagem da fotografia de um olho por trás de uma estaca de madeira, "em poética referência ao olho do ciclope Polifemo perfurado por Ulisses na ‘Odisseia’ de Homero". A outra são as colunas de ferro dispostas ao redor dos ateliês da velha fábrica de tecidos, que, mais do que nunca, se transformou em fábrica de cultura.
Na montagem em que Afonso Rodrigues ornamenta o esqueleto de uma cabeça de um animal, é possível compreender a arte de transitar num território onde o sagrado e o profano são igualmente aceitos. Da mesma forma que o discurso da contemporaneidade, a partir de "Múltiplos olhares", deve ser apreciado diante de tantas obras com técnicas variadas, porém com o mesmo apelo.
MÚLTIPLOS OLHARES
De terça a sexta, das 9h às 21h, sábados e domingos, das 10h às 16h. Até 27 de novembro.
CCBM
(Av. Getúlio Vargas 200)