Espetáculo ‘À deriva’ tem apresentações inspiradas em Beckett no Teatro Paschoal Carlos Magno

Peça autoral trabalha silêncio como conflito, e se dedica à narrativa focada em grupo tentando sobreviver depois de um dilúvio em um barco feito de ossos


Por Elisabetta Mazocoli

10/06/2025 às 14h34

À deriva
‘À deriva’ é produção autoral do Teatro do Contra (Foto: Melissa Coppe/ Divulgação)

O grupo Teatro do Contra estreia o espetáculo “À deriva” nesta quarta-feira (11), com outra apresentação na quinta-feira (12), no Teatro Paschoal Carlos Magno, a partir das 19h. A peça é livremente inspirada no sucesso de Samuel Beckett, “Esperando Godot”, com uma montagem que se dedica a olhar para os conflitos causados por um dilúvio, que obriga um grupo a sobreviver em um barco feito de ossos. A narrativa propõe que, entre memórias falhas, rituais repetitivos e a espera do impossível, os personagens enfrentem seus próprios limites durante essa travessia. Com direção e texto de Daniel Meotte, essa é uma parceria com o Espaço Cultura Coringa (ECCO), com ingressos já disponíveis pelo Sympla.

O espetáculo é centrado nesse mundo pós-apocalíptico em que quatro personagens — entre vivos e mortos — habitam o barco improvisado e precisam continuar sem direção, aguardando um resgate que não chega. “A peça surgiu há uns 2 anos, em um texto muito reduzido e uma cena curta, que não ia ser montada. (…) Mas quando lemos, o grupo todo adorou, e aí fui obrigado a fazer uma adaptação desse texto, que inicialmente tinha cinco páginas, e virou uma peça de 1h30″, conta o diretor. Durante essa escrita, ele fez questão de inserir aspectos da vida cotidiana, incluindo reflexões próprias sobre as dificuldades vividas pela sociedade atualmente.

O diretor entendeu que essas dificuldades se apresentavam de duas formas: a partir da dificuldade em ficar em silêncio e a constante expectativa em relação a algo que pode acontecer, e que teria o poder de “mudar a vida”. “Estamos sempre ouvindo alguma coisa, fazendo uma coisa junto com outra, é uma demanda absurda de múltiplas coisas, é uma relação muito complicada que temos com o silêncio. Não conseguimos mais nos ouvir”, explica. Também por isso foi preciso aprender com Beckett e subverter os conflitos mais tradicionais da dramaturgia. “O conflito é o silêncio, é a espera. A gente tem essa sensação eterna de sempre esperar algo bom que vai acontecer na nossa vida. (…) Estamos sempre com a sensação de que qualquer coisa pode acontecer agora e tudo vai mudar, tudo vai melhorar.”

Mas as inspirações para construir isso foram variadas, inclusive para trazer a ambientação que desejavam. Algumas obras de referência foram usadas, como “O velho e o mar”, do Ernest Hemingway, e “Cem dias entre o céu e a terra”, do Amyr Klink, para entender como os personagens navegantes falam e até entender os termos. Mas a influência de fundo foi, em outro sentido, “Esperando Godot”, já que “a relação dos personagens e com os temas é toda influenciada pela obra do Beckett”. E isso se construiu de uma forma ainda mais potente no grupo, que trabalha principalmente com Hegel e as contradições humanas. Por isso, nessa abordagem, a relação é concebida dessa forma, inclusive quanto aos atores e personagens. “Quanto mais longe o personagem for do ator, melhor ele atuará. Ele não tem nenhum momento de conforto, precisa estar o tempo todo fora de si”, conta.

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(Foto: Melissa Coppe/ Divulgação)

Um olhar sutil para a crise climática

A crise climática é pano de fundo da história, que começa com uma espécie de mensagem automática da grande mídia, que situa os espectadores sobre o que está acontecendo no mundo. Para Daniel, foi muito importante que o teatro conseguisse abordar o tema de forma sutil, sem transformar a peça em um ato político. “Acho que é interessante abordarmos os temas que são extremamente necessários de forma sutil, para que a pessoa nem perceba que aquilo foi abordado. (…) As pessoas vão perceber que toda aquela situação tem a ver com a forma como estamos lidando com o meio ambiente agora.”

Teatro do Contra e Teatro do Absurdo

Com oito anos de trajetória, o Teatro do Contra é uma companhia de Juiz de Fora que busca trabalhar a linguagem cênica autoral. Esse espetáculo, não por acaso, dialoga também muito com o chamado Teatro do Absurdo, que ficou conhecido pelas produções de Beckett e seu trabalho com o existencialismo. “É um absurdo quase literário. Ele tenta subverter completamente a escrita de como se fazia um texto dramatúrgico, e ele consegue muito bem fazer isso. As duas linguagens (do Teatro do Contra e do Absurdo) se encontram neste momento: a contradição e o absurdo naturalmente andam um pouco lado a lado, então foi bem natural para encaixar nossas pesquisas para como deve soar uma peça absurda.”

A peça conta ainda com a montagem de Melissa Coppe e elenco composto por Bruno Villela, Laura Chaiben, Letícia Rezende, Malu Nascimento e Yllana Mattos. A trilha sonora é de Gustavo Duarte, com figurino, projeções, iluminação e produção assinados pelo próprio grupo.

Tópicos: ECCO

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