Sobre forças e certezas
Como feminista em eterna construção, tenho sentido cada vez mais o poder da união de mulheres para se fortalecerem juntas. Mas jamais tinha pensado sobre a força que emana destas que foram privadas de sua saúde, seu conforto, suas certezas e, não raramente, seus seios e seus cabelos, índices tão demarcados de feminilidade nessa nossa sociedade rotuladora
Não foi manchete ou destaque de página. Não houve trabalho investigativo, horas de apuração, ou qualquer esforço jornalístico maior. Para a matéria que mais me emocionou em 2017, sequer saí de minha cadeira.
“Tá tranquila, Júlia? Pode pegar essa matéria?”. Tema simples, “clichê, mas bonitinho” – avaliei, petulante, mas reconhecendo a relevância da abordagem. Um ensaio fotográfico do grupo de apoio “Vitoriosas” da Ascomcer, para mulheres diagnosticadas com câncer de mama, visando a valorizar sua autoestima. “Em duas ligações resolvo isso”, pensei. E passei a mão no telefone.
Liguei para a psicóloga do projeto, que falou sobre como o ensaio restaurou a confiança das pacientes, trouxe benefícios emocionais e ajudou no tratamento, tudo que eu esperava ouvir – Tem isso também. Nós, repórteres, costumamos ter a pretensão de achar que sabemos o que a fonte vai dizer. Muitas vezes acertamos. Em tantas outras, erramos feio. Entrevistei a fotógrafa do trabalho, que relatou como a beleza das fotos traz outra perspectiva para nossa vida, pipipipopopó, também palavras lindas, mas que eu esperava. Comecei a rascunhar a matéria em minha cabeça, mas faltava ligar para as pacientes.
A bicuda veio de sola na minha arrogância ao falar com Patrícia. “Eu me senti linda, (…) privilegiada por me enxergar assim junto com as minhas amigas (…) Hoje tenho certeza que Patrícia não é aquela mama que retirei.” Porrada.
Como feminista em eterna construção, tenho sentido cada vez mais o poder da união de mulheres para se fortalecerem juntas. Mas jamais tinha pensado sobre a força que emana destas que foram privadas de sua saúde, seu conforto, suas certezas e, não raramente, seus seios e seus cabelos, índices tão demarcados de feminilidade nessa nossa sociedade rotuladora.
Desliguei o telefone e chorei, chorei, chorei… Chorei tão copiosamente que nem todas as vírgulas e reticências que eu use poderão expressar. “Aconteceu alguma coisa, Júlia?”, perguntou-me a Lina, amiga aqui da redação. “Não, a gente que sabe nada da vida mesmo, Lina”.
Ainda bem. Que a natural avalanche de histórias do jornalismo e nossas pretensas certezas não nos façam perder a capacidade de enxergar beleza e resistência onde só se costuma ver fraqueza e pesar. É exatamente lá que reside a força capaz de transformar as pessoas e o mundo.
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