Fica Vivo!, de combate a homicídios, já atendeu quase 10 mil jovens em JF
Aluno premiado de kickboxing, Pablo conta sua rotina de treinos na região do Olavo Costa
Com sete lutas oficiais de kickboxing e seis vitórias, cinco delas por nocaute no primeiro round – sendo um em apenas 14 segundos – , Pablo Isaque Mattos, 20 anos, morador do Bairro Solidariedade, na Zona Sudeste de Juiz de Fora, é um exemplo de como o programa estadual Fica Vivo!, de prevenção a homicídios entre jovens de 12 a 24 anos, é capaz de retirar pessoas da situação de vulnerabilidade. Desde 2018, quando a Unidade de Prevenção à Criminalidade (UPC) foi instalada na Vila Olavo Costa, já foram realizados quase 10 mil atendimentos ao público alvo, nas diversas frentes de atuação. Segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), neste ano, cerca de 250 jovens são atendidos mensalmente nas oficinas de esporte, cultura/arte e profissionalização. Apesar dos avanços nesse área da cidade, a Zona Norte permanece sem ser contemplada pela iniciativa, embora a proposta de instalar um Fica Vivo! naquela região seja uma das metas do Plano Municipal de Segurança Urbana e Cidadania. “Possibilidades para expansão do programa em Juiz de Fora estão sendo analisadas”, resume o Estado, sem mais detalhes.
Pablo começou na oficina de kickboxing aos 13 anos e diz que, com o investimento do Fica Vivo!, a estrutura melhorou, além de ter viabilizado a entrada de mais participantes. Para ele, o esporte é uma boa influência. “Têm muitos jovens e até crianças indo para a vida ‘errada’. O projeto ajuda a mudar isso.” No início de 2021, Pablo começou a competir, sendo sua primeira investida no regional WForce. “Fui lutando e ficando bem colocado.” No início de junho deste ano, ele disputou o Campeonato Brasileiro, em Vila Velha (ES), na categoria até 71kg. “Era o meu sonho.” O atleta conseguiu chegar às quartas de final. O único irmão dele, um ano mais novo, também participa do projeto. Os dois vivem com os pais e viraram uma espécie de referência na região. “Têm muitas pessoas que me conhecem pelo esporte, viram minhas lutas e também quiseram vir treinar”, revela Pablo.
O professor dele, Alexsander Colsera, ajuda a definir a diferença do antes e depois na vida do atleta: “O kickboxing trouxe para ele uma identidade, porque ele se descobriu no esporte.” O treinador conta que chega a receber mensagens de pessoas interessadas em saber as datas de luta do Pablo. Ele acrescenta que há escassez de lutadores no estado e que a vaga no Brasileiro foi obtida por meio de parceria com a Federação Mineira de Kickboxing. “Ele foi o único mineiro da categoria dele que participou. Outro atleta nosso conseguiu ficar em terceiro”, destaca Alexsander, orgulhoso dos resultados alcançados. “Estamos trabalhando para que nos próximos eventos a gente chegue bem mais contundente e incisivo.” A aposta já deve valer no fim de agosto, quando acontece o Campeonato Mineiro de Kickboxing.
Mas, para os leigos, o que define o kickboxing? Alexsander arrisca: “É uma junção do caratê com o muay thai. Uns falam que é luta, outros, que é arte marcial. Para mim, é uma junção dos dois. E o que o diferencia é a emoção do esporte, por ser de contato pleno e poder levar o adversário a nocaute.” Devido aos riscos, ele orienta os alunos a nunca treinarem fora da academia. “Ao mesmo tempo que é muito emocionante, é muito perigoso, deve ser sempre acompanhado por um profissional sério e qualificado.”
Projetos Locais e de Circulação do Fica Vivo!
De acordo com a Sejusp, o Fica Vivo! em Juiz de Fora também realiza atendimentos individuais, nas mais diversas demandas apresentadas, aos jovens de 12 a 24 anos, moradores dos territórios de abrangência: Vila Olavo Costa, Vila Ozanan, Furtado de Menezes, Vila Ideal e Solidariedade. “Os Projetos Locais são ações planejadas para a ampliação das possibilidades de aproximação, atendimento, criação e manutenção de vínculos com as juventudes, que favorecem a intervenção territorial estratégica e podem possibilitar o acesso a serviços públicos e/ou comunitários. Os Projetos de Circulação são ações planejadas com o público atendido pelas oficinas e que favorecem a ampliação das perspectivas de circulação entre territórios e acesso à cidade.”
Ainda conforme a secretaria, a participação e vinculação dos jovens é voluntária. “Basta se apresentar na Unidade de Prevenção à Criminalidade ou em uma oficina do programa.”
Três anos depois, Fica VIvo! consolida projeto social
Alexsander Colsera tem 33 anos, nasceu e foi criado na Vila Olavo Costa. Com a ajuda de muitos amigos e de seu mestre, Carlos Silva, hoje ele tem sua escola de kickboxing, a “Gordo Gym” bem perto dali, no Bairro Guaruá, Zona Sul. “Minhas amizades são 90% daqui da periferia. Quando comecei, em 2015, eu não tinha nada e também estava meio perdido, mas, graças a Deus, acabei encontrando pessoas boas à minha volta, que me ajudaram a me encontrar dentro do esporte”, avalia o treinador, que deu seus primeiros golpes de kickboxing bem antes, em 2007.
“Abri aqui com intuito de ganhar dinheiro, mas não estava engrenando, eram poucos alunos, a maioria não pagava. Imagina: sou nascido e criado na região, o pessoal ficou sabendo, de repente pararam ali na porta umas dez crianças, que os pais não tinham condições de pagar. Olhei assim e falei: Caramba, e agora, o que eu faço?” Foi nessa que Alexsander abriu o primeiro horário destinado ao projeto social da escola de kickboxing, duas vezes por semana. “Acabava que eles vinham todos os dias, não tinha dessa”, conta o professor, entre risos, certo de que fez a melhor escolha, apesar das dificuldades financeiras que enfrentava diante da falta de apoio do Poder Público.
Três anos depois, o treinador passou a se dedicar integralmente a ensinar o esporte. “Terminei meus estudos e fiquei focado aqui. Foi quando apareceu a oportunidade do Fica Vivo!, do Governo de Minas, que apoia os projetos sociais já existentes e estimula a criação de outros para tirar os jovens de um caminho errado, da possível perda deles para homicídios.” Como ele já “colocava a engrenagem para girar” sem apoio financeiro, Alexsander viu ali a oportunidade de atrair ainda mais pessoas para a atividade, que promove benefícios físicos e mentais.
“Ficamos na utopia daquele sonho chegar, era quase final do ano (2018) e nada, mobilizamos a galera e provamos que tinha gente interessada na região. Foi aí que começou, de fato, a viabilidade, com o fornecimento da verba, que dá um apoio imenso.”
‘Lutando para viver’ chega à Vila Ozanan
A partir dali, o único saco de pancadas e o tatame velho – que na realidade era uma lona com a propaganda de uma loja de chocolates, virada para baixo – deram lugar a mais equipamentos de treino e ao trabalho da oficina “Lutando para viver”. O resultado logo veio com a conquista de dezenas de troféus e medalhas pelos esportistas. “Essa virada de chave foi tão forte, que aumentaram também os alunos particulares. Uma coisa boa foi atraindo a outra”, acredita o oficineiro, que atende a quase 50 jovens em situação de vulnerabilidade, mesmo não sendo o apoio vinculado ao número de participantes. Outros mais de 200 também já passaram pelas aulas dele no decorrer desses cinco anos. “O feedback deles é muito positivo, tanto que, graças a eles, vamos abrir outro projeto social na Vila Ozanan,” comemora, acrescentando que será na quadra Nossa Senhora de Guadalupe, aos sábados e segundas-feiras. “Aqui é nas quartas e sextas”, explica, enquanto cumprimenta jovens do projeto que passam pela porta.
Para lidar com as duas realidades em sua oficina, o professor começou diferenciando as aulas focadas nas competições. “No projeto eu trabalho de uma forma bem recreativa para que eles venham, se distraiam com a arte marcial e se disciplinem.” No entanto, mesmo com o treino de competição “muito pesado e árduo”, talentos começaram a despontar, como o próprio Pablo. “Me deu um estalo: tem muito jovem no projeto com potencial muito grande. Aí comecei a introduzir alguns deles nos treinos de competição. Eles são fantásticos, e nós vamos lapidando, porque o projeto social permite essa viabilidade.” Ele assegura que todos estão colhendo os frutos do esforço. “Os troféus, as medalhas e os cinturões estão chegando. Até o final do ano chegam mais uns 20”, aposta.
Segundo ele, o projeto Fica Vivo! também oferece na região, por meio de outros oficineiros, atividades como futebol masculino e feminino, capoeira e aulas de violão. “Atende a comunidade inteira e ajuda a tirar esses jovens da ociosidade.” Na visão dele, o efeito surtiu até na queda da criminalidade. “Diminuíram os índices de violência familiar e entre os jovens, melhorando a circulação deles aqui. Contribuiu com tudo positivamente de uma maneira muito forte.”