ViolĂȘncia assusta comunidade do Bairro Benfica
O segundo homicĂdio, em menos de um mĂȘs, no entorno da praça do bairro levanta discussĂŁo sobre a segurança do ponto mais movimentado da Zona Norte
Mais um jovem morreu apĂłs ser alvo de disparos no entorno da Praça Jeremias Garcia, em Benfica, na Zona Norte de Juiz de Fora. O segundo homicĂdio em menos de um mĂȘs ao redor do principal espaço pĂșblico do bairro, onde hĂĄ uma base da PolĂcia Militar e estĂĄ a maioria dos estabelecimentos comerciais, assustou os moradores. Diante da ousadia dos atiradores em fazer do local uma praça de guerra, eles temem balas perdidas e a morte de inocentes. Os seis tiros efetuados em plena luz do dia prĂłximo a um ponto de ĂŽnibus, na tarde de quarta-feira (22), tiraram a vida de Ailton Silva Duque de Oliveira, 18, e tambĂ©m acenderam a discussĂŁo em torno da criminalidade. O derrame de armas nas mĂŁos de infratores e a carĂȘncia de projetos sociais voltados para os jovens, aliados ao trĂĄfico de drogas e Ă rivalidade de grupos, sĂŁo apontados como os principais impulsionadores dessa aterrorizante violĂȘncia urbana. O comando do 27Âș BatalhĂŁo da PM considera os dois assassinatos isolados e nĂŁo vĂȘ tendĂȘncia desses crimes migrarem para a praça, mas garante estar agindo para inibir essas açÔes.
O homicĂdio de Ailton aconteceu pouco antes das 15h na Rua Henrique Dias, quase esquina com a Rua Diogo Ălvares. Esta era a mesma via onde a vĂtima morava, a menos de trĂȘs quarteirĂ”es do local onde foi baleada, segundo a PM. Por meio de cĂąmeras do Olho Vivo, militares avistaram uma aglomeração de pessoas tentando acudir o rapaz, jĂĄ caĂdo no chĂŁo. Ele estava inconsciente, mas com sinais vitais, sendo socorrido atĂ© a UPA Norte, onde foram constatadas perfuraçÔes no tĂłrax e nos dois pulmĂ”es. O paciente sofreu parada cardiorrespiratĂłria por cerca de 20 minutos e, devido Ă gravidade do quadro, foi transferido para o HPS. De acordo com a Secretaria de SaĂșde, ele deu entrada na unidade Ă s 18h50, mas nĂŁo resistiu e morreu uma hora depois. Os tiros fatais teriam partido de um revĂłlver calibre 22.
Conforme a PM, o suspeito seria um jovem da mesma idade, morador da Vila Esperança I. Ele foi identificado por meio das imagens da cĂąmera instalada no ĂŽnibus onde vĂtima e atirador estavam momentos antes da ação violenta. “Eu estava no ĂŽnibus 715 (Vila Esperança), quando um jovem entrou e começou a gritar para descer. Outro rapaz veio atrĂĄs dele dando tiro, que horrĂvel”, desabafou uma moradora em rede social. De acordo com a polĂcia, os dois desceram do ĂŽnibus, e a vĂtima foi baleada. O bandido conseguiu escapar correndo pela Rua Evaristo da Veiga.
“Foi uma situação absurda, muita ousadia de disparar tantas balas assim. NĂŁo havia preocupação com o entorno, de atingir outras pessoas. O crime surpreende cada vez mais, nĂŁo sĂł em Benfica. Foi um ato de banalidade da violĂȘncia, comum em grandes centros. A população estĂĄ muito alarmada com o que houve, moradores estĂŁo com medo de sair Ă s ruas, com receio de frequentar os lugares que iam antes”, desabafou o ex-vereador Vanderlei Tomaz, nascido e residente na regiĂŁo de Benfica.
PĂąnico no domingo
Outro crime assustador na praça de Benfica aconteceu no dia 29 de outubro. Bruno Neto de Almeida, 21, morreu apĂłs ser baleado por volta das 22h30 de um domingo, prĂłximo a diversos bares e lanchonetes. Ele foi alvejado na boca e visto pela PM sendo amparado por duas pessoas pela Avenida JK, prĂłximo Ă Rua Martins Barbosa. O jovem foi socorrido atĂ© a UPA Norte, mas faleceu apĂłs dar entrada na unidade. TrĂȘs adolescentes de 16 anos foram apontados como suspeitos. A polĂcia nĂŁo encontrou qualquer envolvimento de Bruno em delitos. Ele trabalhava como jardineiro e morava no Novo Triunfo.
Vanderlei destaca que Benfica seria como “uma cidade dentro de outra cidade” e aponta a urgĂȘncia de polĂticas de prevenção no combate Ă criminalidade. “Foram dois casos graves em pouco tempo. A comunidade estĂĄ muito assustada, se recolhendo e buscando proteção. Nos sentimos refĂ©ns dentro de nossas prĂłprias casas.”
GrĂȘmio Estudantil do Polivalente lamenta morte de aluno
O jovem Ailton Silva Duque de Oliveira, 18 anos, morto precocemente por meio de tiros nas imediaçÔes da Praça Jeremias Garcia, era estudante da Escola Estadual Presidente Costa e Silva, a Polivalente de Benfica. “EstĂĄ praticamente virando coisa comum: colegas nossos, que estudam e querem um futuro melhor, morrendo dessa forma”, disparou o presidente do grĂȘmio estudantil do colĂ©gio, Ruanderson Coutinho da Costa, 17. “Ă triste, porque cada vez mais as salas vĂŁo diminuindo.” Segundo ele, Ailton fazia telecurso, uma espĂ©cie de supletivo do ensino fundamental, estudava e corria atrĂĄs, mas estaria menos frequente neste segundo semestre.
“No grĂȘmio, fazemos palestras, para conscientizar um pouco os alunos sobre a violĂȘncia, mobilizar e tirar do caminho fĂĄcil que Ă© a droga”, disse Ruanderson. Com os fatos recentes, ele pretende fortalecer as iniciativas. “O maior medo Ă© sair do trabalho e levar uma bala perdida. O problema Ă© acertar quem nĂŁo tem nada com isso. Devemos fazer um grande movimento em Benfica para conscientizar as pessoas, explicar que violĂȘncia sĂł gera violĂȘncia. E a maior vĂtima Ă© o jovem.” Ele observou que muitos jovens param de estudar para trabalhar e ajudar em casa e, diante dos problemas sociais, acabam sendo aliciados pelo trĂĄfico. “EstĂĄ difĂcil conseguir emprego formal, e em qualquer esquina se encontra um ponto de drogas.” Nesse cenĂĄrio, a praça Ă© vista como uma ĂĄrea neutra, onde rivais fatalmente se cruzam. “Benfica Ă© nosso centro, todos tĂȘm que descer para comprar comida, roupas. Acabam se encontrando e acontecem essas barbaridades.”
O prĂłprio estudante, morador do conjunto habitacional Miguel Marinho, jĂĄ foi vĂtima de violĂȘncia recente, no inĂcio de setembro. “Estou sem celular porque fui assaltado Ă s 6h, indo para a escola com meus colegas. O ladrĂŁo me parou, me jogou no chĂŁo e apontou a arma na minha testa. Foi assustador.” Ele ressaltou a necessidade de patrulhas nas portas das escolas, mas ponderou que o combate Ă criminalidade nĂŁo Ă© sĂł questĂŁo de polĂcia. “Ăs vezes, nĂŁo adianta mais policiamento, precisa de conscientização, de projetos sociais.”
Zona Norte lidera mortes violentas este ano, com 37 casos
AlĂ©m de ser a maior ĂĄrea em extensĂŁo territorial do municĂpio, a Zona Norte lidera as mortes violentas este ano, concentrando 37 dos 126 casos contabilizados pela Tribuna, seguida das regiĂ”es Leste (32) e Sudeste (22). A estatĂstica leva em conta tambĂ©m os Ăłbitos ocorridos posteriormente Ă s açÔes criminosas, mas em decorrĂȘncia delas. JĂĄ a PolĂcia Militar, que registra apenas as mortes nos locais dos crimes ou imediatamente apĂłs, aponta 21 homicĂdios na regiĂŁo em 2017, contra 16 no ano anterior. Pelo balanço oficial de crimes violentos, no qual tambĂ©m sĂŁo incluĂdos assaltos e roubos Ă mĂŁo armada, por exemplo, houve cem ocorrĂȘncias a menos este ano na regiĂŁo Norte, passando de 416 para 316. A unidade aponta redução superior a 14% nessa mesma modalidade em Benfica, na comparação deste ano com 2016, caindo de 90 para 77 crimes violentos.
Logo apĂłs o primeiro assassinato na praça, a presidente da Associação de Moradores de Benfica, Aline Junqueira, propĂŽs uma reuniĂŁo para discutir a violĂȘncia. Aberto Ă comunidade no dia 14, o encontro contou com representantes das polĂcias Civil e Militar, da Secretaria de Segurança Urbana e Cidadania e da ComissĂŁo de Segurança da CĂąmara. “Nosso grande problema Ă© o acesso a arma que a juventude estĂĄ tendo, resultando em confrontos. Precisamos de alguma ação urgente para retirar essas armas de circulação e de grande mobilização da comunidade junto Ă s escolas, chamando a atenção para que algo seja feito pelas autoridades.” Aline convoca todos a fazer denĂșncias pelo 181, do Disque-DenĂșncia Unificado (DDU) e a acionar a PM em caso de crimes. “SĂł atravĂ©s do registro a polĂcia tem como mensurar.”
A presidente lembrou que a situação criminal em Benfica foi crĂtica em 2013, quando atĂ© o carnaval foi cancelado no bairro por causa das brigas de gangues, mas novamente preocupa. “A escola hoje estĂĄ mais respeitada, estĂŁo abrindo as portas para a comunidade. Mas precisamos de açÔes para inibir os conflitos e apreender as armas. Nossa ĂĄrea comercial fica no entorno da praça, onde todos passam. O que aconteceu ontem (quarta-feira) foi imprevisĂvel, mas nĂŁo temos projeto social voltado para a juventude. A morte desse jovem choca a todos, estamos perdendo nossos alunos para a violĂȘncia. E os moradores estĂŁo entrando em pĂąnico, porque nĂŁo tem hora para acontecer.”
O comandante do 27Âș BatalhĂŁo da PM, tenente-coronel Oterson Luis Nocelli, afirmou que a Praça Jeremias Garcia estĂĄ recebendo toda a atenção e considerou os dois homicĂdios pontuais. “No primeiro, a vĂtima estava em um bar, a pessoa passou, viu e atirou. NĂŁo foi uma coisa premeditada. No caso de ontem (quarta), a pessoa estava no ĂŽnibus, desceu perto da praça e foi alvejada. NĂŁo foram casos de encontros marcados na praça.” Ele enfatizou que o posto policial instalado no espaço pĂșblico “Ă© uma referĂȘncia muito importante para a comunidade, onde a PM estĂĄ de portas abertas, mas a capacidade de segurança objetiva Ă© restrita”. Ele lembrou que por isso mesmo a tĂĄtica de mobilidade estĂĄ sendo adotada pela polĂcia, pois os patrulhamentos se mostram mais eficientes.
O tenente-coronel falou da importĂąncia da participação da comunidade, inclusive por meio do 181, e da necessidade de trabalho social, educação e geração de emprego. “NĂŁo estamos vislumbrando tendĂȘncia de crimes acontecendo na praça de Benfica. Foram dois Ășnicos homicĂdios nesses dois anos que estou no comando. Hoje a praça Ă© muito frequentada, com crianças e famĂlias, e nĂŁo percebemos essa migração. Mas Benfica inspira cuidados pela proximidade com bairros com problemas sociais graves. Temos feito nosso papel, mas nĂŁo Ă© sĂł com policiamento que vamos resolver.”