Juiz-forana, sobre Ainda Estou Aqui: ‘Parecia que estava assistindo a história do meu pai’
Luiz Antônio Sansão teve a casa invadida e revirada por militares, antes de ser levado preso, em 1971
“É interessante porque quando assisti ao filme Ainda Estou Aqui, parecia que estava assistindo a história do meu pai, com a diferença de ele ter voltado para casa, e Rubens Paiva, não”, comparou a juiz-forana Luiza Sansão, em entrevista à Agência Brasil.
No final do ano passado, Luiza publicou uma foto, em rede social, acompanhada da família, apontando para o cartaz do filme, no cinema. “Finalmente fomos assistir ao filme ‘Ainda estou aqui’, que deixei de assistir no Rio logo que foi lançado exatamente porque pra mim era fundamental e muito especial ver com meus pais e meu irmão”, escreveu. “E foi muito emocionante pois ali está a história da minha e de tantas famílias vítimas da ditadura no Brasil, principalmente do momento em que militares invadiram a casa dos Paiva, revirando tudo e devassando a vida da família, até o desaparecimento, prisão e tortura”. Ela cita ainda a diferença de que ela e o irmão ainda não eram nascidos, na época do ocorrido com o próprio pai.
“Para famílias impactadas pela ditadura militar, o filme traz com muita força as situações vivenciadas pelas vítimas”, relata. “E foi impossível conter as lágrimas ao longo da saga de Eunice Paiva, tão magistralmente bem interpretada por Fernanda Torres”.
Ela concluiu o texto com uma mensagem ao diretor, Walter Salles, e a toda a equipe envolvida na obra: “Minha vontade é de dizer apenas: muito obrigada! Nós precisávamos desse filme!”.
Luiz Antônio Sansão
Luiza é filha de Luiz Antônio Sansão – conhecido como Lula –, levado por militares, preso, com um capuz na cabeça, na noite de 3 de dezembro de 1971. Por volta das 19h daquele dia, cerca de dez militares invadiram e reviraram a casa dele e da esposa, em Juiz de Fora.
“Cobriam os olhos para a pessoa não poder, depois, dizer para onde ela estava indo, para não identificar o trajeto”, disse a jornalista formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na entrevista.
“Ele só se recorda de estar numa sala, de frente para um militar que o estava interrogando, fazendo perguntas sobre a militância dele e o ameaçando o tempo todo, dizendo que era melhor ele falar ali, porque, se ele não falasse, seria levado para Belo Horizonte, e no DOI-Codi de Belo Horizonte (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) as coisas eram diferentes”.
Quando foi levado, Luiz, aos 22 anos de idade, também estudava na UFJF, no curso de Ciências Sociais. Hoje, aos 74, ele é fotógrafo, mas ainda tem danos psicológicos irreversíveis, de acordo com a filha, causados pelas horas que ficou sob controle de agentes do regime militar: “Uma coisa é fazer o processo de elaboração, como meu pai fez, mas jamais será confortável falar sobre isso. Jamais será algo que você comenta com leveza, esse assunto vem sempre com muita dor”.
Luiz ficou 25 dias em Belo Horizonte, até ser transferido de volta para Juiz de Fora. “Ele foi torturado de diversas formas, apanhou muito, não deixaram ele dormir, o que é muito comum na tortura. Quando a pessoa não dorme, ela fica completamente destruída. Impedir que a pessoa durma por vários e vários dias faz a pessoa adoecer emocionalmente, então é uma forma de fazer ela falar”, relata a filha. “Como eles dizem, você ‘quebra’ a pessoa até ela não ter mais condições”.
“Políticas de memória, verdade e justiça são fundamentais para que a história não se repita, para que a barbárie não se repita”, defende Luiza. “Meu pai é uma pessoa de virtudes muito profundas, muito especiais, e quando penso na forma que ele foi tratado, como ele poderia ter morrido e, no caso, eu e o meu irmão não teríamos sequer vindo a este mundo, sempre me gera uma revolta muito grande. A mim e ao meu irmão”.
Ainda estou aqui
O filme Ainda Estou Aqui conta a história de tortura e assassinato do ex-deputado federal Rubens Paiva. Ele é uma adaptação do livro de mesmo nome escrito por Marcelo Rubens Paiva, filho do ex-deputado. Foi indicado a três categorias do Oscar, na quinta-feira (23), e recebeu o prêmio Globo de Ouro de melhor atriz na categoria Drama pela atuação de Fernanda Torres como Eunice Paiva, viúva do político.
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