Projetos sociais se mobilizam para garantir Natal de pessoas em situação de vulnerabilidade

Iniciativas em Juiz de Fora enfrentam queda nas doações, mas seguem levando presentes, comida e esperança a famílias vulneráveis


Por Mariana Souza*

18/12/2025 às 09h59- Atualizada 18/12/2025 às 13h56

O Natal, que para muitos é sinônimo de reunião e presentes, para centenas de famílias em Juiz de Fora depende da solidariedade de quem transforma afeto em ação. Histórias que começaram dentro de casa, em gestos simples, hoje sustentam projetos sociais que levam comida, brinquedos e esperança a crianças e famílias em situação de vulnerabilidade.

Em comum, essas iniciativas enfrentam um desafio cada vez maior: manter a magia do Natal em meio à queda nas doações, especialmente no período pós-pandemia. Entre fantasias, cartinhas e ceias compartilhadas, voluntários lutam para que o dia 25 chegue com dignidade para quem mais precisa.

Onde nasce a magia do Natal

Há mais de quarenta anos, Margarida Gomes entra em cena vestida de Mamãe Noel – mas tudo começou de um jeito simples e profundamente afetivo: com um pedido de aniversário do filho, que sonhava em encontrar o Papai Noel.

Para transformar aquele desejo em realidade, ela topou o desafio e se fantasiou do bom velhinho. Precisava ser perfeita. “Eu não podia nem rir, nem falar, porque ele ia reconhecer minha voz. Tudo que eu queria era dar esse presente pra ele”, recorda.

O encontro aconteceu, e a magia parecia completa. Só que, para o menino, aquilo era apenas o começo. Depois de viver a surpresa, ele quis espalhar a alegria: perguntou ao Papai Noel se ele também visitaria os vizinhos, conversaria com os amigos e distribuiria balas para todo mundo.

Margarida não teve como dizer não. Ao lado do esposo, comprou doces e saiu pelas ruas do bairro, levando a brincadeira adiante e estendendo o encanto a outras crianças da vizinhança. “Meu esposo foi comigo, comprou umas balas. A gente saiu distribuindo na rua, todo mundo ficou feliz”, conta.

E foi justamente a reação das pessoas que deu novo fôlego à história. Empolgado com a repercussão, o menino já fez outro pedido, pensando na próxima visita do bom velhinho: “Em vez de ser bala, no outro Natal poderia ser brinquedo?”, assim, nascia uma tradição.

No ano seguinte, Margarida foi além do próprio lar e transformou o gesto em corrente: doou brinquedos para 50 crianças do bairro Jardim Natal, na Zona Norte de Juiz de Fora. A notícia correu, a mobilização cresceu, e, em pouco tempo, aquele número mais que dobrou. Hoje, a tradição alcança mais de 1.500 crianças em situação de vulnerabilidade nos bairros Jardim Natal, Jóquei III, Milho Branco, Nossa Senhora Aparecida e Amazônia.

A festa organizada por ela virou compromisso de fim de ano – e tem roteiro que já é esperado: bolo, cachorro-quente e, claro, muitos presentes, distribuídos com o cuidado de quem sabe o peso simbólico daquele momento.

Só que, com o passar dos anos, manter a magia tem ficado mais difícil. Margarida conta que a ação social enfrenta, a cada Natal, mais obstáculos para arrecadar os recursos necessários. Prestes a passar por uma cirurgia no coração, ela admite que já não consegue sustentar tudo sozinha como antes. Cansada, tenta juntar dinheiro vendendo balas na rua, mas lamenta não dar conta de jornadas longas.

“Marquei a festa deste ano para o dia 21, mas ainda não consegui nenhum brinquedo. As crianças não sabem que o Papai Noel sou eu, mas acham que eu converso com ele e me ligam dizendo que estão ansiosos pelo encontro desse ano”, relata.

Para quem deseja contribuir com a ação, Margarida explica que é só entrar em contato diretamente com ela pelo telefone (32) 9148-8287.

Ser luz em tempos difíceis

Iniciado em 2019, o Projeto Ser Luz nasceu do que Malu Pacheco, uma das criadoras do projeto, descreve como uma vocação antiga para o cuidado com o outro. “Eu sempre participei de projetos sociais, desde a minha adolescência… tenho uma visão de mundo que a gente nasceu pra abençoar as pessoas. Então, na minha concepção, tudo que a gente tem, tudo que a gente recebe, a gente precisa partilhar com as outras pessoas”, afirma.

A partir dessa vontade, o grupo começou a se aproximar de instituições e serviços que atendem famílias em situação de vulnerabilidade. Foi assim que conheceram o Educandário Carlos Chagas e, na sequência, passaram a apoiar alguns CRAS, ajudando com suprimentos que, segundo Malu, não eram garantidos pelo poder público. O caminho também levou ao Curumim Vila Esperança, que se tornaria uma das frentes centrais do trabalho.

Desde então, o projeto mantém ações ao longo do ano tanto no Curumim quanto no Bairro Vila Esperança 2, Zona Norte de Juiz de Fora. E foi durante a pandemia que a atuação ganhou fôlego e urgência: por todo o período, o Ser de Luz intensificou o apoio às famílias, com entregas mensais de cestas básicas. “Nós iniciamos com a doação de cestas básicas… temos cadastrados no projeto 50 famílias do Vila Esperança 2. E aí, durante a pandemia, mensalmente nós entregamos cestas básicas para essas famílias”, relata.

Com o fim da pandemia, porém, a rotina de doações mensais ficou insustentável. Como alternativa, surgiu o Mercadinho Solidário, montado no Vila Esperança 2: os alimentos e produtos eram organizados como em uma pequena feira, e cada família podia escolher o que levar. “Cada família poderia pegar 5 alimentos da escolha deles. Além de um produto de higiene e um produto de limpeza”, explica Malu.

Além da assistência contínua, o projeto também organiza ações em datas simbólicas – Dia das Crianças, Páscoa e Volta às Aulas – e faz questão de manter o clima de celebração: tem lanche, brincadeiras e momentos de lazer. No Natal, a tradição envolve cartinhas e padrinhos que presenteiam as crianças. 

Mesmo já consolidado, o Ser de Luz atravessa um período mais difícil. Malu diz que a queda começou após a pandemia, quando a solidariedade que marcou aquele momento foi diminuindo. “A gente tinha muitos voluntários na época da pandemia… assim que a pandemia passou a gente sentiu uma queda muito grande. Tanto de ajuda de voluntários, quanto de doações”, lamenta. Por isso, algumas iniciativas ficaram pelo caminho como o próprio Mercadinho Solidário. 

Este ano, o projeto atende os bairros Vila Esperança e Vila Ideal e busca garantir a realização da festa de Natal para as crianças atendidas. As comemorações acontecem no Curumim, no bairro Vila Esperança, no dia 21 de dezembro, às 9h da manhã, e no bairro Vila Ideal, no dia 24 de dezembro, também às 9h da manhã.

Para que a ação seja possível, o projeto solicita doações de 10 quilos de salsicha, 40 garrafas de refrigerante (2 litros), 200 pães de cachorro-quente (tamanho médio), oito molhos de tomate, três quilos de batata palha, 200 copos de 200 ml, dois rolos de papel-toalha, 200 saquinhos para cachorro-quente, além de tomate, pimentão e cebola. Também são aceitas barras de chocolate ou bombons e contribuições via Pix (CNPJ 42.712.365/0001-99), destinadas ao pagamento dos brinquedos infláveis que fazem parte da programação. Quanto às cartinhas, elas podem ser adquiridas pelo Instagram do Projeto (@_projetoserluz). 

Quando ninguém solta a mão

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Fundado em 2021, o projeto garante ceias entregues diretamente às famílias na véspera de Natal, preservando o momento de celebração dentro de casa (Foto: Reprodução Redes Sociais)

Caçula de uma família com quatro irmãos, Rita de Cássia Menezes Santos Cypriano diz que a generosidade corre no sangue – um valor herdado e cultivado dentro de casa. “Na minha família sempre existiu essa ideia de generosidade, de pensar no outro. Minha mãe sempre fez isso, minha avó também, e a gente acaba criando valores a partir daí”, conta.

Com o lema “Ninguém solta a mão de ninguém”, o projeto idealizado por Rita nasceu em outubro de 2021, em meio à pandemia, com um objetivo claro: garantir que pessoas em situação de vulnerabilidade pudessem ter uma ceia de Natal digna. Rita faz questão de explicar o cuidado por trás da iniciativa. “Eu não dou comida para que eles comam junto comigo. Eu entrego a ceia para que eles levem para casa e possam ceiar com as suas famílias. Essa entrega acontece todo dia 24, para que cada um se organize em casa.”

Atualmente, 36 famílias estão cadastradas. A ceia é pensada para atender todas as pessoas que estarão naquela casa na noite de Natal. Além do alimento, o projeto também contempla as crianças com brinquedos. “Tem famílias que não têm criança, mas a maioria tem. E todas as crianças ganham um presente”, afirma. A partir das doações recebidas ao longo do ano, as famílias também levam cestas básicas, kits de higiene e de limpeza. “O que a gente tiver, a gente distribui.”

O projeto não atua em um bairro específico. Rita explica que a ajuda chega a pessoas de diferentes regiões da cidade – e, em alguns casos, nem sabe exatamente onde elas moram. “Hoje em dia é tudo muito virtual. A gente organiza horários, eles recebem uma senha para buscar no horário certo. Assim funciona melhor.” Além dos alimentos, há ainda a distribuição de roupas, calçados e utensílios domésticos, disponibilizados para que cada família escolha o que precisar.

Para viabilizar a ação, Rita conta com o apoio de amigos e com recursos arrecadados ao longo do ano. “A ação de Natal é patrocinada por amigos e pelas vendas que acontecem o ano todo. Eu faço lives para vender roupas – peças em bom estado, de qualidade e com preço acessível. Existe um público fiel, parceiro, que abraça o projeto. As arrecadações vêm dessas vendas”, explica.

Mesmo assim, as dificuldades permanecem. “Este ano ainda estamos precisando de muita coisa. Já conseguimos algumas doações, mas ainda falta bastante.” A ceia deste Natal, por exemplo, terá frango assado como prato principal. Rita já encomendou 50 frangos e precisa arcar com os custos. “Já paguei uma parte e estou trabalhando duro para conseguir o restante. A empresa que está fornecendo é uma microempresa de três irmãs que abraçaram a causa.”

Outro ponto sensível, segundo ela, é a conscientização sobre doações. “Chega muito descarte. Roupa mofada, suja, sem condição de uso. A gente precisa que as pessoas se coloquem no lugar do outro e pensem: ‘eu gostaria de ganhar isso?’ Não é descarte. Quem vai receber não é qualquer pessoa, é alguém que merece respeito”, ressalta.

O cuidado também se estende aos presentes das crianças. Rita explica que há um esforço para variar e garantir qualidade. “Se a criança ganhou bola no ano passado, este ano não vai ganhar bola de novo, vai ganhar um carrinho. A gente tenta comprar o máximo possível de brinquedos legais.” Entre os presentes deste ano estão lousa mágica, aqua play e bonecas com LED – itens escolhidos para tornar o Natal das crianças ainda mais especial.

Para contribuir com o projeto, Rita orienta que os interessados acessem o perfil do Instagram (@ninguemsoltaamaodeninguemjf) da iniciativa ou entrem em contato pelo WhatsApp (32) 8889-8792.

*Estagiária sob a supervisão da editora Carolina Leonel

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