Comerciante é condenado a 22 anos de prisão por morte de Jomara Amaral
Além dos 20 anos, Marcos André Canavellas Pereira terá que cumprir outros dois por se tratar de relações domésticas
Após cerca de dez horas de julgamento, o comerciante Marcos André Canavellas Pereira, 49 anos, foi condenado, nesta terça-feira (17), a 22 anos de prisão, em regime fechado, pela morte da esposa, Jomara Amaral, assassinada no dia 29 de dezembro de 2009. A sentença foi decretada no Fórum Benjamin Colucci e proferida pelo juiz Paulo Tristão por volta das 19h. Marcos André foi condenado pelo crime de homicídio triplamente qualificado, por meio cruel — pela quantidade de golpes de arma branca aplicados contra a vítima e excesso de sofrimento que ela passou antes de falecer —, motivo torpe — por ele ter desconfiado que Jomara o traía —, e por ter se utilizado de recursos que dificultaram a sua defesa, uma vez que a mulher foi surpreendida com golpes no momento em que se preparava para viajar com as filhas. Logo após a condenação, o comerciante foi preso, já que não foi concedido a ele o direito de recorrer da sentença em liberdade.
“Ele tem antecedentes criminais, é reincidente, o comportamento social dele também foi denegrido, em razão de seu envolvimento com drogas. As consequências foram muito sérias também para as filhas dele. Elas tiveram que passar por tratamento psiquiátrico, psicológico. A pena aplicada foi de 22 anos, com agravamento da reincidência”, declarou o juiz à Tribuna após a sessão no fórum. “Ainda cabe recurso, pode ser que diminua a pena. Decretei a prisão dele logo após o julgamento porque considero que ele é possuidor de maus antecedentes, é reincidente, é réu confesso e foi condenado por um homicídio gravíssimo, triplamente qualificado, e não haveria motivo algum para aguardar julgamento do recurso em liberdade”, afirmou Tristão. Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal, nessas circunstâncias, tem decidido pelo início imediato da pena. Marcos André, após o término do julgamento, foi encaminhado para o Ceresp.
Esta foi a segunda vez que o comerciante sentou no banco dos réus pelo mesmo crime. O primeiro julgamento, ocorrido em 2015, foi anulado após apelação do Ministério Público, com base na tese de que a decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária à prova dos autos, resultando em uma pena de dez anos, considerada baixa.
Conforme o juiz Paulo Tristão, na época, os jurados reconheceram o privilégio da violenta emoção, “após uma suposta injusta provocação da vítima. Ela teria admitido uma traição, e ele, dominado por violenta emoção, passou a esfaqueá-la”. O Tribunal entendeu que não havia prova nos autos que confirmasse este relato e determinou a realização de um segundo julgamento. “O novo conceito de sentença hoje afastou esse privilégio, sendo possível reconhecer o motivo torpe, porque o privilégio e o motivo torpe são incompatíveis”, esclareceu o magistrado.
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‘Foi um ato de possessividade, machismo’
Na data em que Jomara foi assassinada, em 2009, ainda não havia o reconhecimento de feminicídio, a perseguição e morte intencional de mulheres, agora classificado como um crime hediondo no Brasil. Mas já havia a Lei Maria da Penha, o que agrava o crime praticado em razão de violência doméstica. “A decisão dos jurados repercute em todos os cantos da cidade. Não só através da imprensa, mas também do ambiente familiar do acusado, da vítima, no Ceresp, quando ele chegar lá, em toda a sociedade. Os jurados, enquanto julgadores, dão o norte do que a sociedade aceita e o que ela não aceita. Antigamente, nos cantões das Minas Gerais, se aceitava inclusive a absolvição baseada na legítima defesa da honra, quando a mulher traía o marido. O contrário, no entanto, nem sempre acontecia. Mas as mulheres traíam, os maridos matavam e os jurados absolviam. Há tempos isso não acontece, nem nos mais longínquos destinos”, relata Paulo Tristão.
Para o juiz, com a pena imputada a Marcos André, Juiz de Fora diz claramente “não” a este tipo de crime. “Não é aceitável o marido matar a mulher e nem o contrário. Traição não é caracterizador de uma violenta emoção. Até porque, no caso de hoje (ontem), eles já estavam separados de fato, e a intenção de Jomara de se separar judicialmente já tinha sido manifestada. Eles sequer estavam morando juntos. O que o Ministério Público colocou e foi aceito é que foi um ato de possessividade, machismo.”
Ao contrário do primeiro julgamento, quando Marcos André foi condenado a dez anos, desta vez a família de Jomara ficou satisfeita com o resultado. “Foi muito mais do que esperávamos. Graças a Deus a Justiça foi feita, foi uma ótima condenação! Agora o coração está em paz, aliviado! Ele saiu daqui preso, e isso nos causa uma sensação de alívio. Terminou com uma vitória, vitória da Justiça e de todos que ajudaram: o promotor, o advogado e as meninas do Coletivo Maria Maria que participaram conosco desse sofrimento”, declarou emocionada a despachante Denise Amaral, 49 anos, irmã de Jomara.
Ato pede justiça
Antes do início da sessão, marcada para às 9h30, um movimento por justiça tomou conta da porta do Fórum Benjamin Colucci. Cartazes contra a violência que fere e tira a vida de tantas mulheres foram espalhados no chão pelas integrantes do Coletivo Maria Maria. Apesar de ter confessado o crime, Marcos André respondeu em liberdade durante esses quase nove anos em que a família de Jomara lutou por sua prisão.
Nesta terça-feira, ele chegou sozinho ao Fórum para o segundo julgamento. As duas filhas não compareceram à sessão. Na época do crime, elas tinham 10 e 12 anos e chegaram a ver a mãe ferida, ensanguentada no corredor de acesso à residência onde moravam, na Avenida Olegário Maciel, no Bairro Paineiras, região central, e precisaram passar por tratamento psicológico em decorrência do trauma.
Atualmente com 19 e 21 anos, as jovens foram representadas pelo assistente de acusação Nelson Rezende Júnior. De acordo com ele, as duas desejavam a condenação do pai por entenderem que Marcos André matou Jomara de “maneira covarde”.
Julgamento
Em seu interrogatório, acompanhado pela Tribuna, na manhã desta terça-feira, Marcos André insistiu na tese de que teria agido “sob forte emoção” ao descobrir uma suposta traição da esposa por meio de contatos telefônicos, quando ele ainda passava por tratamento pela dependência de cocaína. O comerciante afirmou não se recordar do momento exato em que desferiu os golpes contra a vítima. O réu disse ter sacado o canivete que estava junto ao seu chaveiro do carro e apenas ter visto depois sua mão suja de sangue. “Matei no impulso, quando ela disse que ia para Cabo Frio ficar com outra pessoa.” Jomara teria sido surpreendida por volta do meio-dia, quando chegava em casa para viajar com as filhas para a Região dos Lagos. A vítima sofreu pelo menos seis perfurações cortantes. Duas delas atingiram o pulmão e o coração, causando a hemorragia que levou ao óbito.
Jomara apresentava marcas de agressão quando o socorro chegou. Apesar das denúncias de que o réu já havia agredido a mulher outras vezes, ele alegou “nunca ter encostado a mão nela”, voltando atrás logo depois ao admitir “uma bofetada”. Ele também afirmou ter cortado algumas roupas da mulher, mas não soube explicar o motivo. O homem ainda disse que a própria vítima teria “pulado do carro em movimento”, quando a denúncia era de que ela teria sido empurrada de dentro do veículo. Denise Amaral afirmou que a irmã havia sido espancada cerca de uma semana antes de ser morta, durante uma festa. “Ela já estava se separando dele e sendo ameaçada de morte.”
O juiz lembrou durante o julgamento que a conclusão do laudo psiquiátrico forense é de que Marcos era plenamente capaz, na época, de responder por seus atos e de entender o caráter ilícito da sua conduta. “Eu errei, mas só eu sei o que passei. Fui fraco, mas estou aqui para ser julgado”, disse o réu perante o Tribunal.