Tempos de conversas divergentes ‘Nós não somos treinados para o diálogo’


Por BÁRBARA RIOLINO Fernando Guilhon, coordenador do Dialogar

17/04/2016 às 07h00

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A definição da palavra “diálogo” segundo o dicionário Houaiss, consiste na troca de palavras entre dois ou mais indivíduos sobre um ou mais assuntos. Nos dias de hoje, as pessoas estão se comunicando mais, principalmente por meio da internet e de todas as ferramentas agregadas a ela, mas isso não quer dizer que elas estejam em um profundo diálogo. Pelo contrário. O que se vê atualmente é a expressão nua e crua de opiniões. Se forem divergentes, então, a “conversa” parte para a agressão, o desrespeito e, em muitos casos, a violência.

Nesta segunda e terça-feira, dias 18 e 19, o Dialogar, Central de Mediação Extrajudicial do Núcleo de Práticas Jurídicas da UFJF, promove o seminário “A arte do encontro através do diálogo”, que busca, exatamente, reverter este cenário. “Queremos mostrar como o diálogo pode ser mais profundo e positivo para a sociedade. O conflito precisa ser encarado como positivo, e não negativo, o que induz a uma conduta destrutiva. Os conflitos hoje são fomentados pela ausência de diálogo”, explica Fernando Guilhon, coordenador do Dialogar. Ele acrescenta que o objetivo do evento é abranger vários cursos, pois a programação contempla temas voltados para a arte, educação, psicologia, saúde, entre outros.

Extrajudicialmente

O Dialogar é um braço do Núcleo de Práticas Jurídicas da Faculdade de Direito da UFJF. Por meio dele, é possível solucionar, de forma extrajudicial, problemas provenientes de relações continuadas, como conflitos familiares, divisão de patrimônio, assuntos empresariais e de convivência. Recentemente, o projeto foi agraciado com a menção honrosa pelo prêmio “Conciliar é legal”, concedido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A premiação reconhece as práticas de sucesso, estimulando a criatividade e disseminando a cultura dos métodos consensuais para resolução dos conflitos.

Entrevista

Coordenador do Dialogar, Fernando Guilhon fala nesta entrevista sobre os conflitos que vêm sendo travados nas redes sociais e sobre a necessidade de a sociedade aprimorar o exercício de saber ouvir. Guilhon ressalta ainda que as pessoas hoje no país não são treinadas para o diálogo, o que pode ser fruto de uma geração criada durante a ditadura militar. Como exemplo, ele cita a escola, que, embora esteja passando por reformulações, ainda demonstra graus de autoritarismo. O coordenador lembra, finalmente, dos conflitos de temática política, que são centrais neste momento no país. E como podemos lidar com isso? “Através do diálogo”, ensina, lembrando que “dialogar é buscar conhecimento sobre a posição do outro”.

– Tribuna – Com as redes sociais e demais ferramentas de comunicação, a sociedade poderia estar mais aberta para o diálogo, porém, o que se vê não é bem isso. A que você atribui este comportamento?

– Fernando Guilhon – Atribuo à forma como elas são utilizadas. As redes facilitam a sua fala, mas não a sua locução. Isto acaba incentivando o conflito, e ele passa a ser tratado de maneira destrutiva, pois você não consegue ouvir o outro. Na verdadeira comunicação, um percentual muito reduzido pertencente à palavra escrita ou falada. A parte maior está no gestual, no tom de voz, no contato visual e no coração que se coloca na conversa. As redes sociais não permitem este alcance. Elas propagam a expressão da opinião, mas não o diálogo. Posso expressar minha opinião, mas para a construção do diálogo, eu preciso ouvir. Ouvir é um exercício que a sociedade precisa aprimorar.

– Qual seria a diferença entre dialogar e expressar opinião?

– Partimos do principal princípio, que é a escuta ou a observação ativa. Na mediação, aplicamos a teoria do iceberg: aquilo que fica acima da linha de superfície seria a nossa posição, mas o verdadeiro interesse está naquilo abaixo da água, que é muito maior do que é exposto. Numa conversa dialogada, a ideia é essa: sair da posição e entender o verdadeiro interesse da pessoa, onde ela quer chegar e os motivos que a levaram a tomar tal posição. O diálogo exige esta percepção para iniciar a compreensão entre as partes. A expressão de opinião é o contrário disso. Fala-se, mas não tem um interlocutor. Você precisa ouvir bem para compreender e fazer com que os encontros sejam possíveis. Por isso a escolha de nome para o seminário. É o encontro que vai promover o diálogo.

– A sociedade, então, expressa mais sua opinião do que dialoga?

– Nós não somos treinados para o diálogo. Acredito que isto seja fruto de uma geração criada durante a ditadura militar. Temos como exemplo a escola, que, embora esteja passando por reformulações, ainda demonstra graus de autoritarismo. A participação dos alunos para os rumos dela ainda é muito reduzida, pois eles ainda devem servir e obedecer ao professor. Não formamos cidadãos capazes de ouvir, mas de reproduzir este comportamento.

– Percebe-se um acirramento da intolerância, especialmente quanto às questões religiosas, políticas e de gênero. Por que isso ocorre?

– Entendo como a falta de diálogo, pois cada um constrói o seu mundo e, até para se sobressair, sente-se na obrigação de criticar. Esta falta de empatia, de inverter os papéis e de se colocar no lugar do outro, gera este tipo de problema. Quando as pessoas passam a compreender os interesses, as posições e os motivos que a levaram a adotar determinada postura, esta posição radical vai se diluindo aos poucos. Você só consegue entender o mundo do outro se você entrar e ouvir o que ele tem a dizer e o que está no seu coração, e não tratá-lo com violência, com repressão e com ódio. Quando você entende o mundo e a cultura de um povo, você passa a ter mais conhecimento e se enriquece culturalmente.

– Com a polarização política, as pessoas se mostram muito mais dedicadas a falar do que a ouvir. O que se perde com isso e qual o caminho para reverter essa tendência?

– O que se perde são as soluções que poderiam ter sido construídas. A ausência do diálogo e da construção cria um vácuo de diálogo e faz com que as posições sejam muito consolidadas nos dois aspectos. O conflito é inerente à sociedade e o de temática política é um deles. E como podemos lidar com isso? Através do diálogo. O que isso vai trazer de construtivo para a sociedade? Quando as pessoas passam a dialogar, elas entram no caminho da cooperação. Negociando a solução é que se constrói uma terceira via. O conflito é positivo, pois sem ele não teríamos a indicação de que algo está errado e a sociedade não avança. O que esta crise está nos dizendo? Que precisamos de uma reforma política, da necessidade de reformulação do sistema político e previdenciário. O fato de não ouvir faz perder a oportunidade de evoluir.

– Quais atitudes e comportamentos poderiam ser evitados por meio do diálogo?

– Atitudes agressivas e atos de violência física e psicológica, que, muitas vezes, são frutos da ausência de diálogo. O fato de alguém não lhe dirigir a palavra e não saber os motivos que levaram você a tomar determinada atitude é, por si só, um tipo de violência. Isso é uma bola de neve. Por isso é importante tratar o conflito de maneira adequada, tanto positivamente como negativamente. Na teoria do conflito, ou se aumenta a espiral ou se reduz. O diálogo está sempre relacionado à redução. Minimizamos até chegar à cooperação. Não existe razão para a agressividade pura, simples e natural. A sociedade hoje está agressiva, pois falta cooperação.

– A filósofa Márcia Tiburi, autora do livro “Como conversar com um fascista”, diz que o “diálogo não é a conversa entre iguais, mas uma conversa real e concreta entre diferenças que evoluem na busca do conhecimento e da ação que dele deriva”. Você concorda com ela?

– Concordo totalmente. Dialogar é buscar conhecimento sobre a posição do outro. É a teoria do iceberg mais uma vez. Conhecer o mundo do outro é fundamental e para você conversar com um desigual, você precisa se deslocar do seu mundo, e isso não é fácil. Estamos treinados em ter apenas um conceito sobre determinada coisa e não ter flexibilidade. Na compreensão vem o respeito e a tolerância. Isso faz com que você evolua e expanda seu horizonte. Hoje não sabemos construir isso.

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