Meio século de história: o Calçadão da Halfeld e a economia de Juiz de Fora

Espaço se tornou referência para o comércio local, unindo tradição com modernidade 


Por Nayara Zanetti

16/11/2025 às 06h00

O Calçadão da Rua Halfeld completou 50 anos de história no último sábado (15). Durante essas cinco décadas, inúmeras pessoas passaram pelo local, milhares de eventos aconteceram, lojas foram inauguradas, outras fecharam suas portas, mas ele se manteve como parte da identidade da cidade. Caminhar pelo Calçadão hoje é mais do que um passeio, é uma viagem no tempo e um mergulho nas memórias de uma Juiz de Fora que combina a tradição com a modernidade. É ter a certeza de que, a cada passo, você vai se deparar com a essência do comércio de rua: os trabalhadores ambulantes oferecendo doces típicos da cidade, como o amendoim torrado e o coquinho; os tradicionais engraxates; e os que trabalham para ourives, possíveis de avistar de longe com a roupa escrita ‘compro ouro’.

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Foto: Leonardo Costa

Esses personagens que resistem ao tempo convivem lado a lado com as grandes lojas de departamento e as mais recentes franquias nacionais, criando um mistura comercial e cultural que só o Calçadão da Halfeld pode oferecer. Em homenagem, a Tribuna produziu uma série de matérias que ressaltam a importância econômica, política e cultural daquele que é o coração de Juiz de Fora. 

Para muitos juiz-foranos, o Calçadão não é apenas um lugar de passagem ou de fazer compras, na verdade, ele guarda uma memória afetiva e cultural e esse é um dos pilares que sustentam sua relevância econômica. Desde sua inauguração, o espaço testemunhou e participou ativamente da vida juiz-forana. “Ele faz parte da história de Juiz de Fora. Por ele passaram e passam personalidades juizforanas, eventos que fazem parte da cultura da cidade, principalmente sendo um local de encontro de amigos ou mesmo um centro comercial a céu aberto com suas várias galerias,” afirma Danilo de Oliveira Sampaio, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), especialista em consumo e gestão sustentável. 

A longevidade do Calçadão não se deve apenas à sua história, mas à sua capacidade de adaptação. Ao longo dos anos, manteve-se o charme do piso em pedras portuguesas, mas a iluminação foi revitalizada e novas lojas, bancos e franquias trouxeram um ar de modernidade. “Mostra que houve um ajuste ao mundo contemporâneo. Novas vitrines, novas marcas,” pontua Sampaio, destacando a habilidade do Calçadão em interagir com as tendências sem abdicar de sua identidade. 

Quando tudo começou 

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Foto: Leonardo Costa

Quem presenciou toda a história do Calçadão desde sua inauguração foi Eduardo Delmonte, de 76 anos, que abriu a loja Arpel no local há exatos 50 anos. “Para a época, foi uma coisa fantástica a cidade ganhar um Calçadão, porque a Rua Halfeld era o ponto de encontro. Até então, toda a juventude se encontrava na Rua Halfeld, os sábados e domingos eram maravilhosos, onde surgiam os flertes, os namoros”, recorda. A escolha pela Halfeld foi quase involuntária para Eduardo, que veio de uma família de comerciantes e seguiu no varejo de calçados, aproveitando um imóvel que seu pai havia adquirido na esquina. A Rua Halfeld, segundo ele, tinha um “glamour muito grande” na época, abrigando as “etiquetas importantes da cidade”. 

Hoje em dia, o empresário lamenta o cenário da rua. Para ele, a revitalização do espaço é essencial para reviver a importância que o Calçadão um dia já teve, com foco na organização e na regularização do comércio. Ele critica a falta de fiscalização e a ocupação irregular dos espaços, porém afirma que ainda tem esperança de mudanças. “A Rua Halfeld ainda é um lugar maravilhoso, mas um pouco esquecido pelo Poder Público. Essa é a rua mais importante da cidade. Não existe nada mais importante para a história de Juiz de Fora, todas as manifestações e eventos culturais marcantes aconteceram aqui. Já que é o local mais visto, vamos olhar com olhares mais bondosos para a nossa querida Rua Halfeld.” 

Lojistas e clientes que fazem o Calçadão 

 

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Foto: Leonardo Costa

Com 61 anos, Paulo Sérgio Oliveira Marcelino é um dos rostos mais conhecidos do Calçadão, dedicando 38 anos de sua vida a lustrar sapatos e, mais recentemente, a consertá-los. Natural de Recreio, Paulo chegou a Juiz de Fora em 1970 com seu pai em busca de oportunidades. Antes de se dedicar ao ofício de engraxate e sapateiro – aprendido com o irmão que trabalhava ao lado do Cine-Theatro Central –, ele teve diversas ocupações, mas nada se compara com ter o Calçadão como local de trabalho. “Eu aprendi o ofício de engraxate porque tinha um irmão que veio trabalhar aqui ao lado do Central, com o senhor Pedrete. E o meu irmão falou que daria para ganhar um salário bom”, recorda Paulo, que começou em 1983. Hoje, seu negócio não é apenas um local para engraxar sapatos, mas também para consertar e refactorizar o couro. 

A tradição dos engraxates na rua é algo que Juiz de Fora mantém, diferentemente de muitas outras cidades. Paulo relembra que, no início, havia mais de 60 engraxates e ele chegava a atender 75 a 80 pessoas por dia. Hoje, a média é de 30 clientes, mas a profissão persiste. “É uma profissão que eu costumo dizer que resiste ao tempo”, pontua. Agora, ele tem uma clientela fixa e passa a atender as novas gerações dessas famílias. Trabalhar na rua mais movimentada da cidade é, para Paulo, “maravilhoso”. “Porque aqui a gente conhece pessoas diversas, né? A gente acaba fazendo amigos”, conta. Para ele, o Calçadão é o “coração” de Juiz de Fora. “As pessoas que vêm de fora chegam aqui e perguntam onde está o Calçadão. E, às vezes, ele está inserido dentro do Calçadão, mas não conhece, faz a pergunta e eu falo assim: você está na melhor rua de Juiz de Fora.” 

Heloísa Alves Pereira, de 67 anos, moradora de Juiz de Fora, é frequentadora assídua do Calçadão. Para ela, o local é repleto de “muitas memórias”. “Todo final de semana, eu venho passear por aqui, ver as lojas”, diz, revelando um hábito de compras cultivado ao longo dos anos. Heloísa acredita que o comércio do Calçadão já esteve mais em alta em outras épocas. Ela aponta a limpeza e a pouca diversidade de lojas como os principais pontos a serem melhorados. “Hoje eu acho que a Rua São João está ganhando. São João está com mais loja, mais beleza.” No entanto, ela reconhece a utilidade do Calçadão para suas necessidades diárias. “Pelo comércio que é, tem mais prestação de serviços, por exemplo, farmácias, lojas mais populares. Se você quiser uma loja melhor, você vai na São João ou no Mister Shopping, né?”. 

Referência e inovação 

O presidente do Sindicato do Comércio de Juiz de Fora (Sindicomércio JF), Emerson Beloti, enxerga o Calçadão como referência do comércio local. “O comércio de Juiz de Fora se refere, de certa forma, a uma rua muito importante, que é o Calçadão da Rua Halfeld”, afirma Beloti. Ele relembra que, há 50 anos, a Rua Halfeld já era um eixo fundamental, especialmente na parte mais baixa da via. “E, depois, o comércio e as coisas foram evoluindo mais para cima da Getúlio Vargas, e aí se tornou necessário fazer o Calçadão.” 

Essa transformação não só atendeu a uma demanda de crescimento, mas consolidou o espaço como um verdadeiro cartão-postal da cidade. “Hoje, é uma referência, não só para Juiz de Fora, mas para todas as pessoas que vêm à cidade e querem visitar o Calçadão, porque é muito famoso. São milhares de pessoas que frequentam e querem conhecê-lo. Acabou virando um marco, uma referência”, destaca Beloti. Para ele, a “grande importância que o Calçadão possui hoje” reside em ser, além de uma via importante, “uma referência para o comércio do Centro de Juiz de Fora.” 

No cenário atual, o Calçadão da Halfeld se distingue dos grandes shoppings, segundo Sampaio. Enquanto estes buscam reinventar a experiência de consumo com serviços, o Calçadão aposta na fusão do tradicional com o novo, valorizando o atendimento personalizado. “Vendedores sem pressa e com cuidados junto a idosos, famílias, formam um perfil específico,” observa o especialista em consumo e gestão sustentável. As galerias adjacentes, parte intrínseca do complexo comercial, permitem um fluxo maior de pessoas e uma grande diversidade de serviços que se integram por meio da Rua Halfeld. 

O professor aponta que as últimas décadas trouxeram um consumidor mais consciente e digitalizado, impulsionado por preocupações com sustentabilidade e tecnologia, e este novo perfil faz com que questionamentos importantes para o comércio do Calçadão sejam levados em consideração. “Será que o comércio do Calçadão está preparado para isso? Existem ações que promovem um consumo consciente, sustentável? A tecnologia é ajustada aos jovens e idosos? A IA tem sido aplicada no relacionamento do pós-venda?”, indaga Sampaio. Para ele, investir em gestão profissional e valorizar os colaboradores não são mais opções, mas necessidades imperativas. 

Além de sua função comercial, o Calçadão é um pilar econômico para o Centro da cidade e para Juiz de Fora como um todo. “O Calçadão é do povo. É uma questão cultural,” reitera Sampaio, enfatizando a necessidade de sua preservação pelo Poder Público como referência de serviços. As empresas, por sua vez, devem abraçar a criatividade, investir em atendimento de excelência, proporcionar melhores condições de trabalho, e incorporar diversidade, sustentabilidade e tecnologia em suas gestões. 

Revitalização do Centro Histórico

Em abril deste ano, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) anunciou o plano de requalificação do Centro Histórico, com a criação do Centro de Comércio Popular e repaginação do Calçadão nas ruas Halfeld, Marechal Deodoro e Batista de Oliveira e da Avenida Getúlio Vargas. Na época, o projeto dependia da aprovação do empréstimo junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), que totaliza um investimento de R$220 milhões. De acordo com a PJF, em resposta enviada à Tribuna na última quinta-feira (13), o projeto já foi aprovado pelo BNDES. A previsão é de que a formalização dessa aprovação seja encaminhada ao Município na próxima semana, por meio de ofício do banco. 

Para o professor da UFJF, a revitalização do espaço físico do Calçadão, sem perder sua essência cultural e tradicional, é um caminho para impulsionar ainda mais sua economia. “O jeito mineiro e a modernidade juntos,” resume Sampaio. Ele sugere a instalação de totens interativos que possam guiar visitantes por pontos comerciais e turísticos, além de serviços públicos e a programação cultural da cidade. A criação de espaços dedicados a diferentes públicos, como áreas para crianças com recreadores e locais confortáveis para idosos com facilidades de mobilidade, também seriam iniciativas valiosas.

“O comportamento do consumidor é uma função de gestão profissional, assim, é fundamental a profissionalização das empresas do Calçadão. Para isso, parcerias com o Sebrae e a UFJF, na Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, podem dar suporte às micro e pequenas empresas locais”, diz o especialista. 

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