Quando o trabalho é a chance de recomeçar a vida
Com uma enxada na mão, durante oito horas por dia, os pensamentos de Emmanuel Fabrício de Jesus, 26 anos, não estão somente na capina das ruas de Juiz de Fora. Vão além. Sua cabeça elabora planos de reencontrar a família em definitivo, depois de sete anos. Preso por tráfico de drogas em 2010, na cidade de Varginha, no Sul de Minas Gerais, Emmanuel, foi transferido para Juiz de Fora em 2014 e, há quatro meses, trabalha no projeto do Sistema Prisional com o Demlurb e encontrou, na função, a chance de recomeçar sua vida. “Sei que errei, mas estou tentando consertar através dessa oportunidade de trabalho. Além de ser bom para nossa cabeça, ajuda na remissão da pena. Espero sair até o final do ano e reencontrar minha família em Varginha.”
Enquanto os trabalhadores celetistas contam os 30 dias para receber o salário no final do mês, atrás das grades, o tempo é calculado de forma decrescente, e, a cada três dias de trabalho na prisão, um é diminuído na pena. Assim, os presos encontram na atividade um caminho para a ressocialização, já as empresas buscam neste grupo mão de obra qualificada e mais barata, porque o custo de um trabalhador detento é reduzido. A remuneração para um preso é de três quartos do salário mínimo.
Vários setores
Minas Gerais é o estado que mais emprega presos na região Sudeste. De acordo com a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap), dos 68.551 presidiários, atualmente, 16.384 do regime semiaberto atuam em diversos setores, como cozinha, confecção de roupas, móveis, eletroeletrônicos, construção civil, indústria alimentícia, autopeças, horta, artesanato e limpeza urbana. Neste último, além de Emmanuel, trabalham outros 102 homens e 17 mulheres somente em Juiz de Fora. Em um galpão no Ceresp, também atuam outros 89 presos (56 homens e 33 mulheres ), que produzem três mil cuecas por dia, que são comercializadas em diversas regiões do país. Na Penitenciária Professor Ariosvaldo Campos Pires, cerca de 30 mulheres também fabricam cuecas. Enquanto, na mesma prisão, há oito detentos responsáveis pelo processo de passagem e embalagem de meias. Segundo a Seap, outros 160 detentos exercem diversas atividades internas nas unidades prisionais de Juiz de Fora. Ao todo, na cidade, hoje estão em atuação 399 presos.
Magistrado lembra aspecto nocivo do ócio
Para o juiz da Vara de Execuções Criminais, Evaldo Gavazza, a privação da liberdade traz um aspecto altamente nocivo, que é o ócio, pois o cárcere é um ambiente de violência e temor. Por isso o tempo ocioso passa a ser uma tortura a mais para o detento. Daí, a importância das parcerias com as empresas para oferecer trabalho a este grupo. O juiz explica que, antes de ir para o trabalho externo, o custodiado precisa ser aprovado pela Comissão Técnica de Classificação (CTC), equipe formada por servidores dos setores de saúde, segurança, jurídico e social, que avaliam os quesitos correspondentes a cada área.
“Todo sistema de execução de penas está assentado em duas bases: responsabilidade e confiança. Para o detento ter direito ao trabalho, a lei exige um determinado tempo de cumprimento da pena. Devemos lembrar também que tinha gente da família do preso que dependia financeiramente dele antes de ir para cadeia. Por isso, sem trabalho, não há como ressocializar ninguém.”
40% da limpeza e capina são feitas por detentos
Segundo o diretor geral do Demlurb, Jefferson Rodrigues, a parceria que permite o trabalho dos presos começou em 2015 e contempla 120 trabalhadores. O diretor considera a mão de obra dos detentos de boa qualidade e acrescenta que, se não pudesse contar com eles, a capacidade de atender a cidade seria prejudicada. “A parceria é de suma importância para nós e para eles. Hoje os detentos representam cerca de 30% a 40% do serviço de limpeza e de capina nas ruas de Juiz de Fora. Sem eles, nós não conseguiríamos atender a cidade de maneira satisfatória”, destaca Rodrigues, que acredita que, se o Seap pudesse ceder mais trabalhadores, o Demlurb iria absorver essa mão de obra. No entanto, esbarra na falta de agentes penitenciários para fazer a escolta dos detentos.
O problema também é lembrado pelo juiz da Vara de Execuções Criminais, Evaldo Gavazza. Segundo ele, foram ofertadas 240 vagas para os detentos no projeto do Demlurb, mas muitos que têm condições de ingressar no trabalho ficam impedidos por conta da falta de efetivo dos agentes penitenciários.
De acordo com o diretor executivo do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciários de Minas Gerais(Sindasp-MG), Everaldo Márcio da Silva, são apenas dois agentes acompanhando 25 ou 30 homens nos trabalhos externos. Como já foram registradas seis ocorrências de fugas de presos durante o trabalho, desde o início do projeto, há a necessidade de contratação de novos agentes, além de fazer um mapeamento das áreas de risco de Juiz de Fora, para que, tanto os agentes, quanto os presos tenham mais segurança. “Já encaminhamos um pedido ao diretor da Seds para que, junto com as polícias Civil e Militar e também o Demlurb, façam um levantamento das áreas de risco da cidade. Com o mapeamento, a Seds terá condições de fazer uma triagem para saber qual detento poderá ir para aquele local”, afirma o sindicalista.
Tornozeleira
A solução apresentada pelo juiz da Vara de Execuções Criminais para aumentar o número de trabalhadores detentos é o uso de tornozeleira eletrônica. Segundo o juiz, o equipamento irá delimitar os passos do presos e, caso haja violação, o preso perderá todos os benefícios já adquiridos.
OAB lamenta extinção de projetos nas prisões
Apesar da oportunidade dada aos internos das unidades prisionais, a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Cristina Guerra, afirma que o papel do Governo do estado não está sendo cumprido de forma plena. Segundo ela, vários projetos que existiam dentro dos presídios foram extintos por falta de investimento. Além disso, o salário que é enviado para Belo Horizonte demora até seis meses para ser pago aos detentos. “Não existe um investimento para que as pessoas se ressocializem. Como eles entraram lá, a culpa é deles, mas como eles vão sair, a culpa é nossa. Como posso querer que os detentos tenham um bom convívio com a sociedade se eles não conseguem atividades dentro da cadeia para se ressocializarem?”, questiona.
Essa tem sido a oportunidade de Emmanuel Fabrício de Jesus , no Demlurb. Ele diz nunca ter sofrido discriminação nas ruas, e isso o ajuda a ganhar confiança para quando tiver, de vez, a liberdade. Mas além da confiança e responsabilidade, que é dada a homens como ele, o juiz da Vara de Execuções Criminais, Evaldo Gavazza, ressalta um terceiro: “Converse com alguém que concedeu esse benefício a um detento. Ninguém se arrepende de ter dado essa oportunidade. O benefício é mútuo”, finaliza.