Ainda sob impacto da pandemia, Enem acontece no domingo
Em relação à média de inscritos nos dois últimos anos, houve uma queda de 30% na quantidade de candidatos em JF; retorno do ensino presencial impõe novas demandas aos professores

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), criado em 1998, é uma das provas mais importantes na vida de um estudante. Especialmente a partir de 2009, quando a nota do exame passou a ser critério de seleção para universidades públicas e privadas. Com a pandemia, os candidatos passaram a estudar on-line e, nos dois últimos anos, precisaram realizar o teste com uma pressão dupla, pois, além das questões para resolver, os estudantes tiveram que tomar todos os cuidados para não serem contaminados com a Covid-19.
As provas da edição 2022 serão aplicadas neste domingo (13) e no próximo (20). Em Juiz de Fora, são 10.060 inscritos no Enem Impresso e 492 no Digital, um total de 10.552 cadastrados, 1% a menos em comparação ao ano passado, que teve 10.641 inscritos no total. Em relação a 2020, que teve um total de 19.350 inscritos, a queda é de 45,46%. A média de inscritos nos dois últimos anos é de 14.995,5, o que revela aproximadamente 30% de queda em comparação ao número de candidatos deste ano, mesmo agora, com a retomada do ensino presencial e o fim dos protocolos de segurança da pandemia.
A percepção da coordenadora do Colégio Cave, Claudia Mercês de Souza, é que, com o retorno do presencial, manter o foco dos alunos tem sido o maior desafio. “A convivência não é a mesma, os alunos apresentam muitos sintomas de ansiedade, fobia social e estão inquietos. Além disso, as redes sociais tiram a concentração, pois eles ficam muito tempo on-line”.
A graduanda em História e professora do cursinho Garra, da UFJF, Maria Beatriz Ragon, 21, relata que houve grandes mudanças neste retorno. “Acho que a mais latente é em relação à participação e engajamento dos estudantes nas atividades propostas. Eles parecem se interessar e se envolver mais. Mas acho que daqui para frente vamos enfrentar muitos problemas ainda, acho que muitos ainda não sabem como lidar com o presencial totalmente, mas vamos aprendendo juntos.”
Turmas mais participativas
O professor de redação do Curso Aporia, Waldyr Imbroisi, concorda que, com o pós-pandemia, mudanças significativas no ensino preparatório do vestibular se tornaram necessárias. “Nas aulas deste ano, senti a necessidade de enxugar um pouco o volume de conteúdo e aumentar a leitura e análise de redações em sala. Com relação aos alunos, muito embora estejam com uma base menos sólida do que teriam se tivessem concluído o ensino médio presencialmente, sinto que eles estão aproveitando mais o espaço da sala de aula. Foi o ano em que as turmas estiveram mais participativas.”
O professor de história do Polivalente de Benfica Carlos Eduardo observa duas realidades distintas enquanto professor da rede pública e privada. “No particular foram oferecidas em quase normalidade as aulas e os conteúdos, apesar de todos os impactos que os alunos também tiveram, como a falta do convívio social. Agora, na rede pública, a realidade é completamente outra, principalmente no Estado de Minas, no qual foi criado um programa de ensino que, no meu entendimento, foi um completo fiasco.”
Segundo ele, a queda de inscritos no Enem certamente está ligada ao enfraquecimento das políticas públicas, “que impuseram muitas dificuldades para, principalmente, os jovens mais pobres e periféricos pudessem se inscrever para fazer a prova”. “Na minha visão, o fato está ligado com o atual Governo, que se comportou como um inimigo dos estudantes pobres ao invés de buscar a inclusão de todos.”
Entre o trabalho e a escola
A diretora de ensino do Colégio de Aplicação João XXIII, Giselle Moreira, para além da lacuna infligida pela pandemia, avalia a queda no número de inscritos no ciclo pandêmico como uma consequência da situação socioeconômica de muitos estudantes.
“No Colégio de Aplicação João XXIII temos um número expressivo de pessoas que hoje trabalham, esse número aumentou assustadoramente nos últimos anos, e essa condição impacta no tempo e condições de estudos, adia ou rompe com os sonhos da juventude de cursar uma universidade. É necessária uma política de renda, de assistência estudantil para a juventude com vidas precarizadas, para que o sonho de cursar uma universidade não se restrinja à população favorecida economicamente. Foram muitos anos de lutas e conquistas para democratizar a universidade, e houve um retrocesso nos últimos anos, infelizmente.”.
A estudante do terceiro ano do ensino médio da Escola Estadual Duque de Caxias Miriã Carolina Mantovani, 18, afirma que a pandemia afetou completamente sua formação. “Não me sinto preparada o suficiente. Quando digo isso é em todos os sentidos, intelectual, mental, sentimental etc. No primeiro ano de pandemia, confesso que não levei muito a sério, pois achei que duraria pouco. Mas quando caiu a ficha que aquela era a nossa nova realidade, tentei me virar sozinha.”

A herança do período pandêmico
Durante esse ano, a estudante do IF Sudeste Lara Oliveira Esteves, 19, teve que se adaptar novamente voltando ao modelo presencial. “Acredito que todas essas mudanças sejam positivas, mas geram inseguranças na hora de realizar a prova. O exame do Enem, além dos conteúdos, está atrelado a uma pressão de atividade avaliativa, porém, durante o período pandêmico, a estrutura de provas era diferente.”
Estudante do terceiro ano do Cave, Elisa Bara, 18, sonha em cursar a faculdade de jornalismo. Apesar de achar muito forte dizer que está “segura”, ela vem tendo condições desde o primeiro ano para se preparar, mesmo com a pandemia. “Estudo em um colégio excepcional, com profissionais incríveis e simulados extremamente necessários e parecidos com a prova de fato. Então, eu posso dizer que venho ganhando confiança com os meus estudos individuais e também com os professores que têm muita experiência com a prova do Enem e que, além de tudo, são muito amigos!”
Diferente de Elisa, que cursa o último ano do ensino médio no presencial, Talles Maia, 20, que estudou no Colégio Conexão, teve de fazer o terceiro ano on-line por conta da pandemia. “Esse momento influenciou outras coisas além do aprendizado, como questões psicológicas, gerando muitas vezes ansiedade e depressão, que também impactaram o momento. Eu tive que aprender a trabalhar em mim para que, assim, eu pudesse trabalhar o que era cobrado para mim e usar o ensino remoto ao meu favor, mesmo desejando pelo presencial.”

Fazendo Enem junto com o filho
Cíntia Luciene Machado, 44, é mãe de Talles e também de Heitor, 16. Filha de pai analfabeto e mãe que não conseguiu concluir o fundamental, a atendente finalizou o ensino médio há 23 anos e não teve oportunidade ainda de fazer uma graduação. Ela até chegou a começar o curso de psicologia em uma instituição particular anos atrás, mas não conseguiu finalizar. Então, este ano, enquanto estava no ônibus, Cíntia viu o cartaz do cursinho Garra, da UFJF, e se escreveu por uma vaga. Depois de um tempo, ela recebeu um e-mail informando que foi selecionada. “Se eu fosse ter que pagar, eu não teria condições, por isso precisava ser acolhida por uma instituição pública. Estou muito satisfeita.”
Voltando seus esforços para reiniciar o curso de psicologia, Cíntia observa muitas pessoas tratarem as oportunidades como iguais, mas ela afirma não ser bem assim. “Na prática, a realidade é outra. Imagina sair cedo de casa, ser mãe solo, trabalhar e ainda continuar os estudos como eu. Acho que deveria haver mais oportunidades para que todos tivessem as mesmas chances de realizar seus sonhos”, opina, animada com o incentivo que recebe de Talles e Heitor, e mais ainda por uma feliz coincidência: vai realizar a prova na mesma sala que o filho mais velho, que deseja entrar com a mãe na universidade pública.