100 anos do rádio: conheça a história da primeira emissora de Minas Gerais

No centenário da Independência do Brasil, em 1922, as áreas da cultura e da tecnologia estavam empenhadas em dar um outro grito de independência, de forma a criar, em ambiente nacional, coisas que refletissem o que era ser brasileiro naquele contexto. Foi nesse ano que aconteceu, por exemplo, a Semana de Arte Moderna. Mas foi em 7 de setembro daquele mesmo ano que uma moderna tecnologia de comunicação seria inaugurada oficialmente, em praça pública. No Rio de Janeiro, na exposição internacional que festejava o centenário da Independência, Epitácio Pessoa, presidente da República, teve seu discurso transmitido ao vivo e oficializou, assim, a primeira transmissão de rádio no Brasil, ainda em caráter experimental. Germinava ali uma semente que seria colhida um ano depois, com a criação da Rádio Sociedade, a mesma que fez a transmissão.
Aquela transmissão de 1922, feita para 80 receptores espalhados pela cidade, mais Niterói e Petrópolis, para ouvintes que mal escutavam o que o presidente tinha para falar, devido às ainda rudimentares tecnologias, foi o suficiente para que outras fossem surgindo no Brasil todo. O interesse por aquele meio de comunicação já se mostrava grande. Tanto é que poucos anos depois, em Juiz de Fora, em 1926, a primeira rádio da cidade já estava sendo inaugurada, sendo também a primeira de Minas Gerais. José Cardoso Sobrinho inaugurou, no primeiro dia do ano, a PRA-J, na Rua Tiradentes, que, mais tarde, receberia o prefixo de PRB-3. Em 1940, ela passou a fazer parte das Emissoras Associadas de Assis Chateaubriand. Já em 1980, o empresário Juracy Neves a adquiriu e rebatizou-a de Rádio Solar AM, que, hoje, é a Rádio Transamérica. Em 1988, foi criada a FM, atualmente, Rádio Mix, que, junto com a Tribuna de Minas, versões impressa e on-line, formam a Rede Tribuna de Comunicação.

Anos de ouro

Fato é que, até 1948, a então PRA-J se manteve sem concorrente, até que surgiu a Rádio Industrial e, logo depois, a Difusora. Era um momento de ouro das rádios, que recebiam artistas de outras cidades para se apresentarem nos programas de auditório, em uma competição saudável que fazia cada uma delas crescer de sua maneira. A lista de pessoas que participaram desse contexto e foram importantes para a manutenção e popularização do rádio na cidade é extensa. Paulo Cesar Magella, editor geral da Tribuna de Minas, é um desses nomes. Mas, para ele, o mais importante foi o pioneiro José Carlos de Lery Guimarães, nome que figurava entre as locuções e produções das peças voltadas para o rádio em seu momento de maior brilho, quando lotava estádios, como o do Sport Club Juiz de Fora, com espetáculos para multidões. À época de Lery, especialmente nos anos 1950, transmissões ocupavam a maioria das casas dos brasileiros, que ouviam o rádio em busca de entretenimento, mas também informação.
Não à toa, Magella considera que o que os meios de comunicação fazem ainda hoje é fruto exatamente do que o rádio já fazia naquela época. O editor geral da Tribuna foi responsável, por muitos anos, pelo programa “Ronda Policial”, criado pelo próprio Lery para a antiga PRB-3 e que sobreviveu por décadas. Mais que passar os boletins de ocorrência do dia, Magella vivenciava a realidade de dentro das delegacias. Até hoje, ele conta que recebe relatos de gente que o ouvia e o reconhece pela voz. O papel social do rádio, para Magella, que foi repórter, locutor esportivo e segue atuando como comentarista e apresentador na Transamérica, sempre foi primordial: já que o rádio estava ligado em todas as casas, era preciso mudar, também, a situação dos ouvintes. “Eu me sentia tocado por aquelas histórias e queria contá-las. Era também meu papel como locutor”, reflete.
O radialista, que começou a trabalhar na área com 16 anos, na década de 1970, é nome também importante do esporte na cidade. Em uma época sem internet ou canais de TV especializados, o rádio cumpria papel ainda mais fundamental que nos dias de hoje. “Era necessário que a gente narrasse tudo, de maneira bem descritiva, para que o ouvinte conseguisse acompanhar os jogos.” Da mesma forma, ele narrou bailes de carnaval, eleições e se mantém no imaginário juiz-forano. As histórias não caberiam em uma página de jornal ou em um programa de 2 horas de rádio.

Novos nomes

Foi Paulo Cesar Magella quem sugeriu a Marcelo Juliani, hoje apresentador da Transamérica, a fazer um teste para entrar na Rádio Solar, ainda nos anos 90. Já acostumado com o ambiente radiofônico, afinal, cresceu ouvindo, ele sempre ocupou o espaço de entrevistado. “Lá nos anos 70, eu, como músico, ia muito às rádios em busca de oportunidade. Mesmo com a televisão, era o rádio que dava oportunidade: ele chegava a todo mundo. Mas não pensava em estar do outro lado. Até que fiz o teste, passei, e fui picado pelo rádio. Era um encontro marcado, certamente.”
Acaba que Juliani acompanhou o próprio desenvolvimento da Solar nesses 25 anos de profissão: primeiro no esporte, até conseguir um programa todo seu, e, posteriormente, ser uma das principais vozes do rádio juiz-forano. “Naquela época, eu ficava o dia inteiro na emissora. Em casa, também ouvia. Minha vida era a rádio”, relembra. Ele ainda recorda que, se for levar em conta o tempo que a Solar existe, antes mesmo de receber esse nome, ela tem 96 anos: ou seja, desde a criação da PRA-J, passou por diversas gerações e noticiou os principais acontecimentos.

Rádio no ambiente digital

“A rádio é a melhor amiga das pessoas. Ela é fácil, só precisa de um sentido, a audição. Fato é que, com todas as mudanças, ela se manteve. Acho até que, agora, com a internet, ganhou ainda mais ouvintes”, acredita Magella. Juliani, por sua vez, diz que passou pelos principais desafios no meio, sobretudo com a internet, mas acredita que ela não vai morrer, porque soube se adaptar e reinventar uma nova forma de consumo e produção.
Cris Hubner foi a primeira voz feminina a assumir um programa de rádio semanal na Solar, e se manteve, inclusive atualmente, na Transamérica. Também vivendo as mudanças, aponta que o contexto atual é um desafio que está sendo conquistado. “A Transamérica vem pra mostrar a credibilidade que o rádio tem e a modernidade, a forma dinâmica da plataforma on-line.” Juliani concorda com Cris e ressalta que a função da rádio, hoje, mais que nunca, é a de transmitir informações com credibilidade. “A voz dos radialistas sérios transmitem isso, e o ouvinte reconhece. O rádio cumpre a função de cidadania, sem perder o entretenimento.”
Mesmo ciente de suas tradições, a Rede Tribuna de Comunicação continua atenta à transformação da linguagem radiofônica. Um exemplo disso são os podcasts mensais disponíveis no Spotify, que estrearam este ano. Suzana Neves, diretora presidente da Rede Tribuna, afirma que a intenção é continuar atuando nos principais pontos da Transamérica: a notícia, o entretenimento e o esporte. Mas, com as mídias sociais, pretende alcançar ainda mais ouvintes. “O rádio é um dos únicos meios que vêm se reinventando diariamente. Ele é instantâneo, fácil de comunicar e atinge todas as pessoas. A gente estende a plataforma para o digital, mas preservando a seriedade e a credibilidade conquistadas nesses 96 anos”, conclui.