30 toneladas de lixo são retiradas semanalmente das bocas de lobo de JF
Hábito de jogar rejeitos nas redes de captação de águas pluviais tem comprometido o sistema, levando a uma sobrecarga no trabalho de limpeza dos equipamentos
Cerca de 30 toneladas de lixo são retiradas semanalmente das bocas de lobo de Juiz de Fora, de acordo com a Secretaria de Obras (SO) da Prefeitura de Juiz de Fora. Onde deveria haver espaço para escoamento das águas pluviais, são encontrados todos os dias mais de 4 toneladas de todos os tipos de resíduos, como papel, garrafas PET, isopor, embalagens e areia. A quantidade é considerada alta pelo gerente do Departamento de Operação e Manutenção da SO, Domingos Sávio Gouvea. Ele explica que o ideal seria que esse trabalho fosse feito uma vez por ano, em cada localidade. Mas, em função da quantidade de material dispensa da nesses equipamentos, as equipes precisam se dedicar exclusivamente a essa limpeza, tendo que voltar muito mais vezes do que o previsto em cada bairro. Todo este trabalho causa impacto maior quando feito na região central, onde, no geral, há uma quantidade maior de resíduo, proporcional à concentração de passantes e também porque afeta o trânsito. É necessário cercar a área em que os trabalhadores estão, o caminhão fica parado dando o suporte para a ação e, em lugares como a Rua São Mateus, com fluxo intenso de veículos, pode causar retenção por algumas horas.
Em 15 anos de trabalho como encarregado da Secretaria de Obras, limpando as caixas de bocas de lobo, Paulo Roberto de Souza Lima já encontrou todo tipo de objetos durante o trabalho, de brinquedos e sapatos a uma ossada de boi. Ele conta que a quantidade de lixo recolhida é o que atrasa e encarece o trabalho. Algo entre 20 a 30 bocas de lobo são visitadas pelos servidores diariamente. Os trabalhos vão de uma ponta a outra da cidade. Começam, geralmente, na Zona Norte e vão até o Bairro Floresta, Zona Sudeste, passando por cada uma das localidades do município.
Para Paulo Roberto, a situação é mais grave nos bairros mais distantes do Centro. “Dependendo das condições, demoramos de sete a dez dias, em média, para terminar de limpar todas as caixas. Pegamos por rua, do início ao final, verificamos o estado de cada uma, até terminar todas as vias do bairro. Os mais afastados costumam dar mais trabalho porque a quantidade de lixo é grande, e as manilhas são menores. O que faz com que elas cheguem a entupir com mais facilidade.”
Enquanto a Tribuna acompanhava a limpeza do equipamento da Rua São Mateus, quase esquina com a Rua Morais e Castro, no Bairro São Mateus, Zona Sul, na última semana, ficou claro como a quantidade de lixo presente é constante. Além da areia, que se espera encontrar nas caixas, também eram retiradas garrafas PET, embalagens, papel, pedaços de roupa, marmitas de isopor, entre outros materiais.
O encarregado adianta que, se as pessoas deixassem de jogar materiais diretamente nas bocas de lobo e parassem de dispensar o lixo fora do horário em que os caminhões do Demlurb passam, ajudaria a tornar o serviço menos difícil e reduziria drasticamente os danos à rede. “Há uma falta de esclarecimento e de educação das pessoas. Muitas não fazem porque não querem mesmo. Porque o lixo, a partir do momento que passou da caixa para dentro, entrou na rede de manilha, compromete o sistema. Exige que a gente use máquinas, que abra caminho. Isso dificulta muito.”
O comerciante Ricardo Costa, que tem uma banca de revista próximo ao local em que a limpeza era feita, no São Mateus, viu o monte de lixo organizado ao final do trabalho e constatou que o volume ainda impressionava, mas era menor do que o retirado na limpeza anterior. “Muita gente passa e joga o lixo diretamente lá, mesmo tendo, no mínimo, três lixeiras instaladas em pontos bem próximos. Toda vez que chove, alaga a rua. Vem água lá do Estrela Sul, e aqui ela sobe para os imóveis. Já perdi boa parte da minha mercadoria, durante as chuvas. Hoje eu coloco tudo em uma altura segura antes de fechar.”
Ele destaca que a manutenção é feita recorrentemente, mas, mesmo assim, o problema persiste. “O povo não está colaborando. Está certo que há equipamentos mais modernos hoje em dia. Mas também sabemos que isso representaria um gasto maior, e o governo não está disposto a investir agora que estamos em crise. Já chegamos a levar a situação para os parlamentares, mas foi essa a resposta que recebemos”, acrescenta o comerciante.
Roubo de tampas
Não é só o descarte de lixo que torna o trabalho difícil e oneroso para o poder público. Assim como o dado sobre a quantidade de lixo retirada semanalmente das bocas de lobo, a campanha “Eu cuido de JF- Se é público, também é seu”, da Secretaria de Comunicação Pública da PJF, chama atenção para outros problemas. O furto de grades de boca de lobo causou um prejuízo de R$ 80 mil só no último ano, quando 400 grades foram roubadas no Centro. Também é a equipe do encarregado Paulo Roberto de Souza Lima que faz o serviço de substituição das peças.
Segundo ele, o ato de roubo das grades é algo que pode causar riscos aos cidadãos. “A caixa é bem alta. Ela já torna dificil para quem trabalha diariamente com as bocas de lobo, imagina uma pessoa mais idosa que não percebe a ausência da tampa ou se desequilibra perto dela. Pode vir a quebrar as pernas ou a sofrer um acidente bem mais grave. É perigoso. A grade é um instrumento que garante a segurança das pessoas.”
‘Falta de educação ambiental da população’
O professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF, Fabiano César Tosetti Leal, alerta que “esse é um material que não deveria estar nas bocas de lobo. Sabemos que há rejeitos provenientes da construção civil, armazenados de maneira inadequada. Porém, a maior parte do que é lançado nas redes é fruto de uma falta de educação ambiental da população”. Leal reforça que a sociedade não tem desenvolvido aspectos dessa formação, que não visa a apenas reduzir o lixo que se descarta nas ruas, mas também que não se faça o descarte irregular em locais indevidos, ou em cursos d’água, ou ainda fora do horário da coleta. “Tudo isso poderia ser desenvolvido melhor com um programa de educação ambiental das escolas desde os primeiros anos de ensino fundamental, porque, quando esse indivíduo chegar à idade adulta, já vai estar formado.”
O lixo depositado nas bocas de lobo forma uma barreira e, de acordo com o professor, pode obstruir a caixa, ou até mesmo a galeria. Lembrando que essa caixa é o que faz a ligação entre a unidade e as galerias. “Se essa unidade não funciona, o sistema de drenagem, como um todo, deixa de funcionar também, tornando a inundação mais frequente”, detalha. Sobre ter alguma tecnologia que possa atuar na diminuição do problema, Leal explica que, quando se trabalha com a drenagem urbana, não há uma solução definitiva. “Porque os projetos de drenagem são feitos para uma determinada quantidade de precipitação. Como trabalhamos com fenômenos da natureza, não há como prever qual é a intensidade de precipitação que vai acontecer sempre. Desse modo, o sistema de drenagem é dimensionado para minimizar os efeitos da inundação.”
Há nesse sistema, basicamente, conforme o professor, três elementos: a sarjeta, que é a parte da pista junto ao meio-fio; a boca de lobo e as redes de galerias. “Não existe efeito a longo prazo. Ele é sempre imediato. Porque o lixo lançado na rua, que obstrui o equipamento, faz com que a unidade deixe de funcionar. Se isso acontece, a inundação é a consequência.”
Prejuízos em dias de chuva forte
Quando chove um pouco além do previsto, como ocorreu na última semana, a conjunção de fatores como lixo jogado nas bocas de lobo; manilhas com capacidade pequena e grande volume de água represado pelos materiais que causam o entupimento da rede, favorece a ocorrência de alagamentos, que é um dos efeitos mais notáveis da falta de cuidado no uso dos equipamentos.
Exemplo disso é a situação registrada no Bairro Santo Antônio na última semana, quando a água invadiu as casas e provocou grande prejuízo a uma creche comunitária. “Mesmo limpando as caixas, abrindo, trocando as tampas e fazendo tudo o que é preciso, sem a colaboração das pessoas, esses problemas vão continuar acontecendo, porque a rede não é feita para comportar todos esses materiais”, salienta Paulo Roberto. Outro momento em que o dano à rede foi perceptível, se deu durante as chuvas do início do ano, quando boa parte da população de bairros da Zona Sudeste, como Vitorino Braga e JK, ficaram inundados em vários pontos.
Segundo o professor Fabiano César Tosetti Leal, não há como fugir de dois caminhos: a limpeza constante das bocas de lobo e o aumento dos esforços de educação da população para que esse material não seja lançado em via pública. “Já vi alguma referência a caixas de boca de lobo diferentes, como um cesto, para fazer a remoção mais fácil desse material. Mas eu não conheço nenhuma tecnologia que possa vir a minimizar os efeitos sentidos hoje. Então as possibilidades são essas: parar de jogar lixo na rua, evitar colocar os resíduos para coleta fora do horário indicado e voltar nossas atenções para a formação das crianças e dos adolescentes.”