Esquemas de transporte clandestino operam em diferentes regiƵes de JF
No SĆ£o Pedro e no Centro, imediaƧƵes de supermercados sĆ£o usadas como base para atrair passageiros; PJF diz manter “fiscalizaƧƵes periĆ³dicas”
“Transporte para o Linhares ou Bom Jardim?”, perguntou o homem enquanto a reportagem da Tribuna permanecia no ponto de Ć“nibus localizado em frente a um supermercado, no Centro de Juiz de Fora. “FaƧo pelo preƧo da passagem”, completou o motorista, antes de ouvir a resposta negativa. Ao longo das Ćŗltimas semanas, a Tribuna recebeu denĆŗncias e monitorou esquemas de transporte clandestino no Centro e no Bairro SĆ£o Pedro, na Cidade Alta, que operam irregularmente Ć s margens da interferĆŖncia de Ć³rgĆ£os de fiscalizaĆ§Ć£o no municĆpio.
O serviƧo clandestino usa as imediaƧƵes de supermercados como pontos de embarque de clientes, passando despercebido pela fiscalizaĆ§Ć£o da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). No Centro, motoristas atuam sem ser incomodados dentro do Hiper Bretas, aliciando possĆveis clientes que aguardam transporte coletivo no ponto de Ć“nibus ou na saĆda do prĆ³prio supermercado. Na Cidade Alta, os condutores se utilizam do intenso fluxo de clientes de um supermercado na Via 440, mas fora da Ć”rea do estabelecimento comercial. Outros locais de abordagem pelos motoristas irregulares ainda foram denunciados pela populaĆ§Ć£o e por um representante dos motoristas de tĆ”xi.
A prĆ”tica se configura infraĆ§Ć£o gravĆssima no CĆ³digo de TrĆ¢nsito Brasileiro (CTB) que, no artigo 231, define multa de R$ 293,47 para o “transporte remunerado de pessoas ou bens, sem licenƧa”, tambĆ©m punindo com sete pontos na Carteira Nacional de HabilitaĆ§Ć£o (CNH) e a remoĆ§Ć£o do veĆculo. O serviƧo clandestino tambĆ©m Ć© proibido em legislaĆ§Ć£o municipal pela Lei 9.520/99, que estabelece multa de atĆ© R$ 3.697,20.
Passageiros sĆ£o organizados dentro de supermercado
O esquema do Hiper Bretas chama a atenĆ§Ć£o pela quantidade de usuĆ”rios e pela maneira organizada como atuam os responsĆ”veis pelo transporte clandestino. A reportagem da Tribuna esteve no local quatro vezes para observar a operaĆ§Ć£o do serviƧo irregular. Os flagrantes ocorreram entre os dias 12 e 30 de julho em diferentes partes do dia, de modo a notar as nuances do comportamento dos motoristas.
Nos dias em que esteve no local, a Tribuna observou que, no perĆodo da manhĆ£ atĆ© o meio da tarde, os condutores atuam individualmente, abordando por conta prĆ³pria pessoas prĆ³ximas ao supermercado. O estacionamento do supermercado Ć© utilizado pelos condutores para facilitar o embarque de passageiros, uma vez que eles podem permanecer no local atĆ© dez minutos sem a necessidade de pagamento de taxas.
Em todas as abordagens, foram oferecidas apenas viagens para bairros da RegiĆ£o Leste, casos de Linhares e Bom Jardim, pelo valor de R$ 3,75, o preƧo da passagem do Transporte Coletivo Urbano.
Entre o final da tarde e o princĆpio da noite, perĆodo de maior fluxo de pessoas no local, o esquema ganha amplitude. Dado o grande nĆŗmero de usuĆ”rios do serviƧo clandestino, uma mulher se ocupa apenas de organizar os interessados em fila e separĆ”-los em quartetos que serĆ£o direcionados a cada carro. Enquanto a Tribuna esteve no local, ao menos trĆŖs diferentes carros foram avistados no local. O trabalho de separaĆ§Ć£o em quartetos Ć© importante para conferir agilidade ao processo de embarque, uma vez que os carros entram, embarcam os passageiros e saem do estacionamento rapidamente.
Em nota, apĆ³s a publicaĆ§Ć£o da reportagem, o Bretas garantiu que ānĆ£o orienta, permite, autoriza ou incentiva a abordagem irregular de particulares para oferta de transporte privado”. A empresa ainda afirmou que fica Ć disposiĆ§Ć£o para “colaborar com o Ć³rgĆ£o pĆŗblico responsĆ”vel pela fiscalizaĆ§Ć£o da prĆ”tica mencionada e soluĆ§Ć£o do problema”.
Na Cidade Alta, valores variam que bairro de destino
Na Cidade Alta, o trabalho ocorre na Via 440, nas proximidades de um supermercado, mas nĆ£o dentro do estabelecimento. LĆ”, o esquema Ć© mais simples, mas tambĆ©m opera durante todos os perĆodos do dia e em toda a semana. Ao menos trĆŖs motoristas permanecem na rodovia em frente ao supermercado, aguardando possĆveis clientes e abordando algumas pessoas que saem da loja com sacolas. Ao contrĆ”rio do praticado no Centro, os valores das passagens variam a critĆ©rio do motorista e a depender do bairro de destino.
“Eu jĆ” fui nesses carros umas trĆŖs vezes, com motoristas conhecidos. Quando nĆ£o conheƧo o motorista e nenhum outro passageiro, eu nĆ£o pego”, conta uma usuĆ”ria do transporte na regiĆ£o central, moradora do Bairro Linhares, que preferiu nĆ£o ser identificada. A demora para a chegada de Ć“nibus no local Ć© uma das justificativas elencadas para a preferĆŖncia pelo transporte irregular, assim como a grande lotaĆ§Ć£o dos Ć“nibus coletivos.
AlĆ©m dos pontos monitorados pela reportagem, a Tribuna recebeu denĆŗncias de atuaĆ§Ć£o de transporte irregulares prĆ³ximo Ć PraƧa da EstaĆ§Ć£o, no Centro, e em pontos de Ć“nibus da Avenida JosĆ© LourenƧo Kelmer, na altura do Bairro Nossa Senhora de FĆ”tima, na Cidade Alta. Nos locais, a abordagem tambĆ©m Ć© feita junto aos passageiros que aguardam Ć“nibus urbanos, oferecendo o serviƧo tambĆ©m pelo valor de R$ 3,75.
AssociaĆ§Ć£o de taxistas alerta prejuĆzos
A profusĆ£o de pontos de transporte irregular tambĆ©m Ć© apontada pela AssociaĆ§Ć£o dos Taxistas de Juiz de Fora. De acordo com o presidente Luiz Gonzaga, atĆ© mesmo no Parque Halfeld hĆ” a presenƧa de veĆculos clandestinos. “Em alguns horĆ”rios, tem fiscalizaĆ§Ć£o. Mas, quando os fiscais nĆ£o estĆ£o ali, eles fazem do jeito que querem. (Os irregulares) ainda estĆ£o passando em todos os bairros da cidade. NĆ£o sĆ³ prejudicam o transporte de tĆ”xi como tambĆ©m os Ć“nibus”, afirma, apontando ainda a dificuldade de competir com quem oferece o serviƧo sem pagar as devidas taxas ou respeitar regras de ocupaĆ§Ć£o de espaƧos.
O presidente da AssociaĆ§Ć£o dos Taxistas credita o alto nĆŗmero de transportadores irregulares Ć insuficiĆŖncia de fiscalizaĆ§Ć£o e Ć crise econĆ“mica do paĆs. “A situaĆ§Ć£o que nĆ³s estamos no paĆs tambĆ©m causa o transporte irregular. Mas nĆ£o cabe, se a coisa estĆ” ruim para vocĆŖ, vocĆŖ fazer a coisa errada”, opina Gonzaga.
A reportagem tambĆ©m procurou a AssociaĆ§Ć£o de Motoristas de Aplicativo de Juiz de Fora (Amoaplic/JF) para se manifestar a respeito do impacto do transporte clandestino para a categoria, mas nĆ£o houve resposta atĆ© a conclusĆ£o da reportagem.
‘Desorganiza o sistema de transporte e coloca em risco a vida das pessoas’, diz especialista
O transporte clandestino de passageiros, alĆ©m de representar um perigo para o usuĆ”rio, Ć© um fator de desorganizaĆ§Ć£o de todo o sistema regular do municĆpio, segundo o especialista em transporte e trĆ¢nsito JosĆ© Luiz Britto. Ele ainda lembra a falta de revisĆ£o nos veĆculos e, por vezes, o estado de falta de conservaĆ§Ć£o dos automĆ³veis. “Ć um transporte oportunista, realizado por aproveitadores com os veĆculos, muitas vezes, em pĆ©ssimo estado de conservaĆ§Ć£o”, avalia. “Isso desorganiza o sistema de transporte e coloca em risco a vida das pessoas. VocĆŖ nĆ£o sabe qual Ć© o estado daquele veĆculo, que nĆ£o Ć© fiscalizado e nĆ£o hĆ” nenhum tipo de verificaĆ§Ć£o de ordem tĆ©cnica do veĆculo”, critica Britto.
Para o especialista, um dos modos de fazer com que o consumidor deixe de optar pelo transporte irregular Ć© arquitetar um serviƧo regularizado de maior qualidade. “A gente precisa trabalhar em um sistema de transporte pĆŗblico que a gente possa confiar. Porque, alĆ©m de tudo, o transporte clandestino Ć© desorganizado e prejudicial Ć mobilidade urbana. Os regulares tĆŖm custo, tem o Ć“nus com a folha de pagamento, tem os impostos, cuidados com a higiene em decorrĆŖncia da pandemia. O transporte ilegal opera isento disso tudo”, pontua.
TambĆ©m Ć© importante a construĆ§Ć£o de um diĆ”logo com a populaĆ§Ć£o, segundo Luiz Britto, para alertar os perigos e os impactos negativos do transporte clandestino. “A gente tem que alertar as pessoas para nĆ£o fazerem esse tipo de coisa, porque ela estĆ” correndo risco. Seria necessĆ”rio que o prĆ³prio Governo municipal fizesse uma propaganda no sentido de nĆ£o usarem esse tipo de transporte. VocĆŖ pode usar o tĆ”xi, pode usar o transporte por aplicativo, que estĆ£o dentro dos padrƵes. Mas, no caso do clandestino, Ć© um risco que nĆ£o se deve correr”, conclui.
PJF diz fazer ‘fiscalizaƧƵes periĆ³dicas’
Contatada pela reportagem, a Secretaria de Mobilidade Urbana da Prefeitura de Juiz de Fora (SMU/PJF) garantiu que realiza “fiscalizaƧƵes periĆ³dicas para coibir o transporte clandestino”. De acordo com a secretaria, Ć© realizado um trabalho de inteligĆŖncia para localizar a ocorrĆŖncia da prĆ”tica. “Em seguida, a fiscalizaĆ§Ć£o Ć© realizada apĆ³s o planejamento de uma operaĆ§Ć£o conjunta com outros Ć³rgĆ£os de seguranƧa, tais como a PolĆcia Militar”, afirma.
Questionada sobre a periodicidade das operaƧƵes contra o transporte clandestino, a SMU diz que, “em funĆ§Ć£o da pandemia, o foco das atividades extraordinĆ”rias dos agentes da Secretaria de Mobilidade Urbana (SMU) foi voltado ao suporte Ć s operaƧƵes da ‘FiscalizaĆ§Ć£o pela Vida’, geralmente realizadas de quinta-feira a domingo, que tambĆ©m promovem fiscalizaĆ§Ć£o do transporte irregular”.
A SMU afirma que promoveu duas operaƧƵes para coibir o serviƧo irregular, uma no mĆŖs de maio e outra em junho, quando foram emitidas sete autuaƧƵes a trabalhadores clandestinos. “Novas operaƧƵes especĆficas para o combate ao transporte clandestino jĆ” estĆ£o programadas”, garante a secretaria. “Cabe destacar tambĆ©m, que, por nĆ£o ser regulamentado, essa modalidade de transporte pode gerar riscos Ć vida dos passageiros. Para exemplificar o risco: numa das operaƧƵes desse ano, um dos condutores flagrados no transporte clandestino era inabilitado”, complementa, em nota.
(Atualizada dia 4 de agosto, Ć s 8h32, com a nota Ć imprensa enviada pela rede de hipermercados Bretas).