Estudantes da UFJF se mobilizam para manter licenciatura em Letras/Libras
Para os discentes, possibilidade de conversão do curso para bacharelado representa não só prejuízo, mas também barreira para inclusão
Um abaixo-assinado elaborado por estudantes da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora, que somava mais de 3.800 assinaturas até a tarde desta sexta-feira (31), pede a não exclusão do curso de Letras/Libras da instituição. O receio é de que a licenciatura, que forma professores, seja convertida em um bacharelado, limitando o curso à formação de intérpretes. A proposta inicial foi votada e aprovada em um fórum da unidade, em sessão virtual realizada em maio, e a petição visa à reversão da decisão.
Além da petição on-line, o Centro Acadêmico Murilo Mendes da Faculdade de Letras (CAMM) publicou uma nota em suas redes sociais explicando o ocorrido e repudiando a decisão. De acordo com a representação estudantil, o fórum foi convocado para decidir sobre o futuro do curso. Havia a possibilidade de reformulação da licenciatura ou a substituição do curso atual. Ao fim da assembleia, a opção eleita foi a criação do Bacharelado em Tradução e Interpretação Português/Libras.
Na nota, o Centro Acadêmico de Letras argumenta que os profissionais formados no curso precisam ser licenciados para desempenhar a função de professor/intérprete nas escolas. Eles também frisam que o curso da UFJF atende não só a comunidade surda de Juiz de Fora, mas também de toda a região.
A formação atual é a principal forma de proporcionar o aprendizado da primeira língua do surdo, que é a Língua Brasileira de Sinais (Libras), ainda conforme o comunicado do CAMM. Ela oferece ferramentas para que o aluno surdo possa se comunicar, sem limitar o aprendizado à gramática da segunda língua, que é a Língua Portuguesa.
Outro ponto salientado pela nota é a estrutura atual do curso. Levando em consideração que o novo bacharelado é pensado a partir da experiência de outras instituições, há o questionamento sobre a capacidade atual de oferecer uma nova habilitação, levando em consideração todas as suas especificidades.
‘Exclusão’
Para os estudantes, a possibilidade de mudança, ainda que não seja oficial, significa uma barreira para a inclusão. “Como representação estudantil entendemos a possível mudança como excludente para a comunidade surda, além de acharmos que o curso tem alguns problemas de capacidade de professores especializados na área”, pontuou o membro do CAMM, Tiago Fernandes, à Tribuna. Ele reitera que a questão não se resume a não querer o bacharelado, porque há perdas para os estudantes surdos. “Por isso, vamos seguir com a mobilização, tanto nas redes sociais, como no contato com outras instituições e coletivos. Também vamos levar uma carta escrita por alunos e entidades para o Conselho Superior.”
Questionada pela Tribuna, a UFJF informou, por meio da assessoria, que o processo em questão está em discussão dentro da Faculdade de Letras e ainda não tramitou nos conselhos deliberativos da Universidade, seja no Conselho de Graduação (Congrad) ou no Conselho Superior (Consu). “Portanto, ainda não houve uma decisão institucional que motive uma manifestação da Universidade.”
A Tribuna solicitou, também por meio da assessoria, um posicionamento da Faculdade de Letras. Entretanto, até o fechamento da edição, a reportagem não havia recebido retorno.
Preocupação com o futuro
A notícia sobre a possível mudança surpreendeu os alunos do curso de Letras/Libras. Sara Ohana, que é surda, conta que uma professora a marcou nas redes sociais em uma postagem que falava sobre a situação. “São 30 professores do Departamento de Letras a favor desta mudança. Me senti extremamente preocupada. Ambas as modalidades (bacharelado e licenciatura) são importantes, mas o fim desta última representa enormes prejuízos.”
A graduanda explica que na licenciatura, existem metodologias didáticas que são fundamentais para a aprendizagem e aperfeiçoamento dos futuros professores surdos. São eles que vão ensinar para os alunos surdos. “Esses, por meio dos processos interativos de ensino, poderão construir seus aprendizados e ter naqueles professores verdadeiros modelos.”
A estudante acrescenta que os processos de ensino e aprendizagem entre alunos e professores surdos têm suas particularidades. Há entre os alunos surdos a preferência de que a mediação dos diversos campos do conhecimento seja feita na sua língua natural, o que torna a interação mais próxima. “Quando o professor não sabe Libras, faz-se necessário a presença de um intérprete. Esta situação, na maioria das vezes, vem recheada de ruídos, e, assim, causa um grande desconforto linguístico. Os surdos não querem aprender com esta dependência”, explica Sara.
‘Combate à segregação’
A situação também surpreendeu os alunos do curso que são ouvintes. Shirlei Reis, estudante do oitavo período do curso, pontuou que a decisão foi tomada já durante a pandemia, quando não ocorriam atividades presenciais. As alterações esperadas eram semelhantes às que ocorreram com outras licenciaturas, que envolviam itens como a carga horária.
“Representa uma perda muito grande, porque o aluno surdo, para ser intérprete, precisa de, no mínimo, ter um resíduo auditivo. Como o surdo vai trabalhar? A licenciatura tem como objetivo inserir o surdo no mercado de trabalho. Em longo prazo, traz uma educação de boa qualidade, para que eles possam ter uma vida escolar regular, como nós ouvintes temos.”
O curso, segundo Shirlei, ajuda a combater a segregação no ensino dos surdos, que muitas vezes acontece nas escolas. Com a mudança, ela entende que a equipe de professores também pode passar por problemas, porque além de estar voltada para a formação de licenciatura como objeto de estudo, os professores do curso atual teriam que adequar a formação para atender às demandas do bacharelado.
Shirlei salienta ainda que o que falta é melhorar o diálogo e a compreensão da comunidade surda. “Estou me preparando para formar e alcançar o mercado. Temos que entender que é um público com uma cultura totalmente diferente. Retirar esse espaço de formação é retroceder. São anos depositados lá, em um curso presencial. Não gostaria de vê-lo acabar dessa forma, ainda mais dentro de uma instituição como a UFJF”, lamenta.